Na última quarta-feira, dia 08 de julho de 2020, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou, com vetos mortais, a Lei nº 14.021/2020, originada do Projeto de Lei nº 1.021/2020, a qual dispõe, dentre outros assuntos, sobre as medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas e a criação do Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas.

De acordo ao PL nº 1.142/2020, o chefe máximo do Poder Executivo impediu a entrada em vigor de dezesseis dispositivos da norma, os quais impactaram consequentemente povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais povos e comunidades tradicionais, dentre eles, que o governo seja obrigado a fornecer aos povos indígenas “acesso a água potável”, “distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias”; que o governo execute ações para garantir aos povos indígenas e quilombolas “a oferta emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva”; que a União seja obrigada a comprar “ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea”; obrigatoriedade de liberação pela União de verba emergencial para a saúde indígena; instalação de internet nas aldeias e distribuição de cestas básicas; e que o governo seja obrigado a facilitar aos indígenas o acesso ao auxílio emergencial. Ou seja, impediu as citadas minorias o exercício de direitos fundamentais, instituindo-se uma genuína política da morte adaptada pelo Estado - necropolítica.

Como justificativa dos vetos, o Poder Executivo apontou que o texto do Projeto de Lei nº 1.021/2020 criava despesa obrigatória sem demonstrar o “respectivo impacto orçamentário e financeiro, o que seria inconstitucional”.

Dito isso, observa-se claramente nesse cenário sem precedentes estabelecido em todo o mundo, e por que não dizer catastrófico quando o olhar se volta às comunidades indígenas, grupo considerado especialmente suscetível a qualquer tipo de vírus, tendo em vista que suas comunidades tiveram pouco contato biológico com patógenos da população não-indígena, vivenciamos uma política estatal “que a expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”, como pontuado brilhantemente pelo filósofo Achille Mbembe, em seu ensaio “Necropolítica”.

De acordo com o pensador camaronês, que faz um espécie de releitura da soberania, nota que “ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder.” Assim pensando, não há dúvidas que atuação presidencial, no que diz respeito aos vetos do Projeto de Lei nº 1.021/2020, dando preferência à economia, assim justificada, mesmo diante de ter sido aprovado pelo Congresso Nacional o “Orçamento de Guerra” para enfrentamento à pandemia da COVID-19, impondo a distribuição de recurso à todos, optou por dar vida à economia e decretar a morte das populações indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais povos e comunidades tradicionais.

Citando o caso palestino como “a forma mais bem-sucedida de necropoder”, onde “populações inteiras são o alvo do soberano, vilas e cidades sitiadas são cercadas e isoladas do mundo, a vida cotidiana é militarizada e é outorgada liberdade aos comandantes militares locais para usar seus próprios critérios sobre quando e em quem atirar.”, Mbembe explica que os palestinos são colocados em “uma condição permanente de ‘viver na dor’: estruturas fortificadas, postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar.”

Não diferente dos palestinos vivem atualmente os indígenas brasileiros e demais minorias populacionais, os quais vem sofrendo reiteradas violações de direitos humanos, contudo sempre oportuno lembrar que “quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra.” – Hannah Arendt.

Eduardo Augusto Mansano Manso, advogado, assessor de promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná, Fundador do Projeto Direito nas Comunidades Indígenas e Delegado da Youth Assembly – ONU.