Da infância curiosa, cresce uma cientista. As brincadeiras que imitavam uma sala de aula - coisa de quem copiava a mãe professora - levaram ao interesse pela carreira na pesquisa e docência. Hoje, Sabrina Lisboa, 35, de Ibiporã, comemora a conquista de prêmio nacional para mulheres na ciência, situação em que a formação em Biomedicina, pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), teve participação ao mostrar os caminhos na neuroimunofarmocologia, área em que atua hoje como pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), em Ribeirão Preto (SP).

Em sua pesquisa, Sabrina Lisboa, 35, de Ibiporã, busca desenvolver terapia eficaz para pacientes que sofrem de Transtorno de Estresse Pós-Traumático
Em sua pesquisa, Sabrina Lisboa, 35, de Ibiporã, busca desenvolver terapia eficaz para pacientes que sofrem de Transtorno de Estresse Pós-Traumático | Foto: Divulgação



"A inscrição foi no início do ano. Há vários documentos para apresentar com um projeto de pesquisa, além da avaliação do currículo. Eles ligaram para dar a notícia do resultado em julho. Sete mulheres selecionadas guardaram esse segredo por um mês", brinca Lisboa, sobre receber a notícia de seleção para a 13ª edição do "Para Mulheres na Ciência", prêmio desenvolvido pela L'Oréal Brasil em parceria com a Unesco no Brasil e ABC (Academia Brasileira de Ciências).

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Em sua pesquisa, a cientista busca desenvolver terapia eficaz para pacientes que sofrem de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), procurando entender as alterações que ocorrem no cérebro por meio de modelos experimentais. A doença acomete 8% da população mundial e o tratamento atual depende de terapias farmacológicas, com antidepressivos, e comportamental. "O problema é que grande parte dos indivíduos não respondem bem a nenhum desses tratamentos, a resposta clínica é muito baixa e acaba tendo muito efeito colateral, alguns desistem de se tratar. Por isso, a gente está tentando entender melhor para melhorar o tratamento", explica.

Essa questão começou ainda na Iniciação Científica, no projeto de pesquisa na UEL, em que pode contar com a ajuda dos professores Estefânia Moreira, do Departamento de Ciências Fisiológicas, e Emerson Venâncio, do Departamento de Ciências Patológicas, do CCB (Centro de Ciências Biológicas). A união das duas frentes levou a essa integração de disciplinas para o desenvolvimento da pesquisa.

Ao todo, foram 524 inscrições e o prêmio é dividido em quatro categorias: ciências da vida, matemática, física e química. A cerimônia de entrega será no dia 4 de outubro. A intenção é promover a igualdade de gênero no ambiente científico. "O problema não é a questão em números na ciência, mas a mentalidade das pessoas em relação à presença das mulheres. A quantidade de mulheres que são chefes de departamentos, reitoras ou que tenham altos cargos dentro da ciência ainda é insignificante", defende.

Falta incentivo
Lisboa também destaca que em algumas áreas, como nas exatas, o preconceito é ainda mais visível. "Até de as próprias mulheres acharem que não são boas e acabam não indo atrás do que querem realmente fazer", explica. Nesse campo, elas são minoria até no número de alunos, por isso acredita no empoderamento feminino. "A questão do feminismo é a igualdade de gênero para que a gente possa fazer as mesmas coisas. A gente não deveria ter que discutir esse assunto em pleno 2018, mas acho que essa questão de se impôr, enquanto muita gente vê como algo negativo, eu acho importante e, de maneira geral, tem sido positivo, porque as mulheres estão conquistando mais espaços", acredita.

Além disso, a pesquisadora fala da falta de incentivo para a ciência de maneira geral no País e reconhece que por ter estudado em colégio particular, teve acesso à educação e ferramentas que a maioria não possui. "É preciso pensar em como inserir na grade curricular alguma disciplina diferente ou até palestras com profissionais de diferentes áreas para tentar estimular", afirma, indicando alguns projetos da USP que trabalham com meninas do ensino público, promovendo oficinas de várias áreas para que elas se sintam mais acolhidas.

Estímulo que ela recorda ter vivido ainda que de forma indireta. A mãe era professora do Estado e, nas tardes livres, Lisboa a acompanhava em algumas aulas quando não ia para a biblioteca ler. "Eu também tinha lousa com giz em casa, gostava de brincar de dar aula, muito por causa dela (mãe). Ela nunca me obrigou a estudar, me incentivou dessa forma, sempre estava por perto", afirma. A família agora é só orgulho. "Estão todos muito felizes, na nossa área é difícil ter reconhecimento, então quando acontece isso, todo mundo fica feliz e empolgado", anima-se. O marido apoia. Os dois vivem em Ribeirão Preto (SP) e dividem atenção entre as famílias no Norte do Paraná e em Botucatu (SP).

Lazer e política
Nas horas vagas, a cientista dá o lugar para a mulher que gosta de ver séries (mas não de drama médico) e respirar ar puro. "Aqui temos muitos parques, então nos finais de semana que não trabalho, acabo saindo um pouco. Encontro amigos, saio para comer pizza, vou ao barzinho, churrasco, tento aproveitar", menciona. Durante a semana, concilia o trabalho com atividades físicas, como pilates e muay thai, sua última descoberta. "Testei e achei superlegal dar uns socos e uns chutes para desestressar", ri.

Entre a vida pessoal e a ciência, Lisboa vai encarando as questões políticas do seu trabalho. Nos últimos anos, a pesquisa no Brasil tem sofrido cortes de investimento e muitos pesquisadores perderam suas bolsas. "Tem um projeto que submeti no ano passado e ainda não obtive resposta do governo. Isso gera muita preocupação e instabilidade, aqui no Brasil não pensam em valorizar a ciência, além de gerar um atraso para o país. Sem ciência, o País não vai para a frente. É bem desanimador", diz ela, que já passou pelos Estados Unidos e Alemanha, conheceu outras realidades e hoje conta as dificuldades de programas dos governos federal e estadual, como Capes, CNPQ e Fapesp.

Nova geração
Mesmo assim, ainda acredita no poder da ciência e que é possível transformar a realidade. A conversa com os sobrinhos segue um pouco essa linha e ela percebe que um deles tem curiosidade pelo assunto. "Tenho um sobrinho de 14 anos que está no ensino médio, então ele começou a me perguntar mais sobre o que eu faço, ele sempre foi tímido e agora começou a questionar, falar que gosta dessa área", conta, apostando que talvez seja uma influência para a nova geração de pesquisadores na família.

Esse estímulo, acredita a pesquisadora, depende de iniciativas de terceiros, com as novas propostas que ela aposta para a mudança de pensamento no Brasil e no mundo. "Acho que está mudando, as pessoas têm buscado cultivar e essa questão das mulheres na ciência está mais forte. Esse prêmio que ganhei é legal, dá visibilidade para a mulher na ciência, é importante dar esse destaque para mostrar que elas existem. Isso serve de exemplo para crianças e também para estudantes de graduação, que eles possam acreditar que podem um dia vir a ser cientistas também", almeja.