Imagem ilustrativa da imagem As jornalistas: elas vieram, viram, vencerão e contam suas histórias
| Foto: Patricia Naomi Sagae

O noticiário alerta diariamente que o mundo ainda está longe de ser um lugar seguro e justo para as mulheres. As agressões em todos os seus níveis e as diferenças sociais em várias condições apontam que a igualdade de gêneros é continua, sendo apenas uma meta a ser alcançada. Ao longo da história, não são poucos os episódios em que atos e conquistas femininas viram capítulos de livros por mudarem as regras naquele momento. Em longínquos tempos, leis foram alteradas para que coroassem rainhas, juntas elas defenderam o direito ao voto, sutiãs foram queimados como símbolo da luta pela liberdade e foram precisas leis específicas para enquadrar a violência dentro das casas.

Sob o olhar de um homem, não deveria ser difícil imaginar que cada mulher é protagonista de um longo enredo em que precisa provar mais de uma vez sua capacidade e ter persistência para ganhar o próprio espaço. Mais uma vez, o passado nos oferece exemplos. Se em períodos de guerra elas são as primeiras vítimas das barbáries, o sexismo é esquecido quando operárias são recrutadas para as fábricas e as linhas de frente. Sem o panorama bélico, olhamos em nosso seio familiar e temos um mar de exemplos. São avós, mães, irmãs, mulheres, amigas e colegas que fazem com que nós, homens, tenhamos nossos olhares cheios de orgulho e reflitamos sobre como nos comportamos.

Nós, da imprensa, temos um papel importante na defesa dos direitos civis, no compartilhamento de fatos que ajudem a garantir a igualdade de gênero e de promover a reflexão. Se antes as redações eram dominadas por homens, hoje nos misturamos com naturalidade, com coleguismo e respeito. As jornalistas ocupam papel fundamental nesta função e na FOLHA não é diferente. Não só pelas biografias das profissionais, como por narrarem histórias de outras vidas – ou ilustrem, como o caso da arte desta página, feito pela designer Patrícia Sagae. O Dia Internacional da Mulher é oportunidade para se pensar no que falta ser feito, mas também de celebrar o que foi conquistado.

Estes relatos apresentados nesta página rememoram a trajetória da primeira mulher a trabalhar no jornal, há 50 anos, mostra os desafios de quem está na linha de frente, fala do sentimento de quem retrata os mundos e, finalmente, propõe uma reflexão sobre o futuro a partir de uma jovem profissional. Como olhos da sociedade, nós da imprensa podemos, sim, ser exemplo de como mulheres e homens, lado a lado, formam o único caminho de uma sociedade justa e equilibrada. A partir das nossas jornalistas, a realidade narrada oferece perspectivas próprias. Por suas vozes, olhares e textos, nós, homens, só podemos dizer obrigado.

Imagem ilustrativa da imagem As jornalistas: elas vieram, viram, vencerão e contam suas histórias
| Foto: Arquivo Pessoal

A pioneira, Christiani Helena Moraes

“Querer é poder, é insistir, é realizar. Nada me demove quando eu quero – e tenho vencido”. Cresci ouvindo meu saudoso pai repetir esta frase. Logo, nunca desisti de fazer algo, antes de tentar. Foi assim – com a cara e a coragem – que me insinuei para trabalhar na Folha de Londrina, em 1969, aos 19 anos. Comecei ajudando no laboratório fotográfico, recebendo as radiofotos, a grande novidade dos jornais impressos, à época. Em pouco tempo passei a frequentar a redação, um reduto exclusivamente masculino. Com o beneplácito do chefe de reportagem, Leonardo Santos, e do chefe de redação, Walmor Macarini, venci a resistência e conquistei a simpatia dos 36 “rapazes” que ali trabalhavam. Liberei-os para falarem os palavrões que volta e meia escapavam. Nada mais cabeludo do que um “vá à merda” ou “PQP”. Vejam só!

Me juntei à equipe dos repórteres locais formada por um grupo de jovens também recém-chegados: o Dinho – Domingos Pellegrini Jr –, o Carlos Eduardo Lourenço Jorge; o Luiz Cláudio Cunha, o JJ. Pulls e o Ricardo Sampaio. Quase todos oriundos do “Curso Livre de Jornalismo” promovido pelo baiano Edilson Leal. Eles, de bate pronto, foram contratados com carteira assinada. Já eu, precisei trabalhar três meses de graça porque precisava provar competência. Ao final, na entrevista com o patrão, o João Milanez, ouvi: “Olha aqui mocinha, o Léo me disse que você quer ser jornalista. Passa lá no Departamento Pessoal e diz que mandei te contratar, mas prometa que vai se comportar”. Concordei com um aceno de cabeça e foi assim que me tornei jornalista, há exatos 50 anos.

Muita força de vontade, insistência e resistência fui – com muito orgulho – a primeira mulher da redação da Folha de Londrina, considerado o grande jornal do Paraná, que circulava diariamente nas maiores cidades do nosso estado, além de Florianópolis e São Paulo. Tempos depois, deixei a reportagem para escrever a coluna Ronda pela Cidade, espaço no qual o povo tinha voz e vez. Um agito antes de existirem os órgãos de defesa do consumidor. Naquela ocasião, fui convidada a participar de um programa de gincana da TV Coroados, o primeiro canal de televisão de uma cidade do interior, e causei grande surpresa: “Nossa! Uma mulher é que escreve a Ronda?”, questionou o apresentador.

