Os debates acerca da renovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação), principal fonte de financiamento da educação básica no Brasil, devem esquentar a partir do retorno das atividades parlamentares, marcadas para o final de janeiro. O Fundo surgiu em substituição ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e tem prazo de vigência até dezembro deste ano.

Nos corredores do Congresso Nacional fala-se em um consenso sobre a permanência do Fundeb, alvo de três PECs (Proposta de Emenda à Constituição) que já caminham neste sentido. A mais adiantada, de autoria da deputada federal Professora Dorinha (DEM-TO), prevê o aumento da contribuição da União dos atuais 10% para 40%, gradativamente a partir de 2021, e teve a primeira versão apresentada antes do recesso parlamentar no ano passado, mas sem ser votada. Por enquanto, este parece ser o principal ponto que coloca governo e Congresso em uma "queda de braço", uma vez que o próprio ministro Abraham Weintraub já defendeu crescimento de apenas 5% na participação federal.

Desta forma, o debate gira em torno não apenas de um incremento no bolo, mas da distribuição mais eficiente de uma fatia de 31% dos recursos do Fundeb, dentre outros pontos. Atualmente, esta parcela vai para cidades "ricas" de estados "pobres", ou seja, aquelas que já arrecadam bem com tributos municipais.

No fim de dezembro do ano passado, foi publicada no Diário Oficial da União a estimativa de receita do Fundeb para 2020 em R$ 173,7 bilhões. Estados, Distrito Federal e municípios devem contribuir com R$ 157,9 bilhões e a complementação da União deverá ser de R$ 15,8 bilhões. Com isso, o valor médio gasto por aluno por ano ficaria em R$ 3.643,16. Já os estados beneficiados com a complementação da União são os mesmos do ano passado: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, e Piauí.

Londrina, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios, deverá receber R$ 189,5 milhões do Fundeb em 2020.

Aprovação da Base Nacional Comum Curricular e novas diretrizes para formação de professores são pontos que "salvam" 2019, avalia Claudia Costin
Aprovação da Base Nacional Comum Curricular e novas diretrizes para formação de professores são pontos que "salvam" 2019, avalia Claudia Costin | Foto: Fábio Alcover/5-3-2018

Em entrevista à FOLHA, a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e ex-diretora de educação do Banco Mundial, Claudia Costin, defendeu a permanência do Fundeb e avaliou desafios que o Congresso enfrentará na tramitação das PECs. Costin também fez um breve balanço da atuação do ministro Abraham Weintraub, no comando do Ministério da Educação desde abril de 2019.

A sra. avalia que a redistribuição dos recursos deveria ser feita com base nos resultados dos núcleos regionais de educação em vez do atual modelo, que é pelo número de alunos? Ou a situação financeira de cada município poderia ser um bom indicador?

Eu acho que tem duas questões que precisam ser levadas em conta. Primeiro é tornar o Fundeb permanente, acho que esse é um ponto em que há consenso, mas é fundamental e precisa ser trabalhado rápido. O MEC está demorando um pouco demais em relação a isso porque eles deveriam ter a proposta deles já pronta, embora eles já tenham declarado desde abril que iam fazer algo a respeito, aparentemente nada andou do ponto de vista do próprio ministério. Com relação a tornar mais redistributivo, é importante fazer duas coisas. Primeiro é não tornar o Fundeb mais redistributivo olhando para as redes de ensino. Eu acho que o critério “dinheiro segue o aluno” continua sendo a melhor regra porque incentiva as escolas a combaterem a evasão escolar, a ir buscar alunos que nunca entraram na escola. Quando o antigo Fundef foi criado, este princípio do “dinheiro segue o aluno” foi fundamental para permitir que um grupo enorme pudesse entrar na escola, então eu acho que continua sendo um princípio muito importante, mas olhando também para os municípios mais pobres, ou redes municipais mais pobres e não só para o quanto que aquele estado tem de dinheiro.

