Se o mundo vem dedicando cada vez mais atenção ao aprofundamento do radicalismo do grupo fundamentalista islâmico Talibã, que assumiu o controle do Afeganistão há cerca de um mês depois de 20 anos, o Brasil pouco avançou no debate sobre o fortalecimento de uma política de estado que demonstre maturidade sobre os rumos a serem adotados no dia seguinte a um possível ataque de grupos extremistas. Em pauta, apenas a resolução de problemas pontuais internos, como a resposta legislativa dada pela Câmara dos Deputados que aprovou em Comissão Especial projeto que tipifica o que pode ou não ser considerado terrorismo, institui um Sistema Nacional Contraterrorista e amplia o excludente de ilicitude para agentes públicos anti-terroristas.

Imagem ilustrativa da imagem Brasil pouco avança no debate de política anti-terrorismo
| Foto: Divulgação

Com a tramitação impulsionada pelo assalto de Araçatuba (SP), no final de agosto, as medidas faziam parte de um projeto de lei apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enquanto era deputado federal. Logo em seguida, opositores defenderam que o novo texto servirá de subterfúgio para a criminalização de manifestações pacíficas organizadas por movimentos sociais. No entanto, não foram apenas as cenas do chamado "cangaço moderno" no interior paulista que fizeram aumentar a presença do tema no imaginário dos brasileiros. O episódio fez aumentar a sensação de violência extremada, já que uma quadrilha utilizou reféns como escudo para fugir da polícia em assalto a uma agência bancária. Três pessoas morreram e cinco ficaram feridas na ação, cujas imagens rodaram o mundo.

No início deste mês, a Polícia Federal de Maringá prendeu um homem que mantinha contato direto com radicais islâmicos, tendo sido recrutado através das redes sociais. Identificado como professor de música, o homem "manifestava desejo de executar mortes de inocentes em uma ação suicida", divulgou a PF. Já em 2017, oito brasileiros foram condenados pela Justiça Federal após serem alvo da Operação Hashtag, que apurou a suspeita de planejamento de ataques terroristas durante os jogos Olímpicos de 2016.

“No Brasil, desde o início da década de 1980, e isso desde que se começou um mapeamento mais intenso neste sentido, porque não começou nesta data, já se enviaram mentores de atentados terroristas para o Brasil. Grupos terroristas têm base aqui, sobretudo, no Paraná. O Hezbollah tem uma grande base aqui, o Hamajid, então é muito grave que não tenhamos atenção nesse assunto, ainda mais quando está na pauta internacional”, avaliou Lucas Hinckel Teider, autor de “Terrorismo e seu financiamento: a política pública criminal brasileira de prevenção” (Editora Dialética, 2021).

Teider é doutorando em Políticas Públicas pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR (Pontifícia Universidade Católica), advogado e consultor empresarial preventivo. À FOLHA, ele propôs reflexões sobre o risco da adoção de soluções imediatistas inadequadas usadas como artifício para se lançar mão de um plano de estado de exceção diante de eventual ataque o País possa sofrer. No sentido de se evitar a deterioração do tecido social a partir de um tratamento jurídico equivocado, apontou que o caminho mais sólido passa pelo fortalecimento de uma política de estado baseada na prevenção.

Qual é a definição de terrorismo no Brasil?

Entendo terrorismo, e isso está inclusive no livro, como crime ou crimes cometidos com o intuito de gerar uma intimidação massiva, um sentimento público coletivo de terror, um extremo medo, com a finalidade de provocar mudanças, contestando o poder que está constituído ou afirmar posições políticas. Isso é o que eu entendo de maneira fenomenológica. No Brasil, o terrorismo tem uma delimitação criminal um pouco mais específica. Temos uma lei de 2016 que vai falar que o terrorismo é uma conduta que se encaixa em quatro elementos. O primeiro: é necessário que você tenha um ato terrorista, aquilo que conhecemos no nosso conceito, um ataque que coloca em risco as pessoas ou estruturas relevantes. Depois, é necessário que se tenha uma motivação. Uma curiosidade aqui é que a legislação brasileira exclui a motivação política, pode ser uma outra coisa, mas terrorismo não é. Isso tem uma série de discussões, se é errado ou não, mas são mais motivações de xenofobia, preconceito com a raça, cor, religião. A terceira coisa é que é necessário que o agente tenha a intenção que aquele ato cause pânico ou medo coletivo. Se causou depois por consequência, é outra coisa, tem que haver a intenção. No final, ter, também, o resultado terrorista.

O terrorismo é um problema brasileiro?

Pode parecer estranho, mas sem dúvida alguma é. Apesar de a cultura popular pensar que não, e isso acaba influenciando os nossos representantes políticos a pensarem que não é, logo eles não agem neste sentido, mas o terrorismo é. Quais são algumas razões para não se considerar o terrorismo um problema brasileiro? Primeiro, as pessoas comentam que é improvável ter um atentado no Brasil e confundem o fato de ser improvável com o impossível, e também tem outras explicações mais ou menos procedentes, na realidade, de que não se querer regular melhor a questão por não querer causar estigmas em algumas religiões que têm representação no nosso país, de que isso poderia afetar o turismo. Mas, o principal argumento, na minha visão, é que o Brasil é um país pacífico, tolerante, logo estaria imune.

Então quais seriam as preocupações?

