Após os vereadores de Londrina aprovarem na última semana com 11 votos favoráveis a indicação para o prefeito Marcelo Belinati (PP) encaminhar pelo Executivo projeto de Lei Antivadiagem, o assunto ganhou repercussão nacional nas redes sociais. A proposta do vereador Claudinei dos Santos, o Santão (PSC), sugere proibir qualquer ocupação de espaços públicos pela população de rua e quer negar auxílios para os sem-teto que se recusaram a receber ajuda para ir para abrigos, por exemplo. Ou seja, o objetivo é impedir a Prefeitura de Londrina de prestar auxílio à população em situação de vulnerabilidade que não esteja em acolhimento institucional. Afinal, caso o assunto volte por projeto de lei à Câmara Municipal, qual a Constitucionalidade dessa medida?

Imagem ilustrativa da imagem Assistência Social e MP se posicionam contra lei 'antivadiagem' em Londrina
| Foto: Roberto Custódio/18-9-2020

Segundo a promotora dos Direitos Humanos e Saúde Pública de Londrina, Susana Feitosa de Lacerda, a proposta de lei é totalmente inconstitucional, pois fere os princípios da Constituição Federal e viola os tratados internacionais de Direitos Humanos. "De uma simples leitura já se extrai a desumanidade de uma proposta como essa", avalia.

Em um dos artigos, o vereador propõe que os moradores de rua que quiserem permanecer na cidade para pernoite deverão procurar os locais apropriados. Caso contrário, a ideia seria proibi-los de receber qualquer auxílio financeiro ou de outros programas assistenciais de alimentação, por exemplo. O projeto ainda sugere que os moradores que não realizarem exames toxicológicos negativos não terão direito a alguns benefícios e auxílios assistenciais.

REALIDADE SOCIAL

Para a promotora, antes de propor um projeto os vereadores precisam entender a realidade social da cidade e as políticas públicas e serviços atualmente disponíveis para a população em situação de vulnerabilidade. "O município não tem atualmente tratamento para saúde mental ou álcool e drogas para toda a população. Essa é uma pauta do Ministério Público da saúde e dos direitos humanos." Segundo ela, uma consulta no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) pode levar até um ano de espera. "A pessoa não pode ser punida por algo que ela não tem 100% à disposição".

Outra dado que chama atenção é que Londrina tem uma população de rua de quase mil moradores, segundo pesquisa feita pela própria prefeitura em 2019. E mesmo com as parcerias firmadas, não há vagas em abrigos para todos. "É uma visão muito estreita das coisas. O próprio governo federal não tem política de moradias para essas pessoas ou emprego para todos", completa Lacerda.

COMPLEXIDADE

Em outro trecho da proposta, a medida propõe que fique proibida a colocação de mobílias, como colchões, cadeiras nas praças, ruas, bosques e calçadas, entre outros logradouros públicos. Segundo o Ministério Público, o artigo também não tem respaldo na Constituição.

A FOLHA tentou, sem sucesso, uma entrevista com a secretária de Assistência Social, Jaqueline Micali. Entretanto, ela encaminhou uma nota pública na sexta-feira (19) em referência ao debate que ganhou as redes sociais na última semana. O texto frisa o compromisso da pasta com a luta pela igualdade social e com a busca pela qualificação no atendimento dos mais vulneráveis. "Diante de um contexto complexo, não podemos recorrer a análises simplórias e soluções imediatistas."

A secretária acrescenta que tem entre seus projetos o denominado "Trilha da cidadania", voltado aos moradores de rua, que tem como objetivo principal a criação de um programa transversal com inúmeras políticas públicas, "que atenda com uma metodologia pautada na pedagogia da presença, desde a abordagem social, até a saída para a vida autônoma da pessoa em situação de rua".

O trabalho também, segundo a pasta, busca atender de forma personalizada as pessoas para acolher quem faz uso de substâncias psicoativas. "Nenhum cidadão ou cidadã vai para rua do dia para noite, assim como ninguém supera tal situação de forma fácil. Reafirmamos nosso compromisso na busca contínua pelo aprimoramento dos serviços da assistência social, envolvendo todos os usuários em um processo pedagógico de autonomia e de direitos e deveres, certos de que a exclusão e a discriminação não unem, nem tampouco transformam uma sociedade melhor para todos.

O tema foi aprovado na última terça-feira (16) no final da sessão da Câmara de Londrina com 11 votos favoráveis, cinco contrários e três abstenções. Com o pedido de indicação encaminhado, caberá ao prefeito Marcelo Belinati aceitar ou não a proposta.

CONFIRA:

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| Foto: Folha Arte

O QUE DIZ O VEREADOR

Procurado pela FOLHA após a repercussão do caso, o vereador Santão diz que reconhece que o problema é complexo. Segundo ele, o projeto tem objetivo de resolver a situação das "pessoas de bem". "Queremos resolver problemas das famílias de bem, de pagadores de pessoas, que têm sofrido com pessoas que recusam a qualquer custos qualquer regramento, que se recusam a ir para casas de apoio, tomarem banhos, irem às palestras. Alguns desses moradores trazem medo, violência a todos os que estão ao seu redor.

Ele cita que a região do entorno do Shangri-lá, na praça às margens da Avenida Tiradentes, é uma verdadeira "cracolândia". Santão diz ainda que não há desumanidade no projeto proposto. "Enquanto a prefeitura pegar dinheiro da pessoa de bem e redistribuir, sem critérios objetivos, sem comprovar que são usuários de drogas, eles vão sim abastecer o crime de tráfico de drogas."

O vereador, que também é policial rodoviário federal, chama de hipocrisia algumas falas contrárias à sua indicação de projeto. "Eu gostaria que essas pessoas pegassem 10 ou 20 deles para frente das suas casas, espalhando lixo, se drogrando (...). Enquanto pessoas públicas deveriam lutar por aqueles pagadores de impostos."

O prefeito Marcelo Belinati foi procurado pela reportagem, mas não se posicionou nem confirmou se irá atender a indicação dos vereadores.