Também criei e editei o “Caderno Feminino”, suplemento semanal de quatro páginas, dedicado ao público feminino. Uma novidade nos jornais da época. Em fevereiro de 1973, então casada com Creso Luiz de Moraes, colega de redação, deixamos a FOLHA, para viver, estudar e trabalhar (inclusive num jornal bilíngue), nos Estados Unidos. Na nossa volta, terminei o curso de Direito – e tive a honra de ser a primeira advogada a conquistar um cargo na OAB Paraná, na Caixa dos Advogados. Em 1978, abrimos a Enfoque, a pioneira Assessoria de Imprensa do Paraná, e ainda criamos cinco filhos. Sou uma mulher realizada. Fui à luta. Quebrei tabus e preconceitos. Talvez tenha tido mais sorte que juízo, mas segui os conselhos de papai. Em agosto completo 70 anos. Estou pronta para outros desafios? Quiçá.

Imagem ilustrativa da imagem As jornalistas: elas vieram, viram, vencerão e contam suas histórias
| Foto: Arquivo Pessoal

A bendita-fruta, Olga Leiria

Não sei como descrever a sensação de fotografar, ela realmente é mágica desde o seu nascimento. Quando você está esperando o instante exato para clicar e, ao disparar, sente na alma que fez “a foto”, o sentimento é único, insubstituível. Muitas matérias foram importantes para mim durante todo o período que trabalhei na Folha de Londrina, ao longo de sete anos. Vi as comemorações dos 100 anos da imigração japonesa, com a vinda do príncipe do Japão. Cobri a vinda do ex-presidente Lula para o município de Congonhinhas para implementar o programa Luz para Todos na região rural. Testemunhei o começo da invasão do Morro do Carrapato, onde conheci um senhor que se emocionou com a chance de realizar o sonho de ter o talão de luz no seu nome. Fiz ainda uma matéria sobre o plantio de soja em Paiquerê, onde boa parte da produção alimenta o mundo praticamente. Vivi o calor das manifestações quando o ex-presidente do Paraguai Fernando Lugo foi deposto e a Ponte da Amizade foi fechada.

Uma mulher repórter fotográfica não é um fato muito comum em uma redação de jornal diário. Talvez seja pela rotina do trabalho que não possui muito glamour e delicadeza, e nos expõe à chuva, fumaça de pneus queimados em protestos, deixa os pés molhados da água de esgoto da chuva, sem contar a privação por horas de pé e sem poder ir ao banheiro durante rebeliões. Sempre fui muito feliz com a profissão que escolhi, recebi alguns olhares machistas em pautas por ser a única mulher, o que tornava o meu desafio ainda maior: precisava mostrar que o meu trabalho tinha tanta qualidade quanto o deles.

O trabalho de um repórter fotográfico é documentar. Trabalhamos com registros, ajudamos a construir a história e, por isso, o valor da fotografia de um jornal é importantíssimo. Já o papel da mulher na fotografia é fundamental, isso porque temos muitas vezes a capacidade de compreender o que a nossa retratada está sentindo. Somos como ela. Ao ver um lindo trabalho de uma fotógrafa cumprimos o papel de inspiração. Podemos provocar que outras mulheres também busquem nesta profissão uma motivação e, desta forma, reproduzirem o nosso olhar sobre aquelas que estão sob o foco nas nossas lentes.

Imagem ilustrativa da imagem As jornalistas: elas vieram, viram, vencerão e contam suas histórias
| Foto: Arquivo Pessoal

A constância e a experiência, Adriana de Cunto

Quando recebi a proposta de o jornal publicar uma matéria de relatos de mulheres jornalistas entendi que, no período em que vivemos hoje, era uma ótima chance de defender a profissão que abracei há 32 anos. E, principalmente, homenagear as repórteres, editoras, produtoras, fotógrafas, enfim, todas que exercem uma função na Comunicação.

Tenho o orgulho de ainda exercer o ofício em um jornal que, além de estar presente online, se mantém forte no impresso, a Folha de Londrina, onde comecei antes mesmo de me formar na UEL (Universidade Estadual de Londrina), no final da década de 1980. Tenho orgulho de que a minha paixão atraiu para a profissão a minha filha mais velha, Júlia.

Na FOLHA, como jornalista, desempenhei todas as atividades, com exceção da diagramação e da fotografia. Comecei como revisora, depois repórter, pauteira, redatora, editora, coordenadora de sucursal e, atualmente, chefe de Redação.

Em alguns períodos, paralelamente, trabalhei em outras instituições como assessora de imprensa e professora universitária. Estranho quando me perguntam se eu não me cansei de trabalhar 30 anos na mesma empresa. Quem disse que é a mesma empresa?

