Na última terça-feira (28), comemorou-se o Dia Internacional da Educação. A pandemia de Covid-19 que o mundo enfrenta atualmente colocou em pauta a importância de tratar o meio ambiente como uma questão ainda mais urgente nas salas de aula. A necessidade de abordagens eficazes sobre os cuidados com os recursos naturais junto a crianças e adolescentes tem se mostrado imprescindível para garantir a formação de cidadãos conscientes e evitar que no futuro aconteçam crises sanitárias como a que o mundo atravessa hoje. Além do surgimento de vírus trazidos por animais que se vêm obrigados a sair de seus habitats naturais por conta da deterioração da biodiversidade provocada pelo homem, outros temas envolvendo a biodiversidade ganharam holofotes nos últimos meses. Dentre eles, as recentes queimadas na floresta amazônica e o avanço rápido do aquecimento global.

Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza | Foto: Gisele Koprowski/Fundação Boticário

Para falar sobre esse assunto, a FOLHA entrevistou Malu Nunes. Diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, especialista em Manejo de Áreas Protegidas, mestre em Conservação da Natureza e Ciências Florestais e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. Com mais de 30 anos de experiência em ações ambientais positivas, ela acredita que momentos de crise ou eventos extremos como enchentes, secas, insegurança hídrica e pandemias são impactantes, porém também são oportunidades para repensarmos a nossa relação com a natureza. “A conservação da natureza não é uma barreira à produção e desenvolvimento, mas, sim, fundamental para uma economia forte, saúde e bem-estar da população”, avalia.

Para a especialista, mais pessoas estão buscando ambientes naturais, ciclovias, praças e parques para recreação ao ar livre
Para a especialista, mais pessoas estão buscando ambientes naturais, ciclovias, praças e parques para recreação ao ar livre | Foto: Roberto Custódio/5-1-2020

Qual avaliação é possível fazer dos brasileiros em relação aos cuidados com o meio ambiente?

Acredito que a relação de cuidado dos brasileiros com o meio ambiente, de forma geral, ainda pode evoluir. O fato de alguém jogar lixo na rua, desperdiçar água ou outro recurso natural é reflexo de uma sociedade ainda pouco conectada à natureza. E esta falta de conexão em geral traz consigo a falta de cuidado. No Brasil e no mundo, tivemos uma exposição maior de informações sobre alguns temas na última década, com mais pessoas buscando ambientes naturais, ciclovias, praças e parques, para recreação ao ar livre. Ainda assim, é comum encontrar embalagens, lixo e vandalismo nestes locais. Para essa relação mudar, é fundamental entender que nós, seres humanos, fazemos parte da natureza e que sem ela não sobreviveremos. Um ambiente natural bem conservado e em equilíbrio nos fornece uma série de serviços como, por exemplo, água e alimentos; ar puro; microclima equilibrado; solo saudável e fértil; entre outros.

Que balanço a sra. faz das políticas ambientais, levando em conta os avanços e retrocessos desde que começou a trabalhar nessa área?

Trabalho com conservação da natureza há três décadas. O que vejo é que o Brasil tem dificuldade de colocar em prática planos e programas consistentes e conectados com os desafios globais e nacionais para o tema. Também percebo barreiras no planejamento e execução de ações continuadas, o que, por característica, as ações relacionadas ao meio ambiente demandam. Há que se considerar os avanços nos acordos e tratados internacionais firmados nesse período, mas com dificuldades de integração nas agendas políticas e governamentais. Outro avanço é o envolvimento de diferentes setores em iniciativas de desenvolvimento regional que podem levar a soluções integradas com benefícios e escala ampliados. O Movimento Viva Água, idealizado pela Fundação Grupo Boticário com o propósito de garantir segurança hídrica à Região Metropolitana de Curitiba, é um bom exemplo. Foram engajados mais de 90 atores, do poder público, iniciativa privada, academia, cooperativas, ONGs e da comunidade, em geral, principalmente àquela da região da Bacia do Rio Mirimguava, em São José dos Pinhais. Na próxima década, todo o município será abastecido pelo Mirimguava.

Como a educação ambiental tem sido trabalhada nas escolas brasileiras dentro das diretrizes do sistema nacional de educação? Esse modelo de ensino tem se mostrado eficaz?

