Nunca se falou tanto em dietas como nos últimos tempos. Receitas mirabolantes para perder peso, a adoção de termos como "gordices" ou "jacar" - referentes a comer alimentos não previstos em cardápios para emagrecimento rápido – e a ideia de que é possível alcançar o corpo "perfeito" com "objetivos claros e foco na dieta" são recorrentes nas conversas cotidianas.

Contraditoriamente, os brasileiros nunca tiveram tanto excesso de peso. A última edição da pesquisa Vigitel, realizada no ano passado pelo Ministério da Saúde, constatou que 52,5% da população adulta apresenta o problema, com crescimento de 23% em relação aos dados coletados em 2006. Além disso, 17,9% das pessoas com mais de 18 anos já são obesas. Conforme o Ministério da Saúde, esta realidade assusta, pois 72% das mortes no Brasil são causadas por doenças crônicas como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e câncer, que teriam como fator de risco a obesidade.

Diante da contradição, o que explica o excesso de peso mesmo com tantas informações sobre "vida saudável" e dietas? "A obesidade é um grande enigma", afirma a nutricionista franco-brasileira Sophie Deram, doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Sophie também é autora do best seller "O Peso das Dietas" (editora Sensus), onde questiona a validade das dietas restritivas e propõe um estilo de vida baseado em comer com consciência todos os tipos de alimentos, com ênfase em opções frescas e naturais.

A especialista considera a obesidade intrigante porque, ao contrário das doenças infecciosas, não existe um remédio para combatê-la. "É uma doença crônica causada por diferentes fatores. O mais triste é que se trata de uma doença evitável", pontua, lembrando que apesar de ser possível preveni-la, é difícil tratá-la justamente porque os cientistas ainda não entendem como funciona.

Sobre os índices de sobrepeso e obesidade no Brasil, ela também considera difícil apontar uma causa. Levanta, porém, algumas hipóteses sobre a epidemia. Uma delas é que o Brasil, há 40 anos, era um país que enfrentava a desnutrição. "A criança gestada por uma mãe desnutrida pode ter mais riscos de engordar, mas o ganho excessivo de peso vai depender do que ela come e do jeito que vive", afirma.
Outro fator é a mudança nos hábitos alimentares da população, que aumentou o consumo de produtos ultraprocessados, com adição de muito açúcar e gordura, em detrimento do consumo de alimentos frescos e naturais, preparados em casa, como aliás preconiza a nova edição do Guia Alimentar Brasileiro. Predisposição genética é outro fator que leva ao ganho de peso, desde que este "gatilho" seja disparado por alimentação e comportamento inadequados. Mas a causa mais surpreendente, segundo Sophie, é o hábito de fazer dietas.

Segundo ela, as dietas restritivas, baseadas em "fechar a boca e fazer exercícios", comprovadamente não levam ao peso saudável. "Pesquisas indicam que 95% das pessoas que fazem dieta voltam a engordar", aponta. A explicação para o "efeito sanfona" vem da genética. Sophie explica que quando submetemos o corpo a restrições de alimentos, o cérebro se adapta à falta de comida e muda a expressão dos genes, levando o organismo a sentir mais fome e reduzindo o metabolismo. "É por isso que as dietas restritivas funcionam a curto prazo, mas depois levam ao ganho de peso de novo. O corpo se modifica para comer mais e gastar menos", destaca.

Outro alerta da nutricionista diz respeito à vontade de "perder dois ou três quilos", tão comum entre as mulheres que almejam o corpo "ideal" divulgado pela mídia. "É possível perder muito peso em pouco tempo, mas desequilibra o corpo. O melhor caminho é o da moderação", reforça. "A maior parte dos transtornos alimentares começa com dieta. Comer conscientemente, quando sentimos fome e até nos sentirmos saciados, é o comportamento adequado para manter o corpo saudável."

Ela enfatiza que o peso é a consequência, e não a causa da obesidade. "Perder peso é também uma consequência de entender qual foi a causa", acredita. Por isso, Sophie defende que o controle da obesidade está na prevenção. "Desde 1985, estudos mostram que fazer dietas pode levar à compulsão. As pessoas se submetem a restrições alimentares, emagrecem, mas voltam a engordar e ainda são taxados de preguiçosos ou fracassados", lamenta. Cozinhar em casa, consumir alimentos "verdadeiros", estabelecer rotinas, comer à mesa, praticar atividades físicas, beber mais água, evitar o "comer emocional" e respeitar o próprio corpo são o caminho para combater o excesso de peso que pode levar ao desenvolvimento de outras doenças crônicas.

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