Bogotá - O número de imigrantes venezuelanos na Colômbia é próximo de 1,5 milhão. As organizações de ajuda humanitária concentraram seus esforços na região como uma maneira de reduzir o sofrimento daqueles que chegam e impedir a propagação de doenças. Uma dessas entidades é a MSF (Médicos Sem Fronteiras), que historicamente atua nesse contexto de preservação da condição humana.

Imagem ilustrativa da imagem Trabalho humanitário com imigrantes venezuelanos na Colômbia
| Foto: Esteban Montaño Vásquez/MSF

A chefe de missão da MSF na Colômbia, Ellen Rymshaw, explica o cenário atual enfrentado no país. Tem décadas de experiência em trabalhos em que corria risco de morte por conta de conflitos armados. Ela serviu em missões humanitárias em hospitais no Sudão do Sul, trabalhou na resposta de emergência ao controle da malária no leste do Congo e foi responsável pela execução de um programa de controle da desnutrição na Nigéria. No Haiti administrou um hospital de trauma e maternidade na época dos terremotos em 2010 e coordenou emergências de cólera. Também coordenou equipes médicas em campos de refugiados na Zâmbia e participou de várias ações na Venezuela, Estados Unidos, México, Angola e Burundi. Atualmente, é chefe de missão da organização Médicos Sem Fronteiras na Colômbia.

Nesta entrevista, Ellen Rymshaw conta como tem sido o trabalho com os venezuelanos que deixam o país de origem por melhores condições de vida.

Que ações a MSF faz hoje com os migrantes venezuelanos?

Agora temos cinco projetos em diferentes regiões da Colômbia. Isso demonstra até que ponto os imigrantes cruzam, passando por todo o território até o Pacífico. É impressionante em termos de movimento populacional. Cada um desses projetos tem uma atividade no hospital local e existem clínicas móveis. Trabalhamos regularmente com saúde primária e mental, vítimas de violência sexual, planejamento familiar, interrupção voluntária da gravidez. Há pessoas que não entram apenas através de fronteiras oficiais, preferem fazê-lo em áreas não autorizadas e ficam nas aldeias. Outros atravessam e começam a caminhar até a fronteira do Equador. Damos hidratação, primeiros socorros, informações sobre o hospital mais próximo e o que eles podem esperar ao longo do caminho. Muitos chegam sem roupas e sapatos, com crianças. A princípio, os caminhantes eram jovens, de boa saúde. Mas começamos a ver uma mudança de migrantes. Mulheres com crianças pequenas, gestantes, idosos com doenças crônicas. Eles atravessam para procurar ajuda.

A comunidade internacional se pergunta: há uma crise humanitária na Venezuela?

Eu sei que há muita discussão nas agências das Organizações das Nações Unidas sobre como caracterizá-la. O que podemos dizer é que há pessoas que vêm de longe, às vezes de Caracas, a 700 quilômetros da fronteira com Cúcuta. Existem muitas pessoas doentes e queixas de saúde mental e planejamento familiar. Trabalhamos com saúde sexual e reprodutiva e assistência à saúde mental para vítimas de violência sexual.

A comunidade internacional contribuiu para o trabalho com os migrantes?

A Colômbia tem sido como um modelo em termos de receber essas pessoas. Isso não aconteceu em outros países, nem mesmo na Europa. Mas o número de pessoas é grande. O próprio país tem problemas em responder a essa quantidade de população. Em vários lugares os hospitais não podem prestar os serviços que prometeram, como emergências. A comunidade internacional está falhando. Do pedido de ajuda para a ONU, que era uma quantia em milhões de dólares por ano, apenas 24% foi entregue até o momento. E os Estados Unidos são o país que dá mais dinheiro. Cerca de 50%. Mas os fundos dos EUA estão sujeitos a uma política que tenta impedir qualquer cuidado com abortos e interrupções voluntárias (na Colômbia é permitido quando há risco de morte da mãe, agressão sexual ou má-formação do feto). Todas as organizações que recebem esse dinheiro não podem oferecer planejamento familiar, serviços de aborto e nem aconselham o paciente sobre o que pode ser feito, ou seja, eles não oferecem serviços completos. E uma coisa importante: a comunidade internacional não americana precisa começar a dar mais apoio a essa situação.

A senhora provavelmente encontrou muitos casos especiais neste trabalho. Existe alguém que chamou sua atenção?

Reunimos muitas histórias. Agora existem pessoas de classe média que não tinham mais trabalho e dinheiro, então elas migram para melhores condições. Eu conheci uma família que não podia comprar toda a comida que precisava. Um dia, tudo o que tinham eram mangas que encontravam nas árvores nas ruas. Há muita depressão, ansiedade, tristeza. Em algumas aldeias existem pessoas que vivem nas ruas. Um senhor nesta situação teve os únicos sapatos roubados. Então disse: "o mundo tem que ser melhor para nós".

A senhora trabalha em muitas situações extremas em diferentes países, há mais de 20 anos. Sudão do Sul, Haiti, Congo e outros. Desde então, houve avanços nos direitos humanos?

Há muito mais conhecimento sobre o direito humanitário. O problema é a implementação. Apesar do conhecimento, que é mais amplo agora, podemos não melhorar por causa da impunidade dos governos. Em certos lugares, há uma diminuição na aplicação dos direitos humanos, como Bangladesh (estima-se que mais de 600 mil pessoas tenham fugido de Mianmar para Bangladesh desde 2017. Tensões étnicas entre o exército birmanês, apoiado por milícias muçulmanas e rohingyas, ocasionam histórias de massacres, torturas e estupros) e muitos outros países onde antes, quando havia problemas, havia grande movimentos de pessoas. A imigração no Mediterrâneo é semelhante. Há mais conhecimento das leis humanitárias e mais resistência para aplicá-las.

Com a sua experiência, essa emigração quase forçada está terminando?

Tudo o que posso dizer é que tentamos manter nossas atividades na fronteira, aumentar o trabalho para alcançar mais pessoas e esperar o melhor.

* Diogo Cavazotti Aires é jornalista, mestrando em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário pela Universidad Católica de Colombia e bolsista do Icetex