O Brasil não terá prioridade para receber vacinas internacionais, doadas pelos países ricos. Uma notícia repleta de ambiguidade. Os riquinhos do Norte acham que somos ricos o suficiente para não necessitarmos. É uma meia verdade! A análise fria e contábil das safras anuais de grãos, de fato, induz a isso.

Há bem pouco tempo, pouco mesmo, sentávamo-nos à mesa dos grandes senhores deste pequeno mundo e falávamos de igual para igual. Éramos então a oitava economia do mundo. Passamos adiante a convicção de que por aqui pouco se precisaria e muito se poderia exportar. A frieza dos números continua revelando o mesmo. Exportamos uma parcela substancial dos alimentos que o mundo come! No entanto, escondemos a crueza da realidade, que antes seria chão de fábrica, mas que hoje, com elas fechadas, resta-nos mesmo a crueldade da panela vazia.

É fato que a compra de vacinas para imunizar todos os brasileiros adultos nunca se constituiu em problema para Brasília. Já para dezenas de países pobres e paupérrimos, sim. Dinheiro escasso, recursos naturais inexistentes e corrupção avassaladora fazem com que essas nações mendiguem vacinas. Os ricos sabem que no contexto atual, o combate à Covid 19 terá que ser global, para a proteção deles mesmos! Por conseguinte, milhões de doses terão a África e países da América Latina como destino.

A situação do Brasil é peculiar. À sombra da fama de rico temos um dos piores índices de distribuição de renda do planeta, cerca de 100 milhões de brasileiros sem água potável e esgoto, 14.5 milhões de desempregados e o mais terrível, fala-se em 19 milhões que estão passando fome! Mas temos dinheiro! O G7 sabe disso. Tem plena ciência de que aqui as mazelas têm causas puramente políticas e administrativas. Que a situação se agravou nos últimos dez anos e que hoje vivemos sob a égide do negacionismo, que causou um atraso fatal na aquisição das vacinas. Deus é brasileiro, mas nós não nos ajudamos muito!

O grupo dos que dão as cartas na economia mundial tem acompanhado a nossa involução. Organismos internacionais, ora criticam, ora pressionam, ou então retaliam! Não é que isso preocupe o governo anti-globalista! O falso e anacrônico conceito de independência se sobrepõe a toda e qualquer diplomacia ortodoxa e razoável, benfazeja ao país. O G7 não é estranho a nada que ocorre nestas bandas tropicais. Não darão vacinas porque sabem que podemos comprá-las e não nos terão como prioridade por questões políticas sobejamente conhecidas. Fosse o Trump ainda o aprendiz de ditador norte americano, talvez alguns milhões chegassem. Mas, pelo que se viu então, não seria garantido!

O lado bom da péssima notícia é que mais uma vez nos obriga a refletir sobre nós mesmos! Somos um país grande e nos apequenamos progressivamente, deixando morrer filhos por descaso, má gerência e burrice! É quase meio milhão de cidadãos que partiram para nunca mais voltar! Como já foi apregoado por verborreia demagoga, atual e do passado, quem sabe estaríamos até oferecendo vacina a tantos outros países! Quem sabe! Afinal, somos ricos!

Mas tem um outro lado que torna esta notícia mais ruim do que parece! Estamos ficando isolados e descolados do mundo pós-covid. Estados Unidos e China já discutem a 6 G e nós nem começamos o processo da 5! As nossas infraestruturas do século XX ainda estão atrasadas e as do século XXI cada vez mais distantes.

Os países da Europa abriram suas fronteiras aos vacinados, mas por enquanto o Brasil é um dos poucos países que não entra. A China demonstra descontentamento com as atitudes pueris do presidente e dos seus filhos, que confundem governo com Estado há muito tempo! E enquanto isso, num paralelo infeliz com o passado, Bolsonaro se entusiasma ou se frustra com eleições nos países vizinhos! Estamos entregues à nossa própria sorte, leia-se, nossos grãos e carne! Será isso suficiente num mundo que está velozmente recuperando o atraso da pandemia? Por enquanto, corramos atrás do prejuízo! Vacinemos!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina