"Olho por olho, dente por dente...." inspirado na Lei de Talião (escrita a 1.770 antes de Cristo), o projeto de lei apresentado pelo deputado federal Emerson Petriv, o Boca Aberta (Pros), que tem o objetivo amputar as mãos de políticos condenados após trânsito em julgado por crimes de corrupção, não terá vida longa no Congresso O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM), já mandou devolver a proposta por considerar "evidentemente" inconstitucional.

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Apesar da curta duração, a matéria do parlamentar londrinense ganhou a repercussão nacional esperada por ele mais pela "polêmica" do assunto, menos pela viabilidade. Só no dia 10 março - data que o projeto foi protocolado na Casa, o interesse de busca pelo nome do deputado chegou a crescer 90% em relação aos meses anteriores, segundo dados do Google Trends. As buscas foram de internautas de 11 estados diferentes.

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Boca Aberta diz que irá recorrer da decisão que mandou devolver seu primeiro projeto apresentado no Legislativo Federal. Entretanto, a proposta não cabe no país por inúmeros aspectos, segundo analistas ouvidos pela FOLHA. O primeiro deles é que a punição prevista mexe em cláusula pétrea da Constituição Federal. Ou seja. a medida não poderia ser proposta nem por uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição). "O artigo 5º proíbe qualquer tipo de pena cruel no país. Por isso, esse tipo de projeto é impossível de prosperar, não chega nas primeiras comissões" avalia o professor de direito constitucional da Universidade Positivo, Flávio Pierobon ao lembrar que tal mudança só seria possível caso fosse convocada um nova Assembleia Constituinte.

Pedra do Código de Hamurabi, Museu do Louvre
Pedra do Código de Hamurabi, Museu do Louvre | Foto: Rama/Wiki

Mas como um proposta tão distante do que prevê a Constituição ganha apelo nas redes sociais? Há uma resposta para esse sede de Justiça?Segundo o professor de direito, a proposta de Boca Aberta é voltada a atender um público mais radical que entende que o combate à criminalidade só vai ser efetivo quanto mais cruel será a pena. "Sinceramente, não há uma única justificativa para esse radicalismo. Não é só uma Justiça mais célere que daria esta resposta. Mas temos que analisar o que é uma Justiça célere? Uma decisão judicial que condena um indivíduo a prisão em um ano é boa? É preciso entender que a liberdade é um valor e direito muito valioso já protegido desde a Magna Carta (1215)."

icon-aspas "Olho por olho, dente por dente...." inspirado na Lei de Talião (escrita a 1.770 antes de Cristo), projeto de lei de deputado federal quer amputar as mãos de políticos condenados por corrupção

Outro aspecto deste radicalismo é que o pensamento de combater a corrupção com violência poderá trazer resultados rápidos. Segundo o professor de direito, no período da ditadura militar brasileira houve esse rompimento - foi o AI-5 (Ato Institucional Número Cinco) de 1968 com algumas arbitrariedades e nem por isso a criminalidade e a corrupção foram extintas. "Não se combate criminalidade com Estado autoritário, que mata ou tortura as pessoas. Não seremos capazes de exterminar todos os políticos corruptos do mundo. Isso não existe. O que a gente precisa é construir gerações que sejam instruídas a crescerem sem serem cooptadas pela criminalidade."

O professor destaca que no Brasil o fortalecimento das instituições é o caminho para o avanço no combate à corrupção. "Temos um ex-presidente condenado e outro ex-presidente réu. Nosso país possui inúmeras ferramentas, instituições sérias, para prender e investigar quem quer que esteja no poder. Além disso, no âmbito internacional há um tratado anticorrupção no qual o Brasil é signatário."

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EXEMPLOS DO IRÃ E COREIA DO NORTE

Para justificar a proposta, o autor ainda trouxe exemplos de países como Irã e Coreia do Norte que adotam métodos de execução e até fuzilamento para quem pratica até outros crimes, como assassinato. Boca Aberta cita que no regime fechado da Coreia do Norte, por exemplo, condena corruptores à morte. "Entre 2007 e 2010, pelo menos 37 pessoas foram executadas por praticar esse tipo de crime no país. Apesar da pena severa, o país é considerado o segundo mais corrupto do mundo, atrás apenas da Somália", argumenta o deputado sem citar as fontes. Ou seja, a própria justifica traduz, sem provas, que o método em si não irá solucionar o problema da corrupção no mundo.

Segundo o professor de História do Colégio Ateneu, Geraldo Luiz de Souza, os países citados no projeto não são exemplos de sociedade civilizada, nem de democracia. "Não há garantias de que nesses países os processos são conduzidos com a devida lisura." O professor explica que o princípio da lei de talião trazido no Código de Hamurabi é umas das primeiras leis escritas da história. "Apesar de primitivo e severo, foi o primeiro passo para estabelece o princípio da proporcionalidade entre crime e punição." Ou seja, apesar do rigor tal medida não tem viabilidade hoje. "Na sociedade de hoje temos exemplos mais próximos quando o juiz determina uma pena como serviço à comunidade ou a devolução dos bens do corrupto, medidas mais efetivas do que simplesmente deixar a pessoa trancafiada na cadeia." Entretanto, o historiador pondera que as sociedades evoluem e o sistema jurídico acompanham essa evolução. "Você querer aplicar esse princípio mais fundamentado na vingança do que no direito e da Justiça mostra que a punição pouco contribui para o desenvolvimento global da sociedade."

icon-aspas "Entre 2007 e 2010, pelo menos 37 pessoas foram executadas por praticar esse tipo de crime na Coréia do Norte. Apesar da pena severa, o país é considerado o segundo mais corrupto do mundo, atrás apenas da Somália",

Para demostrar essa evolução no aspecto histórico, o professor de História lembra que orientação de retaliação sugerida no velho testamento começa a mudar com as civilizações gregas e romanas, onde direitos começam a ser garantidos. "Há uma evolução histórica no que tange às garantias. Até chegar ao século XVIII para cá que propõe o fim dos regimes que não respeitam os direitos dos cidadãos. E que nem por isso deixam de ter medidas de controle dos delitos que possam ter em todos os níveis. No Brasil outras medidas seriam mais eficazes, cortar as mãos não condiz com nossa cultura nem com a tradição jurídica." argumenta Souza.

Além da evolução histórica e do direito que não permitem retrocessos e radicalismo, o professor de direito da Positivo também lembra outro problema que vem a reboque de mais um projeto "evidentemente" inconstitucional. "Além de quebrar com todos os fundamentos básicos da Constituição um projeto como este ofende o senso de republicanismo. Pensa que o Congresso terá que gastar energia e dinheiro ou uma possível sessão na Câmara para olhar para um projeto claramente inconstitucional. Ou seja, além do populista é uma ofensa monumental", conclui Pierobon.

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