Curitiba - Uma série de atos públicos organizados por mulheres em oposição ao candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) está marcada para este sábado (29) em diversas cidades do Brasil e do exterior.

Em Londrina, um evento no Facebook informa que a concentração ocorrerá em frente ao Teatro Ouro Verde, a partir das 10h (leia mais abaixo). Em Curitiba, o ato está marcado para começar às 16h, na Boca Maldita, no Centro.

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As manifestações são decorrentes da campanha #EleNão, iniciada por mulheres nas redes sociais na semana passada e encampada por famosos, outros movimentos sociais e até campanhas eleitorais adversárias.

Apesar de mobilizados contra uma candidatura específica, os eventos se dizem suprapartidários - o que corresponde à percepção de pesquisadoras ouvidas pela FOLHA a respeito do movimento.

Para elas, não há lideranças claras nem ligações evidentes com partidos específicos. Não há um único perfil de mulheres participantes e nem se pode dizer que todas se identificam como feministas no grupo "Mulheres Unidas Contra o Bolsonaro", que chegou a 3,9 milhões de participantes no Facebook nesta sexta-feira (28).

O que parece mobilizá-las é uma combinação de fatores - potencializada pelas possibilidades de organização da internet -, que vão desde a rejeição a declarações do candidato do PSL a respeito da desigualdade salarial entre homens e mulheres até a ausência de políticas públicas para mulheres em sua proposta de governo, dizem as especialistas.



Na avaliação de Camila Mont'Alverne, doutoranda em Ciência Política pela UFPR, a rejeição está diretamente ligada aos registros de declarações de Bolsonaro, mas também é possível relacionar a mobilização com a importância que o movimento feminista e a discussão das disparidades entre homens e mulheres ganharam nos últimos anos.

"Isso se junta a um contexto em que uma força se mostra agressiva não só contra a mulheres, mas também a outras minorias, e temos uma quantidade considerável de fenômenos que acabam redundando nisso", diz.

Lara Facioli, pós-doutoranda em Sociologia na UEL, acrescenta a esse contexto o que avalia como um período de retirada das questões de gênero da pauta da sociedade brasileira nos últimos anos, associada ao avanço de discursos de ódio e de questões religiosas e morais sobre a esfera pública do país. "São fenômenos de um claro retrocesso, principalmente para as mulheres", avalia.

ACÚMULO
Professora do Departamento de Ciências Sociais da UFV (Universidade Federal de Viçosa), a doutora em Ciência Política Rayza Sarmento também coloca o fenômeno dentro de um processo mais longo de "acúmulo de insatisfações das mulheres" com o Estado brasileiro. "Quando há políticas antidemocráticas, ou cortes de verbas e de recursos de uma forma geral, as mulheres acabam sendo as mais penalizadas", explica. "O #EleNão é uma resposta, obviamente, à candidatura do Bolsonaro, mas também uma resposta a uma negação de direitos nos últimos anos, que é incorporada de uma forma muito clara, muito 'performática', por assim dizer, na figura dele."

Para Rayza, a proposta de governo do candidato do PSL também se choca diretamente com as mulheres ao mencioná-las apenas no item sobre o combate ao estupro - o que, para a especialista, pode ser entendido como uma negação das mulheres como sujeitos na democracia do país.

"Esse plano, como proposta de um partido político, é a institucionalização de um lugar que não queremos mais ter" diz. "Nesse cenário eleitoral, esse movimento indica um fortalecimento do entendimento de que as mulheres são sujeitos de direito, e que esses direitos não podem ser ameaçados. É um pouco nesse cenário que vejo essa movimentação", analisa.

A avaliação de que há uma ameaça, para Rayza, pode ser a explicação para a mobilização ter unido mulheres negras e brancas e de faixas etárias e classes sociais diferentes. "É interessante pensar como, em um momento de ameaça de direitos, há esse fortalecimento comum", diz.