Rio Tibagi: um gigante paranaense

Publicado sexta-feira, 10 de novembro de 2017 | Autor: Por Celso Felizardo e Anderson Coelho às 13:01 h

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[Rio Tibagi: Um gigante paranaense - Por Celso Felizardo e Anderson Coelho/ Reportagem especial publicada em 10 de novembro de 2017 - Especial Transmídia]
360 VR Folha de Londrina

INTRODUÇÃO

Quem vê o tímido veio d’água que escorre pelas pastagens pedregosas dos Campos Gerais, a mais de mil metros acima do nível do mar, pode ter dificuldade em assimilar que aquela pouca e límpida água se transforma em um gigante de 550 quilômetros de extensão. Trata-se do Tibagi, segundo maior rio inteiramente em território paranaense.

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NASCENTE DO RIO TIBAGI

Da região de suas nascentes, no limite entre Ponta Grossa, Palmeira e Campo Largo, até a foz, no Rio Paranapanema, em Primeiro de Maio, no Norte do Estado, o corredor de águas ferozes atravessa 18 municípios. Se forem colocados na conta os afluentes e subafluentes que formam a Bacia do Tibagi, são 42 municípios em um área de 25 mil km², território maior que o de Sergipe (21 mil km²).

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Por seus meandros viajam ricas histórias em vários sotaques; nasce “correndinho por um filete” - com ênfase no último ‘e’ - e morre sufocado num “mundão de água”, na Represa Capivara. No meio do caminho, proporciona lazer e sustento para pescadores amadores e profissionais, move turbinas que geram energia elétrica para 1 milhão de pessoas, abastece outro milhão com água potável e desenha paisagens irretocáveis que fomentam o turismo rural e de aventura.

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Seu curso conserva lendas indígenas, antigos garimpos de diamantes, esconderijos de bandoleiros. Histórias de aventuras que atravessam gerações em relatos dos ribeirinhos ou que vão para o túmulo com os mais antigos, que preferem não mexer no passado. Como os diamantes rarearam, as joias a serem lapidadas agora são outras: crianças inseridas em um projeto social de canoagem em Tibagi, que antes da busca por ouro, prata ou bronze, já são contempladas por inserção social e dignidade.

O rio é beleza, mas também é drama. Em Ponta Grossa, sofre com a atividade de extração de areia que, mesmo autorizada pelos órgãos ambientais, é apontada como nociva por especialistas. Sofre com a poluição, principalmente em Telêmaco Borba, ainda nos Campos Gerais. A sujeira e o mau cheiro tomam conta dos córregos afluentes dentro da cidade, resultado do crescimento não planejado da cidade industrial. Também é drama nas enchentes em Jataizinho. Lá, os moradores vivem com um olho no céu e outro no rio.

A equipe da FOLHA percorreu o Rio Tibagi de ponta a ponta e encontrou grandes personagens, paisagens incríveis e histórias genuínas.

Acompanhe a viagem nesta reportagem “TIBAGI: um gigante paranaense”

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I - ALTO TIBAGI

NASCIMENTO

Há 16 anos, um gaúcho com nome de lutador deixou sua terra natal, Bagé, na fronteira com o Uruguai, para morar em Ponta Grossa. Anderson Silva, 54, foi contratado para cuidar da criação de cavalos da raça crioula na Fazenda Santa Cruz. Longe dos pampas e de seus arroios, Silva encontrou familiaridade nos cursos d’água que cortam os campos pedregosos da propriedade. Ainda sem intimidade com a geografia local, não fazia ideia que o pequeno fluxo d’água que ele quase podia interromper com as mãos unidas em côncavo era, na verdade, um gigante de 550 quilômetros. Somente quando fez a primeira viagem ao Norte do Estado, deu-se conta que havia saído de onde o Rio Grande termina para morar onde um grande rio começa.

FAZENDA SANTA CRUZ

- É aqui que nasce o Rio Tibagi?

- É, sim, mas só quem pode autorizar a entrada na propriedade é o Anderson. Ele está lá naquela mangueira – aponta uma das empregadas da fazenda.