Para que as próximas gerações percebam a importância do meio ambiente, de forma integrada com toda a sociedade, é importante que a educação ambiental esteja de fato presente e permeando todos os níveis e modalidades de ensino. Acredito que nossa melhor oportunidade de abordar o tema está na implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A interdisciplinaridade e a aproximação de temas do dia a dia ajudam a levar a natureza brasileira para a sala de aula, para as conversas dos estudantes com suas famílias e para as ações da escola que envolvem a comunidade. É essencial ensinar desde cedo que somos parte da natureza, quais são as principais espécies do nosso país e como cada elemento interfere em nossa vida. Um trabalho que estamos compartilhando com toda a sociedade, para que seja amplamente utilizado pelos educadores, é a Coleção Meu Ambiente, uma série de livros paradidáticos sobre o meio ambiente para ser trabalhado no ensino fundamental. Por meio deste material, que compartilhamos gratuitamente, reforçamos nosso entendimento que o meio ambiente pode ser considerado pelos educadores no seu plano de aulas.

Quais mudanças se mostram necessárias em relação à educação ambiental junto às crianças e adolescentes?

Considero importante trazer a temática para a sala de aula. A escola é um dos ambientes onde os alunos começam a entender o mundo, e sua relação com ele e com outros indivíduos, e neste momento, eles podem compreender a importância do meio ambiente. E com isso, podem influenciar as gerações atuais e em uma mudança de cultura ao seu redor. A conservação da natureza pode ser tratada transversalmente também, por exemplo, junto a conteúdos de história, ciências, português ou geografia, estimulando o desenvolvimento de competências, como a curiosidade intelectual; a abordagem das ciências para investigar causas e elaborar hipóteses, resolver problemas e criar soluções.

O País enfrentou diversas sanções econômicas internacionais devido à forma como tem lidado com a preservação de nossas florestas. Quais seriam as soluções para esse impasse?

O País precisa entender o papel da conservação da natureza, seus riscos e benefícios para a economia e para a qualidade da vida de toda a população. Os governos de todas as nações devem compreender essa relação de interdependência, que o meio ambiente não é um componente isolado, e a partir disso adotar e manter uma postura clara de conservação dos ativos naturais, incentivando o uso de soluções baseadas na natureza para endereçar os desafios sociais e econômicos do País.

Quais são as projeções para o futuro do planeta caso a humanidade continue lidando com o meio ambiente da forma como acontece atualmente?

Infelizmente os desastres ambientais estão ocorrendo em intervalos de tempo muito menores. E com consequências ainda mais significativas, como por exemplo, a estimativa do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] que aponta que 140 milhões de pessoas podem ser forçadas à migração em decorrência dos efeitos do clima até 2050. Teremos crises hídricas cada vez mais severas, perdas econômicas na agricultura (inclusive, várias regiões poderão se tornar inviáveis para o plantio), refugiados climáticos, entre várias consequências que podem ser evitadas se houver atitudes rápidas, estruturadas e articuladas entre os diversos setores.

Há indícios de que o avanço de contágios por doenças causadas pelo mosquito da dengue e pelo novo coronavírus tenha alguma ligação com a maneira como a humanidade tem lidado com a natureza?

Algumas das epidemias que tivemos se originaram no mundo animal, em função de mudanças no meio ambiente, resultantes do comportamento humano e da degradação ambiental, como desmatamento, represamento de corpos hídricos, desenvolvimento costeiro, urbanização, crescimento populacional e mudanças climáticas. Quando os habitats naturais são alterados, a oferta de alimentos é reduzida e os animais se aproximam das comunidades humanas. Eles atuam assim como vetores para as zoonoses, espalhando as doenças, disseminando vírus e outros organismos. Outro fator é o aquecimento global, provocado pelo homem. Com o aumento de apenas 1ºC, é alterada a composição genética, o comportamento, a abundância e a sobrevivência das espécies.

De que forma atitudes individuais podem contribuir eficazmente para a preservação ambiental?

O que cada indivíduo pode fazer é agir de forma correta, com respeito ao meio ambiente. E cada ação conta para o coletivo, como destinar corretamente os resíduos e embalagens; adotar práticas de consumo consciente; e o uso eficiente dos recursos naturais. São atitudes simples, mas eficazes para uma mudança positiva em toda a sociedade.