Segundo especialista, apesar de a depressão ser mais aceita socialmente como transtorno de saúde, muitas pessoas evitam assumir
Segundo especialista, apesar de a depressão ser mais aceita socialmente como transtorno de saúde, muitas pessoas evitam assumir | Foto: Shutterstock



São Paulo - "Minha filha começou com depressão aos 18 anos, ela não achava mais graça em nada e a gente, na medida do possível, dava tudo que estava ao nosso alcance. Ela foi mudando o comportamento, a gente começou a procurar ajuda", conta uma mulher de Londrina que perdeu a filha aos 30 anos em 2016. Segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade, divulgado em 2017 pelo Ministério da Saúde, no Brasil 11 mil pessoas por ano tiram a própria vida e o ato é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. De acordo com o Boletim Epidemiológico do MS, a taxa de suicídio de crianças e adultos até 29 anos foi a segunda maior registrada de 2011 a 2015 - 8,5 mortes para cada 100 mil habitantes. A primeira está entre idosos, com mais de 70 anos (8,9 para cada 100 mil habitantes). Especialistas defendem que é preciso desmistificar o problema e conscientizar população sobre a busca de ajuda adequada na prevenção de novas vítimas.

Se a adolescência e juventude já possuem seus tabus, falar sobre suicídio pode ser ainda mais vetado. A depressão, maior fator de risco, já demonstra um estigma. "Apesar de a depressão ser bem mais aceita socialmente como transtorno de saúde, muita gente evita até falar ou assumir. De maneira geral, é muito difícil reconhecê-la, porque é secreto, você não fala socialmente de coisas tristes, tem vergonha, não aceita ajuda, pois acha que depressão está associada à loucura e também coloca a culpa em fatores externos", explica o psiquiatra Teng Chei Tung, coordenador dos Serviços de Pronto-Socorro e Interconsultas, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da USP (Universidade de São Paulo).

No caso dos adolescentes, a questão é ainda mais delicada, pois há fatores específicos da faixa etária, como a baixa autoestima e senso de culpa para eventos negativos. "A adolescência já é, por si só, um período conturbado. Mas quando falamos em suicídio, devemos pensar em um fenômeno que traz uma convergência de fatores, o que inclui aspectos fisiológicos, sociais e culturais, combinados, muitas vezes, a experiências de trauma ou perda", afirma Tung, que cita também o bullying e presença de transtornos psiquiátricos não diagnosticados adequadamente como fatores de atenção.

Independente de idade, o preconceito e falta de conscientização fazem com que a busca por ajuda aconteça de forma inadequada. O psiquiatra aponta pesquisa que diz que 75% dos depressivos suicidas buscam socorro e estavam em tratamento antes de cometer o suicídio, mas que apenas 3% dos pacientes estavam tomando antidepressivos na dosagem ideal e 7% deles estavam em psicoterapia no momento do episódio. "Ou seja, eles buscam ajuda, mas não fazem bom tratamento. Nisso, entram todos os estigmas e questões que fazem com que a pessoa abandone o tratamento, acabe sofrendo e procure apoio de forma inadequada. Em geral, na crise, o médico procurado não é o psiquiatra", afirma.

A mulher de 30 anos que tirou a própria vida em 2016 foi diagnosticada com depressão aos 18. A mãe conta que foram 12 anos de sofrimento para fazer com que a filha não abandonasse o tratamento até que o contato com drogas piorou a situação. "Eu fiz tudo que eu podia, mas chegou ao ponto que não estava mais sob nosso controle, ela parou de tomar medicamento, fugia da clínica, isso, eu acredito, devido ao uso de drogas. Antes, enquanto tinha o acompanhamento, ela foi vivendo, foi prolongando", lamenta.

Se de um lado o trabalho educativo com profissionais de saúde se torna essencial, e a literatura médica recomenda que eles falem sobre suicídio com os pacientes; do outro o acolhimento por parte da rede de apoio formada por amigos e familiares tem grande importância na prevenção. "A família toda apoiou, escutamos, levamos para o tratamento médico, inclusive, ela reclamava que estávamos a sufocando. Durante o período que seguia o tratamento, deu certo, porque, com medicação, a pessoa consegue ter a vida normal. Tenho amigos que convivem com a doença, mas eles aceitam serem tratados", conta a mãe.

Estar informado e conscientizado sobre a depressão não é uma responsabilidade apenas dos profissionais de saúde. "A identificação de pacientes sob risco ainda não é satisfatória, falta não só informação médica como, nós, como sociedade, não estamos devidamente informados e preocupados para o fato de que alguns sinais são importantes", afirma Eurico Correia, diretor médico da Pfizer. A farmacêutica, com apoio do CVV (Centro de Valorização da Vida) lança campanha digital #SAIADASOMBRA, com foco na importância de vencer o silêncio social associado ao tema.

Com foco nos jovens, a intenção é fomentar a discussão durante a campanha global Setembro Amarelo. "Vamos caminhar para eliminar a ideia de que o suicídio é uma consequência natural, mais de 90% das pessoas que cometeram suicídio têm doença mental, não é comportamental. O suicídio é uma morte evitável", aponta Correia.

A mãe, que ainda vive o luto, acredita que as dificuldades e sofrimento impõem a sensação de incapacidade e impossibilidade de haver uma forma de evitar o suicídio de outra pessoa, mas aconselha pais e responsáveis que estejam passando pela mesma situação. "Se a questão for depressão, recomendo que a família ocupe o tempo da pessoa, colocar em mais terapias e fazer o tratamento correto, acredito que se o doente não melhorar, ele pode, ao menos, estabilizar e conviver com aquilo", finaliza.

* A jornalista viajou a convite da Pfizer