No ano que vem o Congresso e o governo vão fazer um grande esforço para aprovar a Reforma Tributária. Isso poderá influenciar ou “atrasar” as PECs sobre o Fundeb?

Eu acho que vai ser em paralelo, mas ela vai afetar porque há um desejo da área econômica de acabar com os 25% da vinculação. E é importante lembrar que, embora a educação não tenha os recursos de que precise, muitos defendem que a área já tem muitos recursos, mas as pessoas esquecem que uma questão que mais influencia a qualidade da educação é a atratividade da carreira de professor, é você trazer mais talentos para a profissão de professor. E se o salário do professor continuar tão baixo como é hoje, dificilmente vamos tornar a carreia atrativa. Então o que é caro em educação é melhorar o salário do professor e isso precisa ser feito. Enquanto ser professor for considerado carreira menos importante, nós não vamos avançar nem na educação e nem no desenvolvimento do País, porque o que torna o País desenvolvido é ter uma força de trabalho preparada para os desafios da revolução 4.0 e dos tempos que vamos viver. Se não atrairmos os melhores isso não vai acontecer. É um grande desafio, especialmente vivendo em uma crise fiscal. Mas, por outro lado, não vai ser desatrelando os gastos em educação que nós vamos resolver essa parada porque é preciso lembrar que o que o Brasil vive hoje não é mais uma crise de educação no sentido amplo, é uma crise de aprendizagem. As crianças, em grande medida, tirando o ensino médio, estão na escola. Nós conseguimos universalizar o ensino fundamental I e II, o II infelizmente só no início do século 21. Nós quase universalizamos a pré-escola, estamos com quase 94% das crianças de quatro e cinco anos na escola, mas o ensino médio ainda tem um tanto fora. A conclusão do ensino médio até os 19 anos está em 62%, ou seja, ainda temos um problema de acesso. Tem que continuar olhando para manter as crianças na escola. Mas a crise mais profunda que vivemos hoje é de aprendizagem, as crianças estão na escola, mas não estão aprendendo como deveriam. Para resolver isso precisa atrair os melhores para a profissão de professor e mantê-los.

Qual é o balanço deste primeiro ano de governo?

Por incrível que parece esse ano foi um ano importante para a educação e por que eu digo “por incrível que pareça”? Eu adoraria poder dizer que o mérito é do MEC, mas não é. O mérito é dos estados, do Consecti (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação) e da Undime (União dos Dirigente Municipais de Educação) porque em regime de cooperação eles traduziram a Base Nacional Comum Curricular em 27 currículos, de 26 estados e do Distrito Federal. Formaram equipes que sabem capacitar os professores para que isso aconteça. Quando eu falo em currículos é da educação infantil e do ensino fundamental I e II e já começou para o ensino médio. O MEC entrou com o dinheiro do financiamento destas equipes, que já estava definido em 2018, mas ele tem pelo menos o mérito de aplicar conforme já tinha se estabelecido. E no dia 9 de novembro o Conselho Nacional de Educação aprovou as diretrizes e a base de formação docente, que vão mudar como nós formamos os professores no País. A formação é hoje, infelizmente, excessivamente teórica, não tem um diálogo entre teoria e prática, não é preparatória para uma profissão tão importante quanto a de professor. E, no finalzinho do ano, o ministro interino homologou estas diretrizes aprovadas. Este foi o lado positivo do ano. Onde eu vejo problemas? Na educação básica há uma dispersão muito grande de energia com propostas que não vão agregar para a nossa crise de aprendizagem. Uma delas: escolas cívico-militares. Quer dizer, passar um ano para gerar aquela subsecretaria para uma proposta que vai resultar em 54 escolas cívico-militares, eu acho que não ajuda. Primeiro a proposta da escola não é o que precisávamos, precisávamos de escolas com bom nível, não precisa colocar policiais militares ou bombeiros dentro da escola para ter um bom nível. Quando olhamos para os 30 primeiros países no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), nenhum deles tem esse modelo, então o Brasil tem que olhar para o que funciona no mundo, se inspirar e naturalmente se adaptar. E a outra coisa que avançou pouco foi que o MEC criou uma secretaria inteira para a alfabetização. Eu não teria feito isso, eu acho que a alfabetização deveria estar dentro da secretaria de educação básica. Mas tudo bem, é uma escolha que os governantes têm direito de fazer. Trouxeram uma proposta que faz sentido: "vamos olhar para o que as pesquisas apontam que funciona em educação". Mas o que eles acabaram fazendo é uma conferência, eu até fui para assistir, mil relatórios que eles fizeram, mas não tem nenhum plano de implementação. Por que fazer com que os pais contem histórias para os seus filhos, que é uma ideia meritória, nada contra essa ideia, não é implementar um programa inteiro de alfabetização e o Brasil está indo mal em alfabetização. Então o diagnóstico do MEC estava correto, mas não tem nenhum plano de implementação que diga como será a mudança na abordagem de educação, a capacitação de professores para mudar como a alfabetização ocorre nos municípios, nada disso está pronto.