É nosso primeiro contato na propriedade próxima à Rodovia do Café. Ao chegarmos no local indicado, Silva está em uma pista, no treino de uma égua crioula de belo porte. Aceno de longe. Cavaleiro e animal vêem em um trote lento, escoltados por dois cães, um de cada lado, em sincronia absoluta. A cena, apesar de plasticamente bonita, é intimidadora. Àquela altura, já cogitava procurar outra nascente quando o homem vestido com boina e bombacha para e diz em tom firme:

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- Bom dia!

- Bom dia! - respondo. - O senhor é o seu Anderson?

- Isso mesmo, Anderson Silva, só que o pobre – brinca, referindo-se ao campeão de MMA.

ANDERSON SILVA

A piada foi o modo daquele homem de semblante fechado provar que as aparências enganam. Ao saber o motivo de nossa visita, pediu cinco minutos para levar a égua até a cabanha, onde se criam animais com técnicas avançadas de genética. Fazia questão de nos acompanhar. Deixamos a sede da fazenda e nos embrenhamos de carro por meio de estradinhas ora de terra, ora de pedra, cruzando plantações de pinus e pequenos riachos, verdadeiros lajeados. No último trecho, mais íngreme e de terra fofa, o carro ficou para trás e seguimos a pé até o topo da colina.

- Ali embaixo nasce o Tibagi – indica, apontando para uma fenda de cerca de 40 metros de altura.

- E tem como descer lá?

- Aqui é complicado, vou levar vocês em um trecho um pouco mais adiante.

TIBAGI(ZINHO)

O olho d’água estava ali, tão próximo e distante ao mesmo tempo. A frustração inicial logo se tornou alívio. A dificuldade de acesso torna a nascente mais protegida da degradação. Ali do alto, Silva nos mostra o cruzeiro da Fazenda Santa Cruz, imensa área de 1,7 mil hectares que abriga o tríplice limite de Ponta Grossa, Palmeira e Campo Largo. Conta que a filha é nascida no Paraná e que, hoje, já se considera também um pouco paranaense.

- Para o gaúcho, não é fácil deixar seu Estado, não. Mas gosto muito daqui, dessa tranquilidade. Hoje posso dizer que defendo a escuderia do Paraná, diz.

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Por outro caminho, menos íngreme, chegamos a um trecho acessível do que, na verdade, é um dos ribeirões que formam o Tibagi. Com a estiagem de setembro que já durava quase 30 dias, a água gelada e límpida corria rápido em pequeno volume pelas pedras. Silva diz que para proteger a nascente, o acesso aos visitantes é controlado. Como administrador da propriedade, sabe o tamanho da responsabilidade que tem nas mãos: a de ajudar a cuidar para que o segundo maior rio paranaense continue a nascer todos os dias.

- Vão com Deus e façam boa viagem! Voltem com mais tempo. Se avisarem com 24 horas de antecedência, podemos até queimar um osso aqui – despede-se.

AINDA JOVEM, O RIO É MALTRATADO

As múltiplas nascentes da região da Serra das Almas se convergem todas em um ponto próximo ao km 531 da BR-376, a Rodovia do Café, no trecho que liga Ponta Grossa a Campo Largo, formando oficialmente o Rio Tibagi. Ali, apesar de ainda pequeno em volume d’água, o rio é transposto por uma ponte de aproximadamente 50 metros de altura. Em um dos lados, uma grande formação rochosa em forma de totem chama a atenção na paisagem, podendo ser observada por quem passa pela rodovia. Um detalhe, no entanto, foge aos olhos de quem cruza a ponte com pressa: no topo do bloco de pedra, escondido em meio à vegetação, surge uma pequena estátua, réplica do Cristo Redentor.

