Especialistas em educação apontam que recuperar o déficit motivado pela pandemia será uma tarefa árdua, com projeção de que o trabalho possa durar pelo menos dois anos.

Com relação à qualidade da educação, a pandemia deverá provocar queda nos indicadores de aprendizagem
Com relação à qualidade da educação, a pandemia deverá provocar queda nos indicadores de aprendizagem | Foto: iStock

O coordenador de políticas educacionais do Movimento Todos pela Educação, Ivan Gontijo, calcula que os impactos na educação em decorrência da pandemia não devem ser resolvidos em um curto período de tempo. “Será um trabalho de 2, 3 anos”, projeta.

Ivan Gontijo, do Todos pela Educação, diz que retomada demanda preparo psicológico de professores e alunos
Ivan Gontijo, do Todos pela Educação, diz que retomada demanda preparo psicológico de professores e alunos | Foto: Divulgação/Todos pela Educação

Ele destaca que é preciso recuperar o longo tempo perdido e não deixar nenhum aluno para trás, já que o Brasil foi o país que mais tempo manteve fechados os colégios para as crianças mais novas durante a pandemia em 2020.

Relatório da OCDE (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico) divulgado em setembro mostrou que foram 178 dias sem aulas presenciais na pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental no ano passado, o triplo de tempo na comparação com a média dos países mais ricos.

O especialista cita que, de início, devem ser adotadas medidas de curto prazo, como a reabertura das escolas com toda a segurança sanitária e a garantia de um eficiente processo de readaptação e acolhimento socioemocional de alunos e professores, já que a pandemia gerou fortes impactos nesse aspecto.

“Após o cumprimento dessas duas etapas, que podem levar semanas ou meses, o foco deverá ser na recuperação da aprendizagem”, pontua.

Gontijo acrescenta que a recuperação da aprendizagem pode ser eficaz por meio de várias ações adotadas. “Programas de reforço e recuperação, a permanência dos alunos por mais tempo na escola, a divisão dos estudantes em salas menores para que aprendam mais. Os professores, por sua vez, precisam de melhores condições de trabalho porque são eles que vão resolver o problema”, lista.

ACESSO

Ele entende que os impactos da pandemia no acesso dos estudantes à educação básica afetaram de maneira mais forte as creches, que tiveram as atividades praticamente inviabilizadas por não haver opção de ensino remoto.

“Muitas famílias tiraram os filhos das creches privadas inclusive, já que muitas foram fechadas. Na rede pública, a fila já era grande e deve aumentar”, destaca. O Plano Nacional de Educação prevê uma meta de 50% das crianças matriculadas até 2024 nas creches públicas. “Temos cerca de 38%. O acesso principalmente à creche foi um desafio aprofundado com a pandemia.”

Com relação ao ensino médio, em especial, a pandemia provocou o aumento da evasão e do abandono escolar. “Muita gente sem acesso ao ensino remoto quebrou o vínculo com a escola, modalidade de ensino menos atrativa e com maior dificuldade de acesso. Vá a qualquer bairro de periferia e pergunte aos alunos o que eles fizeram. Muita gente não fez praticamente nada. Junto disso tem a crise econômica, sendo que muitos alunos dos anos finais do ensino médio precisaram sair da escola para trabalhar.”

Com relação à qualidade da educação, a pandemia deverá provocar queda nos indicadores de aprendizagem. “Já havia uma crise na aprendizagem antes da pandemia, avançando muito lentamente.” Ele acrescenta que a diferença entre a aprendizagem entre os alunos mais ricos e mais pobres se agravou com a pandemia.

“Antes da pandemia, os alunos 25% mais ricos do 5º ano aprendiam três vezes mais matemática que os alunos 25% mais pobres. Agora isso deve se agravar, já que os mais ricos tiveram mais apoio da família e tinham mais equipamentos, como celular, computador, além de um local mais adequado para os estudos”, conclui.

O Unicef aponta que 28% das famílias no Brasil não têm acesso à internet. Esse percentual é mais alto para famílias de renda menor, chegando a 48% em áreas rurais.