O jornalismo e a FOLHA mudaram tanto nesses anos. Parece que passei por vários lugares diferentes. É um privilégio vivenciar o que os avanços tecnológicos possibilitaram para a comunicação. Passei pelo jornalismo romântico. Usei máquina de escrever e as fotos eram de papel.

Assim como eu me surpreendia com todas aquelas “ferramentas”, me encanto com as potencialidades que a tecnologia nos permite, hoje, no jornalismo. É tudo rápido e intenso. No século 21, a gente leva às últimas consequências aquela ideia de que até o final do dia um editor já construiu e desconstruiu várias vezes as suas páginas.

Mulher e jornalismo. Nunca achei difícil ser as duas coisas juntas. Embora Júlia e Maria Eduarda, minha caçula, tenham sentido a minha falta em vários momentos.

Quando comecei a trabalhar, havia várias mulheres repórteres e pouquíssimas em cargos de chefia. Felizmente, isso foi mudando e mulheres editoras desempenham com profissionalismo e competência suas funções. Antes de mim, outras duas mulheres exerceram com maestria a chefia de Redação, Teresa Urban e Fernanda Mazzini.

Acredito que apesar dos avanços, a mulher ainda é desvalorizada no mercado de trabalho de uma forma geral. No jornalismo, preocupa-me, hoje, o assédio escancarado e grosseiro que tenta desconstruir a profissão. O episódio da repórter da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello é um exemplo. O que “dar um furo” significa para mulher não é a mesma coisa que significa para um homem?

São tempos difíceis para atuar como jornalista hoje. A desvalorização do trabalho por alguns setores da sociedade e a disseminação de notícias falsas aprofundam a crise moral pela qual passamos, mas é justamente por isso que o jornalismo é tão importante e urgente. É pelo exercício cotidiano da crítica e pela coragem de encarar a verdade que podemos abrir um caminho para a transformação.

Imagem ilustrativa da imagem As jornalistas: elas vieram, viram, vencerão e contam suas histórias
| Foto: Gustavo Carneiro

A voz do futuro, Natália Perezin

“Eu ainda quero ser jornalista”. Essa frase parece ter sido dita por quem passou anos na profissão e viveu muitas experiências, mas foram as palavras que falei aos profissionais da FOLHA, no meu último dia de estágio, ao fim de um ano. Não me considero experiente, mas minha passagem por esse jornal foi cheia de aprendizados que vou levar por toda a minha vida. Ainda, porque presenciei e vivi transformações chegando ao jornalismo – algumas ruins e outras muitas animadoras. Ainda, porque fiz amizades com profissionais que tanto admirava. Ainda, porque o jornalismo é uma profissão apaixonante, mas, por muitas vezes, pesada, difícil, desafiadora. Repito, não sou uma jornalista experiente, mas o estágio me deu a certeza de que a profissão está no meu coração.

Não me lembro como imaginava que seria a redação, mas me surpreendi ao perceber que as mulheres ocupavam em pé de igualdade o comando das editorias. Tive a sorte de ser supervisionada por uma incrível e competente editora, a Célia Musilli. Ao meu lado, todas as tardes, duas repórteres me ensinaram mais detalhes preciosos da profissão e me fizeram evoluir. Sinto honra quando lembro que a maior parte do que aprendi foi a partir das lições de mulheres. Tenho a consciência de que houve um longo caminho de conquistas até aqui, em que as portas da redação estão abertas a todas nós.

Se disser que nunca presenciei atos de machismo na prática da profissão ao longo dos últimos quatro anos da minha formação estarei mentindo. A opressão que sofremos está em mínimos detalhes e se infiltra em conversas sutis ou pequenas atividades. Aprendi a passar por cima, não apenas com colegas de profissão, mas graças às mulheres que já passaram por minha vida. Cada uma me mostrou um pouco. Cada uma compartilhou um pouco. Cada uma sofreu comigo um pouco. Isso nos une e nos fortalece. Esse pouco faz com que todas tenhamos algo em comum e é nisso que penso quando me faltam esperanças de um mundo seguro, livre e acessível: estamos unidas para combater o que nos aflige.

Desde o começo da graduação (ou até antes) escuto que o fim do jornalismo está próximo. Esse próximo ainda não chegou e acredito que nunca chegará. O que vejo, agora, é uma transformação. Estou muitíssimo ansiosa pelo que virá, apesar de não imaginar o que acontecerá. A mudança está em curso, mas tenho uma certeza: a necessidade das pessoas em se informar jamais se esgotará. O contato humano, a conversa e o interesse sempre estarão aqui para nos confortar. Desejo continuando a me aventurar nesta tentadora profissão.

As minhas esperanças não têm o fim nelas mesmas. Enquanto viver, me sinto na responsabilidade de lutar cada dia mais – junto daquelas que estão comigo, assim como por todas que virão. Às jornalistas que vieram antes de mim: muitíssimo obrigada. Pela minha geração, posso garantir que continuaremos. Assim como o jornalismo: resistiremos.

Leia também:

- Líderes comunitárias transformam a vida de outras mulheres

Imagem ilustrativa da imagem As jornalistas: elas vieram, viram, vencerão e contam suas histórias
| Foto: Folha Arte