NO TOPO DO TOTEM DE PEDRA, UMA RÉPLICA DO CRISTO REDENTOR
NO TOPO DO TOTEM DE PEDRA, UMA RÉPLICA DO CRISTO REDENTOR

Com as bênçãos recebidas, quase como em um batismo, as águas seguem seu curso. Circundam o Parque Estadual de Vila Velha para encarar uma de suas primeiras provações na zona sul de Ponta Grossa: a extração de areia. No bairro de Cará-Cará, maior distrito industrial do interior do Estado, o curso é todo serpenteado. É possível avistar pelo menos dois portos de areia em atividade às margens da rodovia que dá acesso a Palmeira. Caminhões carregados com areia e pedriscos deixam os estabelecimentos a todo momento, espalhando um rastro de sedimentos pela pista. A atividade é alvo de ambientalistas que a consideram nociva ao meio ambiente.

De acordo com o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), a extração de areia ao longo do Tibagi ocorre desde a década de 1970, antes da criação do próprio instituto e das exigências ambientais atuais. O órgão faz ressalvas que a atividade é passível de licenciamento ambiental e cabe ao IAP atender e exigir o cumprimento da lei.

“A região por onde o rio passa tem características geológicas muito particulares, devido à presença de arenito ao longo do seu trajeto. Por isso, é possível perceber que ao longo dos milhares de anos, o rio mudou muitas vezes o seu percurso. Pensando nesse ponto, a extração responsável de areia em leito do rio contribui de certa forma para garantir a continuidade do leito do rio”, traz a nota.

LIXO E CONTAMINAÇÃO

O Rio Cará-Cará é um dos primeiros afluentes do Tibagi. Sua bacia ocupa uma área de 102 km² e está localizada na parte central do município de Ponta Grossa, aproximando-se da área urbana, na zona sul, já próximo ao encontro com o Tibagi. No percurso, recebe água de diversos córregos, entre eles o Modelo, que atravessa a área do Aterro Controlado do Botuquara, também em Ponta Grossa.

O depósito de resíduos sólidos urbanos no local começou no final da década de 1960, na forma de lixão a céu aberto. De acordo com o engenheiro químico e professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) Ciro Zimmermann, como não havia controle do material que entrava no depósito, resíduos industriais e hospitalares também eram descartados, aumentando os níveis de contaminação. Somente em 2001, o lixão deu lugar a um aterro controlado, conhecido como Aterro do Botuquara.

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Apesar das melhorias, as condições ainda são precárias. Em fevereiro deste ano, a Prefeitura de Ponta Grossa foi notificada pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná) pelo vazamento de chorume e resíduos, inclusive para os cursos hídricos da região. “O aterro é considerado um passivo ambiental significativo e, apesar de já terem sido tomadas medidas para diminuir os impactos ambientais, a deposição de lixo durante 47 anos pesa na contaminação de bacias hidrográficas”, avalia Zimmermann.

O Ministério Público considerou a área inadequada para o depósito de lixo e por meio de um TAC (termo de ajustamento de conduta), pressiona a Prefeitura de Ponta Grossa a encontrar uma solução para o problema. Em 2015, a prefeitura se comprometeu a desativar o aterro, mas. O prazo venceria no final deste ano, mas no começo de novembro Prefeitura e MP chegaram a um acordo.

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O atual aterro controlado poderá continuar em funcionamento até janeiro de 2019, desde que não haja vazamento de chorume. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente informou que estuda a possibilidade do uso de um aterro privado e que estaria aguardando permissão do IAP. Conforme a nota, a Prefeitura de Ponta Grossa respondeu que abriu processo licitatório “que possibilite o encerramento das atividades do aterro” e estuda a disposição da unidade em um novo local com um novo projeto. A prefeitura destaca ainda que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente trabalha intensivamente na recuperação de todos os arroios da malha urbana de Ponta Grossa, com projetos de correção do saneamento básico, contenção de enchentes e realocação de famílias, além de projetos de educação ambiental.

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II - MÉDIO TIBAGI

DOS DIAMANTES AO TURISMO DE AVENTURA

Depois de seguir rumo a oeste, em seu trecho inicial, o rio toma a direção norte ao cruzar Ponta Grossa, sentido que seguirá até desaguar no Paranapanema. Recebe as águas dos rios Guaraúna, Pitangui, Sabão e Capivari e chega a Tibagi, cidade que, além de homônima, talvez seja a que mantém a relação mais intrínseca com o rio. Dos 22 mil habitantes, quase todos têm um relato sobre as águas para contar. As primeiras histórias precedem a fundação do município, em 1872.