PERDA

Glauco Arbix, professor titular do Departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo), explica que, pouco antes do retorno às aulas presenciais, um estudo feito pela Rede de Pesquisa Solidária mostrou que, entre os 200 dias com aulas, os alunos mais pobres tiveram 50 dias letivos a menos de aula em comparação aos mais ricos, em média, o que representou 25% a menos.

Glauco Arbix, da USP, mostra maior perda de dias letivos por alunos mais pobres
Glauco Arbix, da USP, mostra maior perda de dias letivos por alunos mais pobres | Foto: USP Imagens

“A distância já era grande, e agora se tornou maior. Estamos aprofundando a desigualdade”, pontua o docente, coordenador da Rede de Pesquisa Solidária. Ele calcula que demorará anos para haver a recuperação da queda que a pandemia provocou, sem contar o déficit histórico anterior.

A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas do governo federal, dos governos estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da Covid-19.

Arbix acrescenta que o Brasil tem uma defasagem grande em relação às economias mais avançadas quando se trata da digitalização. “Esse é o principal ponto que deveria nortear qualquer tipo de política pública no Brasil, diminuindo a distância entre nós e países que trabalham com tecnologias mais avançadas. Um exemplo claro dessa defasagem está na área de infraestrutura – wi-fi e fibra ótica, por exemplo. E também estamos muito atrasados no 5G, pelo menos três anos”, conclui.

DÉFICIT

O presidente da Comissão de Direito Educacional e Políticas Públicas em Educação da OAB-PR, Victor Hugo Baluta, destaca que o déficit de aprendizagem foi o principal efeito da pandemia na educação.

Uma pesquisa do Insper, em parceria com o Instituto Unibanco, mostrou que os alunos aprenderam no ensino remoto, em média, apenas 17% do conteúdo de matemática e 38% do conteúdo de língua portuguesa.

A paralisação por conta da pandemia atingiu 1,5 bilhão de alunos e 60,3 milhões de professores em nível mundial. “Hoje já temos um número significativo de analfabetos funcionais. Com a pandemia, teremos ainda mais pessoas nessa condição.”

Baluta prevê que o déficit da aprendizagem provocado pela pandemia deverá demorar até dois anos para ser restabelecido. “A aproximação entre aluno e escola deve se fortalecer novamente”, pontua.

ENSINO PRESENCIAL NO PARANÁ

A Secretaria Estadual de Educação informou que as escolas estaduais do Paraná atingiram a média de 62,3% de presença de estudantes em sala de aula entre os dias 27 e 29 de setembro. O número representa um aumento de quase 10% em relação à semana anterior. A rede atende pouco mais de 1 milhão de alunos.

Segundo a secretaria, a volta presencial é uma das ações para recuperar as defasagens por conta da pandemia, uma vez que o ensino remoto contribui com a aprendizagem, mas não substitui as atividades pedagógicas ofertadas de modo presencial.

“A Prova Paraná realizada neste mês é outra ação, pois vai fornecer informações sobre o nível de apropriação dos conhecimentos dos estudantes em relação aos conteúdos e às habilidades considerados essenciais para a etapa de ensino avaliada, além de auxiliar professores, equipes gestoras e pedagógicas na organização de ações e estratégias que contribuam para o ensino e a aprendizagem dos estudantes.”

Segundo a secretaria, o resultado será utilizado inclusive no PMA (Programa Mais Aprendizagem), que atende estudantes dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e do ensino médio com necessidade de reforço.

Ainda de acordo com a pasta, as taxas de abandono escolar da rede estadual praticamente ficaram estáveis entre 2019 e o ano de início da pandemia. “As taxas em 2020 foram de 1,2% no ensino fundamental e 3,7% no ensino médio, contra 1% no ensino fundamental e 3,6% no ensino médio em 2019.”

A secretaria admite que, durante o período essencialmente remoto, o acesso à internet foi uma dificuldade, por isso o governo do Estado fez acordos com as quatro maiores operadoras de telefonia para que o acesso ao aplicativo Aula Paraná (e ao Google Classroom pelo app) fosse gratuito via 3G e 4G. “Juntas, essas operadoras cobrem mais de 99% do território do Estado”, conclui.