De maneira geral, entendo que aquilo que não reconhecemos ser um problema, logo não nos importamos, logo não vemos os riscos, logo não nos protegemos. Temos na nossa vida cotidiana várias coisas que nos preocupamos, então tentamos fazer algo para prevenir, remediar ou mitigar o efeito para quando o problema chegar. Mas a prevenção, neste sentido, visa evitar aquilo que chamamos de teoria, hipótese, ou síndrome do Cisne Negro, ou seja, considerar um evento que é improvável, mas de alto impacto se for acontecer, como impossível e deixar de criar estratégias de prevenção, monitoramento e resposta. Posso garantir que aquilo que a gente não previne, quando acontece os resultados são muito piores porque as reações são exageradas. Em um viés mais concreto, é comprovado que o Brasil é uma rota de operacionalização de atentados terroristas porque o terrorismo não é só o ato em si. Não é só a bomba que explode. Tem toda uma cadeia de eventos para que chegue naquilo e podemos ter – e temos – recrutamento, radicalização e difusão, financiamento, treinamento, logística, administração de recursos materiais, compartilhamento de conhecimento, planejamento e vigilância.

Considerando que a lavagem de dinheiro ajuda a financiar o terrorismo, de que forma os programas de compliance nas empresas poderiam ajudar a desarticular essa lógica?

Quando falamos de compliance com relação à prevenção do terrorismo e o seu financiamento, estamos falando de uma sigla que pode ser desconhecida do grande público, mas que tem muita força, que é PLD-FT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo). Então temos algumas leis, como a Lei de Lavagem de Dinheiro, que exige que empresas que estejam em um ecossistema mais vulnerável à prática de lavagem de dinheiro, como o setor financeiro, imobiliário, bancário, e alguns outros, tenham uma estrutura muito robusta para prevenir esse tipo de conduta. Você vai ter, primeiramente, um mapeamento de risco para ver a exposição a esses mercados e riscos, e depois você vai construir políticas e procedimentos para prevenir condutas, monitorar todo o seu ambiente - para que eventualmente se estiver acontecendo você consiga avisar as autoridades para tomem uma providência - e, se eventualmente acontecer, você mitiga os riscos e você consiga responder de uma maneira adequada.

Como conseguir identificar se uma empresa tem corre risco de ser utilizada para LD-FT?

É preciso conhecer muito quais são os riscos, logo, quais são os ambientes geográficos, de mercado, quais são as principais tipologias e práticas para você tentar evidenciar isso. Então, é necessário ter uma atuação muito engajada na prática, mas, também, indispensável ter um estudo para você conseguir compreender onde você vai começar a mapear esses riscos. Sempre uso como exemplo uma empresa que está no mercado financeiro e ela tem um cliente, então não é a empresa que estaria fazendo este ato, mas sim, um cliente que tenha ali uma operação numa região que você sabe que tem conflitos locais muito robustos, muito latentes. É um país que não tem uma legislação muito adequada para prevenção dessas condutas, tudo muito opaco, você vê que a movimentação financeira é um pouco estranha, as pessoas com as quais se relacionam estão em listas restritivas de nomes de criminosos, enfim, você começa a ter vários insumos. Quando você vai apresentar o risco é só uma linha, é uma coisa simples. Mas são vários insumos, são várias evidências que vão se construindo para se demonstrar esse cenário e não tem como você saber onde ir coletar e saber como interpretar essas evidências, se você não tiver um estudo bastante robusto ali por trás. As empresas têm um papel fundamental para prevenção destas condutas no aspecto financeiro, reputacional, mas, também, no aspecto social, porque uma conduta dessa que seja executada vai afetar não só um grupo de pessoas dentro da empresa, mas um todo.

Nesse momento de evolução das novas tecnologias, as atenções estão voltadas para o risco de que as criptomoedas sejam usadas para este fim. Quais mecanismos precisam ser aperfeiçoados?

Este é um mercado muito sensível, você tem razão. Mas não podemos incorrer no erro de colocar de que esse é um mercado criminoso, utilizado apenas para esse tipo de conduta. Não é, justamente, o que você está falando, mas é o que algumas pessoas tentam colocar, a imagem de que criptomoedas são ligadas a alguma coisa escusa, e não. É um instrumento, uma lupa que pode aumentar o que tem de bom e o que tem de ruim. Existe muita lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo por meio de criptomoedas. Temos que tirar um pouco da ideia muito de filmes de que organizações terroristas são precárias, arcaicas e que pretendem só construir uma bomba e colocar em um ambiente. São muito bem estruturadas, têm contabilidade, especialistas, pessoas que pensam nas melhores maneiras de se fazer o mal e com certeza um departamento de financiamento que vai ter um braço de criptomoedas porque algumas têm essa característica do dinamismo. Por isso, é preciso conhecer o seu cliente, as pessoas com as quais você trabalha. Tanto clientes quanto terceiros, patrocinadores. Uma vez que o cliente vai abrir uma conta no seu banco ou corretora de criptomoedas, por exemplo, você vai ter que conhecer ele, ter um cadastro robusto, conhecer a renda para saber se não tem alguma incompatibilidade, saber qual é a atividade, ter um perfil e monitorar. Durante o relacionamento, é necessário continuar com o monitoramento intenso, não que vá ter uma violação da privacidade, o que é definido por outras normativas. Mas fazer o monitoramento e, ao final, se tiver algo errado, é preciso ter um plano de resposta. Houve um caso? Então precisarei ter uma comunicação efetiva com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), com as autoridades, fazer o desligamento deste cliente, ver qual foi a extensão dos danos que foram causados. Esse conhecimento do ecossistema é a melhor dica. Sabemos hoje que a sanção reputacional é a mais grave que pessoas físicas ou jurídicas podem ter porque uma multa você paga, um processo você pode se defender, tem uma condenação que fica no âmbito privado. Agora, ter o seu nome vinculado com lavagem de dinheiro ou pior, terrorismo e seu financiamento, é algo que você não vai conseguir excluir tão facilmente.

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