Lugar de passagem de numerosas expedições, bandeiras e missões jesuíticas, a região ficou famosa pela notícia de abundância de diamantes e outras pedras preciosas. Já na metade do século 18, o Tibagi era conhecido como um eldorado. O historiador Luiz Leopoldo Mercer [1912-1986], que dá nome à Biblioteca Municipal de Tibagi, registrou em seu livro “Última Aventura no Garimpo” (Estante Paranista, 1981) uma grande baixa no rio, no ano de seu nascimento, o que fez ressurgir vários garimpos abandonados.

A estiagem foi o estopim para atrair uma grande leva de garimpeiros de todo o País, em especial de nordestinos oriundos de regiões mineiras. A tecnologia precária da época tornava o trabalho perigoso. Enquanto um homem mergulhava vestido com um escafandro - espécie capacete de bronze de 15 quilos – uma camisa de lona e dois pesos de chumbo de 30 quilos cada, para mantê-lo no fundo do rio, outro bombeava o oxigênio que abastecia o mergulhador por uma mangueira de borracha de 20 metros de comprimento. Para retornar à superfície, o mergulhador precisava subir por uma escada.

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LEIA TAMBÉM - Mais do que belo, um rio dos homens; - Uma nova era para os diamantes do Tibagi

“Tibagi nas Águas da História” (ABC Projetos, 2014), do jornalista Widson Schwartz, traz um capítulo dedicado aos “diamantes de encher chapéus”. Segundo o pesquisador, o auge do garimpo no rio se dá entre 1930 e 1936. “A cidade de Tibagi passa a ser a capital brasileira do diamante. Concentravam-se no Tibagi cerca de 3.000 baianos com 265 escafandros”, aponta Schwartz, com base no relato de Polybio Cotrim, que chegou a Tibagi em 1933, depois de passar por garimpos de Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás. Atualmente, alguns poucos aventureiros tentam ganhar a vida na procura de uma pedra preciosa, mas o fato é que a corrida do diamante ficou no passado. Parte dessa história está conservada no Museu Histórico de Tibagi.

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AS NOVAS JOIAS DO TIBAGI

Tibagi é conhecida como um celeiro de atletas de canoagem. As velozes corredeiras do rio, no trecho que corta a cidade, oferecem as condições ideais para a prática do esporte. A cidade chegou a abrigar a seleção brasileira de canoagem, que hoje está instalada em Foz do Iguaçu, por conta de maior estrutura e apoio. Porém, o DNA de Tibagi seguiu com a equipe na figura do auxiliar técnico tibagiano Ricardo Martins Taques.

Ex-atleta consagrado, Teco, como é conhecido, aprendeu as primeiras remadas no Tibagi. Dos muitos incentivos que teve, ele considera o primeiro como fundamental: o da mãe, Neuza Maria Pupo Martins. “Eu tinha um sonho e ela acreditou que ele poderia se tornar realidade”, conta. A experiência com Teco deu tão certo que ela decidiu ampliar o apoio. Hoje Neuza Martins é presidente da Atica (Associação Tibagiana de Canoagem) e “adotou” mais de 40 crianças e jovens. “Eles são os novos diamantes do Tibagi”, orgulha-se a segunda mãe da garotada.

Para Neuza, a questão social do projeto vale mais que qualquer ouro, prata ou diamante. “Tirar um menino das drogas, uma menina da prostituição são coisas que não têm preço. Aqui eles aprendem valores que carregam por toda a vida”, comenta. Para a tarefa diária de lapidar as novas joias do Tibagi, ela conta com a ajuda do técnico André Luiz de Paula, 32, que integrou a seleção brasileira por dois anos e meio. “Trazemos eles para o rio e o primeiro passo é fazer com que eles percam o medo da água. Em seguida, observamos quem tem mais vontade. Em questão de talentos, Tibagi é privilegiada”, elogia.