Inclusive o secretário Carlos Nadalim é daqui de Londrina!

E as hipóteses que ele traz não são equivocadas. Já há um consenso no mundo na direção do que ele diz, mas precisa de um plano de implementação. Eu disse inclusive para ele. Gestão de políticas públicas é uma área de saber, eles precisam levar os gestores, e tem importantes gestores no governo federal, para trabalhar num plano de implementação, senão vamos perder mais um ano sem melhorar os péssimos indicadores de alfabetização que temos no Brasil. Hoje, no terceiro ano, 55% das crianças das escolas públicas saem analfabetas, então de fato o diagnóstico deles está correto, mas precisa implementar a transformação.

O que podemos esperar do Future-se?

Com relação ao Future-se, o meu comentário inicial é que também a baixa capacidade de implementação acontece porque também esse plano parte de um diagnóstico que faz sentido. A universidade brasileira precisa de muito mais autonomia de gestão, mais internacionalização e ao mesmo tempo, de dialogar mais com os seus contextos regionais. Tendo dito isso, o fato de que o ministro teve uma estratégia de comunicação tão agressiva e desencontrada até o fim do ano passado não ajudou na implementação de qualquer proposta para o ensino superior. Quer dizer, se faz política pública com diálogo com os setores envolvidos mesmo que seja para, momentaneamente, contrariar um consenso formado, trocar o status quo por uma proposta mais “ousada”. Ninguém vai ouvir uma proposta de alguém que está o tempo inteiro agredindo os professores universitários e os cientistas dentro das universidades. Quer dizer, começou com aquela história frente a um contingenciamento, e contingenciamento é uma coisa que acontece frente a qualquer governo que enfrenta crise fiscal. Em vez de dizer candidamente “estamos vivendo uma crise fiscal e a nossa opção foi bloquear temporariamente recursos da universidade”, ele começou como se estivesse falando com um grupo de militantes, que havia balbúrdia, então por isso 13 universidades iriam perder recursos. Depois, quando comprovado que iria ser para todas, ele disse que iria tirar recursos da universidade e passar para a educação básica, esquecendo que o próprio MEC tem unidades de educação básica e que elas tiveram um contingenciamento ainda maior que a universidade. Então foi uma operação tão desencontrada que, neste contexto, falar de inovações dentro da universidade que introduzam um pouco mais de flexibilidade, deixou a universidade na defensiva. Não ajudou o episódio da maconha, de que teria sido encontrada maconha na UNB (Universidade de Brasília), depois descobriram que não era nem terreno da UNB, mas mesmo que tivesse sido, quer dizer, não é assim que vai se ganhar aliados para uma proposta de modernização de universidade. Não há diálogo com a gestão das universidades e com os próprios professores.