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Pesquisadores da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu (Oeste), estão animados com os efeitos do extrato de Cannabis em pacientes com Parkinson e Alzheimer. Estudos iniciais conduzidos pelo Laboratório de Neurofarmacologia Clínica da instituição apontam que a substância extraída da planta Cannabis sativa, de onde é produzida a maconha, se mostrou eficaz na reversão da perda de memória causada pelo Alzheimer e reduziu a ansiedade, depressão e transtornos do sono nos pacientes com Parkinson.

Os estudos começaram em 2017 depois que os pesquisadores foram procurados pela mãe de uma adolescente de 17 anos com sequelas neurológicas decorrentes de um acidente de automóvel e que teve grandes avanços a partir do uso do extrato de Cannabis. Como sequelas do acidente, a garota teve perda cognitiva, de memória, dificuldades de marcha, problemas na fala, rigidez dos membros superiores, tremores e muitos espasmos, em torno de 50 a 60 por dia, que a impediam de ter autonomia. Ela não conseguia se alimentar ou se vestir sozinha.

Em algumas semanas após o uso do extrato, os espasmos cessaram e a rigidez diminuiu consideravelmente. Também voltou a fazer as atividades de rotina, como cozinhar, caminhar e se vestir. “Esse foi o estudo disparador em Foz do Iguaçu”, disse o coordenador do laboratório e professor da área de farmacologia clínica da Unila, Francisney do Nascimento.

“Após isso, conseguimos os extratos e em 2018 começamos a estudar pessoas com Parkinson. Tem uma associação de portadores da doença em Medianeira (Oeste) e começamos a avaliar esse extrato de Cannabis no tratamento do Parkinson”, contou Nascimento. Os pesquisadores passaram a observar os efeitos do uso da substância na redução dos tremores e outros problemas relacionados com a doença degenerativa, como transtornos do sono, depressão, ansiedade e dificuldade motora.

Na planta Cannabis sativa existem mais de cem cannabinoides identificados, mas os estudos da Unila se concentram especificamente sobre os dois cuja concentração é maior, o THC (tetrahidrocannabinol) e o CBD (canabidiol). “Iniciamos o estudo com um paciente de Parkinson e demonstramos que teve um ganho motor muito grande”, destacou Nascimento.

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'LUA DE MEL DO PACIENTE'

De modo geral, ao ser diagnosticado com Parkinson, o paciente começa o tratamento com um medicamento à base de levodopa, substância que age para amenizar os efeitos da redução da dopamina no cérebro, um neurotransmissor essencial para a realização de movimentos. Nos pacientes com Parkinson, os níveis baixos de dopamina levam à perda do controle dos movimentos e a levodopa funciona como uma espécie de dopamina artificial.

“Os efeitos da levodopa são muito bons por um período de cinco a oito anos, que a gente chama de lua de mel do paciente. Mas após esse período, não funciona mais e aí são associados outros medicamentos pouco eficazes e o paciente tem os momentos de 'off' (desligar, em inglês)”, explicou Nascimento.

Nos estágios mais avançados da doença, o paciente está bem e, de repente, começa a tremer e perde a mobilidade. O período de off pode durar de 20 minutos a uma hora. Nos estudos conduzidos pelos pesquisadores da Unila, ficou comprovado que o extrato de Cannabis funcionou para reduzir a frequência e a duração dos momentos de off, a principal limitação do doente de Parkinson no dia a dia.

“Utilizamos alguns sensores de movimento para avaliar o ganho do paciente. No estudo com uma paciente durante cinco semanas, observamos uma capacidade maior de efetivar o movimento, de continuar o movimento mais rápido nesse momento off e houve também uma redução dos seus tremores”, disse Nascimento. Os resultados estão sendo descritos em artigo a ser publicado em uma revista científica.

EFEITOS COLATERAIS

Esse estudo foi ampliado para oito pacientes que tiveram avaliadas não apenas a função motora, mas também a parte psiquiátrica, com análise da qualidade do sono e os níveis de ansiedade e depressão. “Os resultados serão finalizados agora, mas a gente já vê no dia a dia dos pacientes, a partir dos relatos deles, que nem todos melhoraram o tremor, mas todos reportaram em maior ou em menor grau uma qualidade muito melhor do sono e redução da depressão e estresse com o uso do extrato de Cannabis.”

“O extrato já é usado em outras pesquisas, mas o problema são os efeitos colaterais por causa da dosagem. O benefício observado nos nossos estudos está sendo praticamente o mesmo da dosagem mais alta”, explicou o neurocirurgião Elton Gomes da Silva, que coordena a parte médica dos estudos feitos na Unila. As doses mais baixas, ressaltou o médico, não produzem os efeitos colaterais observados em outros estudos que utilizam doses mais elevadas do extrato.

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FUNÇÃO PROTETORA

Os estudos da Unila sobre os efeitos do extrato de Cannabis em pacientes com Alzheimer ainda precisam ser ampliados para que os resultados positivos observados até agora possam ser confirmados. No ano passado, os pesquisadores acompanharam um paciente de 75 anos de idade diagnosticado com a doença há três anos e que fazia uso de um medicamento convencional, a memantina. Mesmo medicado, o paciente não saía mais de casa sozinho, esquecia as torneiras e as janelas de casa abertas e a chama do fogão acesa.

No estágio dois da doença, considerado moderado, ele deixou de ser medicado com o remédio habitual e o médico neurologista responsável pelo estudo, Elton Gomes da Silva, passou a ministrar apenas o extrato de Cannabis, contendo 500 microgramas de THC (tetrahidrocannabinol). “Após três meses, o score dele nos testes de memória de praxe que são feitos para Alzheimer estava muito diferente. Estava em um estágio praticamente idêntico a antes de ter a doença”, avaliou o coordenador do Laboratório de Neurofarmacologia Clínica e professor da área de farmacologia clínica da Unila, Francisney do Nascimento.

Durante o estudo, os pesquisadores tentaram aumentar a dose na expectativa de melhorar ainda mais os efeitos do cannabinoide, mas o resultado foi diferente do esperado. “Aumentamos a dose e os efeitos foram reduzindo. Então, começamos a reduzir a dose, reduzimos até um certo nível, e o resultado foi melhorando.”

Na próxima fase do estudo, serão avaliados oito pacientes para tentar comprovar, “de forma inequívoca”, que os resultados com as doses de Cannabis ministradas a pacientes com Alzheimer no estágio dois da doença, um estágio moderado, irão se repetir. Metade deles irá receber o extrato de Cannabis e a outra metade, placebo.

“Entre os dados dos nossos estudos, os mais surpreendentes são, sem dúvida, sobre o Alzheimer. É a patologia para a qual a há menos medicamentos no mercado. Os medicamentos que se ministram após o diagnóstico da doença oferecem melhora entre seis e oito meses. Após esse prazo, a doença segue progredindo. Não há nenhum medicamento que consiga ter um efeito maior do que oito meses e com uma reversão tão boa. Então, o nosso resultado foi excepcional”, comemora Nascimento, que no momento elabora um artigo para uma revista médica norte-americana descrevendo o achado.

“O extrato pode ter uma função protetora sobre o cérebro. Queremos ver se o extrato vai frear a degeneração e recuperar a parte degenerada”, disse Silva. Os pacientes que irão participar da segunda fase dos estudos sobre Alzheimer estão em fase de triagem e as pesquisas começam entre agosto e setembro e devem durar 90 dias.

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