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A atual pista da modalidade slalon fica próxima à ponte da PR-340, que liga Tibagi a Castro. O município tem o projeto da construção de uma pista semiartificial, aproveitando o curso do rio. A intenção é criar estrutura para receber grandes eventos, como o mundial sediado pela cidade em 2004. A sede da associação fica em um barracão à margem do rio. A intenção de Neuza é ampliar o barracão para acomodar atletas de outras cidades. “As perspectivas são boas. Creio que, em breve, vamos colher os frutos”, projeta.

ATRAÇÕES PARA TODOS OS GOSTOS

ISOLDA ROSA RODRIGUES

Isolda Rosa Rodrigues, 69, mora há quase 30 anos na penúltima casa da rua Frei Gaudêncio, uma ladeira que termina na margem do Tibagi. A alegria da aposentada é ver o espetáculo das garças, todo fim de tarde. “Pode marcar no relógio. Deu cinco e meia, aquelas árvores ficam branquinhas, tomadas pelas garças. Em seguida, dá aquela revoada que é bonito de ver”, descreve.

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Na casa debaixo, mora o neto dela, o vigilante Márcio Rodrigues Banks, 24, “nascido e criado na beira do Tibagi”, como faz questão de ressaltar. O barulho das águas do rio embala o sono da filha mais nova, Estela, de apenas um mês. A mais velha, Sofia, de 5 anos, corre em volta da mãe que estende as roupas no varal. “Adoro essa tranquilidade. Já quiseram comprar nossa casa, mas já falei que daqui eu não saio”, garante.

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MÁRCIO RODRIGUES BANKS

LADEIRA DO PAREDÃO

Quem visita Tibagi pode desfrutar da mesma vista da família Rodrigues da Ladeira do Paredão, um parque com um mirante a poucos metros do rio. Já aqueles que preferirem contemplar a beleza do Tibagi de um plano mais aberto, uma boa opção é o mirante, construído em madeira na avenida Manoel das Dores.

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Agora, se a intenção é se molhar, o turista pode encarar uma descida de rafting pelas corredeiras. A cidade é referência em turismo de aventura e o serviço pode ser contratado em várias agências.

Outros atrativos são o carnaval de Tibagi, considerado um dos mais importantes do Paraná, e a visita ao Parque Estadual do Cânion Guartelá, a 20 quilômetros da cidade. Há opções de hospedagem tanto na cidade como em propriedades rurais.

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III- PROGRESSO X PRESERVAÇÃO

Do alto do teleférico da Klabin, ponto turístico de Telêmaco Borba que cruza o rio, ligando o centro da cidade ao Distrito de Harmonia, a vista é de encher os olhos. Mas, de perto, todo encanto fica para trás. Os impactos do crescimento desordenado da cidade de 74 mil habitantes são grandes e encontrados por todo o leito do rio: poluição por lixo, esgoto clandestino, assoreamento.

A reportagem percorreu bairros que margeiam o rio, como o Jardim Margarida e a Vila Marinha, e encontrou muita precariedade. Casebres de madeiras ficam na barranca do rio, abaixo do nível da rua, que não tem pavimentação. Havia muito lixo que, na primeira chuva, fatalmente teria o leito do rio como destino. Na margem do Tibagi, pneus, sapatos, eletrodomésticos e toda a sorte de quinquilharias compunham o maltratado cenário.

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Em outras regiões da cidade, os afluentes do Tibagi agonizam. É o caso do Rio Limeira, no Parque Limeira. O mau cheiro acompanha quem passa pela PR-160, a Rodovia do Papel, que corta a cidade. “O povo não tem consciência, não adianta. Mal acabam de limpar, eles sujam tudo de novo”, critica um morador que preferiu não se identificar.

O IAP admite que o grande parte do problema se deve a ligações clandestinas de esgoto doméstico, focos de poluição mais difíceis de serem identificados. “Para isso, é necessário que seja colocado corante em cada casa para depois analisar no curso hídrico se aqueles efluentes foram para a rede de esgoto, córrego ou para a galeria fluvial, por exemplo”, aponta o IAP. “Nesse ponto dependemos muito da consciência da população para ligar suas casas na rede de esgoto, pois a fiscalização é complexa”, acrescenta.

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POLÊMICA EM ALTA VOLTAGEM

No início dos anos 2000, rumores sobre a construção de uma usina hidrelétrica no Rio Tibagi tornaram-se motivo de embate entre ambientalistas e o governo. Por muito tempo discutiu-se os impactos ambientais que a obra causaria na região do Salto Mauá, entre Telêmaco Borba e Ortigueira, no Médio Tibagi. O fato é que em 2008 o projeto saiu do papel. No ano seguinte o curso do rio foi desviado por túneis e, em 2012, com investimentos de R$ 1,7 bilhão oriundos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a Usina Mauá, recentemente rebatizada como Governador Jayme Canet Junior, inicia as operações.

ALEXSANDER LANDO
ALEXSANDER LANDO

A usina pertencente ao Consórcio Energético Cruzeiro do Sul, formado pela Copel e pela Eletrosul tem capacidade de 363 MW, potência energética suficiente para abastecer uma cidade de 1 milhão de habitantes. O reservatório ocupa 84 km², área maior que a de cinco municípios paranaenses: Flórida (83 km²), Iracema do Oeste (81 km²), Santa Amélia (79 km²), Nova Santa Bárbara (71 km²) e Pinhais (61 km²). No vertedouro, que tem a função descarregar toda a água não utilizada para geração de energia, a capacidade máxima de descarga é de 7.173 mil m³/s, o que corresponde a 7 milhões de litros por segundo.

O gerente da usina, Alexsander Lando, considera os impactos ambientais ínfimos diante dos benefícios energéticos trazidos pela usina. “Toda obra implica em impacto ambiental. A construção da usina, desde o início, obedeceu todos os critérios determinados pela legislação. Se colocarmos na balança, tivemos muito mais ganhos do que perdas”, avalia. Ele comenta sobre a importância de investimentos no setor energético. “Se não estivéssemos atravessando uma grave crise financeira, o País certamente estaria vivendo outra onda de apagões. É preciso gerar mais energia”, defende.

O engenheiro Luiz Carlos Bubiniak lembra que o empreendimento teve investimentos de mais de R$ 300 mil em 34 programas ambientais, que incluem o remanejamento de quase 150 famílias, conservação da fauna e da flora, limpeza da bacia, recuperação de áreas degradadas e resgate do patrimônio arqueológico. Segundo dados do consórcio, a criação da usina deu significativo crescimento econômico na região, injetando ao ano, R$ 2 milhões aos cofres de Ortigueira e R$ 1,8 milhão ao de Telêmaco Borba. “O topo da barragem ainda serve de ponte de acesso entre os dois municípios, o que não existia nessa região”, destaca.

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IV– BAIXO TIBAGI

DEPOIS DE MUITA PEDRA, A TERRA VERMELHA

O ADVOGADO DO RIO

AO FUNDO: O MORRO DO TAFF
AO FUNDO: O MORRO DO TAFF

Cumpridos dois terços de sua viagem, as águas se aproximam das terras vermelhas do Norte do Estado. É o Baixo Tibagi. Depois de amansado pela represa, o rio torna a correr com fúria por suas corredeiras. Um dos primeiros pontos de relevância desta região é o cânion formado pelo Pico Agudo (Sapopema), ponto culminante do Norte paranaense, com 1.180 metros de altitude; e pela Serra Grande (Ortigueira), dez metros mais baixo. Compõe a paisagem ainda o Morro do Taff, em São Jerônimo da Serra, com 1.130 metros. A cadeia montanhosa Serra dos Agudos é muito procurada por aventureiros e amantes da natureza. A vista do alto é das mais belas encontradas em todo o curso do rio.

É no pé do Morro do Taff que o advogado Benedito Alves Rodrigues, 68, se “desliga do mundo”. A vara de pescar é o remédio contra o estresse da rotina agitada entre o escritório e o fórum. Mas engana-se quem acha que ele se esquece por completo do ofício. Aos fins de semana, ele é o advogado do rio. Se flagra algum crime ambiental, corre subir o morro para denunciar às autoridades. É que só do alto pega o sinal do celular. “Não ganho nada por isso, mas alguém tem que ajudar a fiscalizar, não é? Quero deixar essa beleza para os meus netos”, diz.

BENEDITO ALVES RODRIGUES
BENEDITO ALVES RODRIGUES

Com um barco de alumínio a motor, já encontrou desmatamento de perobas centenárias na margem esquerda do rio. “Liguei para o IAP em Cornélio Procópio, mas me falaram que se o crime for na outra margem do rio, quem atende é o escritório de Ponta Grossa”, indigna-se com a burocracia. Rodrigues conta que o rancho já foi uma jazida de diamante e que a região era reduto de pistoleiros. “Aqui já foi esconderijo de bandidos famosos. Até hoje o pessoal tem receio em falar sobre isso”, revela.

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O rancho é tão escondido que o acesso só é possível com caminhonetes ou veículos 4X4. “O pessoal me cobra para arrumar a estrada, mas se eu fizer isso acaba a tranquilidade”, sorri, deixando claro o fundo de verdade na brincadeira. Para os privilegiados que frequentam o rancho, na maioria das vezes os netos, ele deixa um conselho: “Se você souber respeitar o rio, ele só te dá coisas boas. O Tibagi é como um animal feroz: perigoso, mas leal a quem o respeita”.

DO RIO PARA AS TORNEIRAS

A partir deste trecho, os acidentes geográficos ficam para trás e o rio segue em terras planas até sua foz. Ele margeia o município de Londrina por 60 quilômetros, recebendo águas dos ribeirões Taquara, dos Apertados e Três Bocas. Próximo à foz do último desses está instalada a estação de captação de água da Sanepar. É o Sistema Tibagi, responsável pelo abastecimento de 60% da população de Londrina e 85% da população de Cambé. Um sistema avançado de bombas de captação consegue levar 1,8 mil litros de água por segundo até a estação de tratamento, que fica próxima ao Aeroporto de Londrina.

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Segundo o gerente industrial da Sanepar, Gil Gameiro, a intenção é ampliar a captação para 2,4 mil litros por segundo nos próximos anos por meio de recursos do Ministério das Cidades. As obras físicas já estão concluídas, restando apenas a aquisição de bombas e motores. A produção atual é de 190 milhões de litros por dia. Em dias quentes, o consumo na cidade chega a 230 milhões de litros por dia. O restante da captação é proveniente do sistema Cafezal e do Aquífero Guarani.

GIL GAMEIRO
GIL GAMEIRO

O Sistema Tibagi foi inaugurado em 1991 e, há quatro anos, passou por uma grande ampliação. Gameiro conta que a possibilidade de levar a água do Tibagi para as torneiras já era discutida desde a gestão do prefeito Dalton Paranaguá [1969-1973]. “Foi uma obra muito dispendiosa, mas foi uma das medidas mais acertadas. Com toda certeza, se não tivéssemos o Sistema Tibagi, Londrina estaria em uma grave crise hídrica”, aponta. “Como o Tibagi é um rio de grande porte, a captação é menos suscetível às mudanças climáticas, como no caso das estiagens”, completa.

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O DRAMA DAS ENCHENTES

Vencer o Tibagi, divisa natural entre o Norte Novo e o Norte Pioneiro, foi um dos principais desafios dos colonizadores. A promessa era de que, do outro lado do rio, na região de Londrina, as terras eram férteis e não tinham saúvas. A travessia, primeiramente, era feita em balsas precárias. Em 28 de julho de 1935 foi inaugurada a ponte ferroviária sobre o rio, em Jataizinho. Os veículos, porém, continuariam a cruzar o rio em balsas até a segunda metade da década de 1940, quando foi inaugurada a ponte rodoviária de 540 metros.

Em Jataizinho, o problema é quando a água vem em excesso. Quando o nível do Tibagi sobe além do normal, as enchentes na cidade são certas. Nas chuvas mais fortes, os moradores vivem com um olho no céu e outro no rio. “Já estou até acostumado, mas não é fácil viver assim. Quando a água começa a subir, já levantamos os móveis. Se vemos que é mais grave, aí o jeito é tirar tudo às pressas”, relata Carlos Aguiar, 45, morador da Vila Ricardo. Os moradores compensam o sofrimento com solidariedade. “Aqui todo mundo se ajuda. Assim, vamos sobrevivendo”, diz.

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V - FIM DA JORNADA

Da ponte da PR-323, entre Sertanópolis e Rancho Alegre, o Tibagi é visto pela última vez em forma de rio, com as margens bem definidas. Dali até a foz, no Rio Paranapanema, o curso é sufocado pela represa do reservatório da Usina Hidrelétrica de Capivara, em Primeiro de Maio.

O alagamento, ocorrido em 1975, reduziu a área cultivada do município, mas serviu para fomentar o turismo. No centro, as placas indicam o caminho até a ParanaTur, um balneário público com estrutura para os turistas se divertirem. Da mesma região partem embarcações para uma ilha que abriga um hotel de luxo.

ZÉ MORENO
ZÉ MORENO

A represa também serve como fonte de sustento para pescadores. Além da pesca tradicional, também há o cultivo de tilápias em tanques rede. Um dos pescadores mais antigos da região, José dos Anjos Moreno Ângelo, 55, o Zé Moreno, conhece cada palmo de água pela região. Ele se lembra do curso original do Tibagi antes da inundação, em 1975. “Os rios eram melhores, porque os peixes desovam no barranco. Com esse sobe e desce da represa, isso fica prejudicado”, critica.

Durante as pescarias, Zé Moreno aproveita para recolher lixo da represa. “Tem muito turista que não tem respeito pela natureza, joga muito lixo e emporcalha tudo”, chama a atenção. Umas das coisas que mais gosta é de contemplar o pôr do sol à beira da represa ouvindo uma moda sertaneja. “É um mundão de água! Eu sei que o Tibagi nasce lá pras bandas de Curitiba, Ponta Grossa. Lá eu não conheço, mas deve ser bonito igual aqui”, pressupõe.

No fim de sua jornada, o Tibagi deposita suas águas no “Panema”, corruptela e forma carinhosa pela qual é conhecida o Rio Paranapanema na região. Dali, as águas percorrem 264 quilômetros demarcando a divisa entre Paraná e São Paulo, no fim Mato Grosso do Sul, até desaguarem no Rio Paraná, o segundo maior da América do Sul, próximo a Porto Rico, no Noroeste. Pelos veios conectados que as águas percorrem pelo continente, o filete de água que brota dos Campos Gerais ajuda a mover as turbinas de Itaipu, cruza os pampas no Paraguai e na Argentina até desaguar no Oceano Atlântico, no estuário do Rio da Prata, próximo a Buenos Aires.

Imagem ilustrativa da imagem Rio Tibagi: um gigante paranaense

EXPEDIENTE

RIO TIBAGI: Um gigante paranaense
DATA DE PUBLICAÇÃO
10 de Novembro de 2017
TEXTOS
Celso Felizardo
FOTOS E VÍDEOS
Anderson Coelho
PRODUÇÃO/EDIÇÃO MULTIMÍDIA
Patricia Maria Alves
EDIÇÃO DE TEXTOS
Fernando Rocha Faro
EDIÇÃO SITE
Erick Rodrigues
IMAGENS AÉREAS
(cedidas pela CBN Londrina) Olavo Simões e Airton Procópio dos Santos (in memoriam)
MÚSICA
‘Além do remanso do Rio Tibagi’, composição de Claudio Avanso
ILUSTRAÇÃO
Gabriel Curtti
APOIO LOGÍSTICO
Sérgio Fávaro
INFOGRAFIA
Folha Arte
SUPERVISÃO DE PROJETO
Adriana De Cunto (Chefe de Redação)

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