Eugenio Barba: “A tecnologia moderna forçará as pessoas do teatro a redefinir o que significa trabalhar através de um instrumento arcaico, o corpo e a mente humana”
Eugenio Barba: “A tecnologia moderna forçará as pessoas do teatro a redefinir o que significa trabalhar através de um instrumento arcaico, o corpo e a mente humana” | Foto: Fábio Alcover e Mariana Hertel/ Divulgação

Dançarinos, atores e diretores londrinenses tiveram a rara oportunidade de aprender um pouco mais sobre seus ofícios com uma das maiores lendas vivas do teatro mundial. Diretor do grupo dinamarquês Odin Teatret, Eugenio Barba esteve na cidade para compartilhar suas experiências durante uma masterclass promovida pela 17 edição do Festival de Dança de Londrina. O evento que aconteceu na manhã da última quinta-feira (12), Centro Cultural Sesi/AML reuniu cerca de 60 profissionais.

Nem mesmo as poucas horas que teve de sono conseguiram tirar o entusiasmo de Barba. O diretor acabou chegando a Londrina apenas algumas horas antes da masterclass que ministraria pois o voo que o traria à cidade na noite anterior acabou sendo transferido para Maringá devido ao mau tempo que impediu a aterrissagem dele e da atriz Julia Varley, que também participou do evento. Conversando em português, de forma didática, com a motivação de um iniciante, ele apresentou ao público local os conceitos da antropologia teatral, mostrando que apesar de serem formas artísticas que exploram a presença humana no palco de modos distintos, a história mostra que a técnica de dançarinos e atores coincidiu em muitos períodos.

Fundador do grupo dinamarquês Odin Teatret em 1964 , Eugenio Barba dirigiu 76 produções e também é conhecido mundialmente como o criador da ISTA - Escola Internacional de Antropologia do Teatro, abrindo assim um novo campo de estudos para as artes dramáticas a partir de 1979. Integrante do conselho consultivo de várias revistas acadêmicas, o diretor recebeu doutorados honorários de diversas universidades. Entre elas a Universidades de Havana, Varsóvia, Hong Kong, Montreal e Copenhague.

Pouco antes de retornar a Londrina seis anos depois de sua última visita à cidade, quando fez uma passagem luminosa pelo Festival de Dança em 2013, Barba concedeu a seguinte entrevista à FOLHA por e-mail.

O senhor se sente um diretor realizado?

Se realização é sinônimo de sentimento de liberdade, compreensão e gratidão, após 60 anos de teatro, posso dizer que sim. Construí como emigrante, em terra estrangeira, um grupo de teatro que abarcava jovens de diferente idiomas e culturas que inventaram desde 1964 uma forma de praticar o ofício totalmente ao lado dos critérios e normas existentes em nossa sociedade. O teatro nos permitiu participar de lutas para realizar nossos ideais. Estamos neste mundo, mas não pertencemos a ele.

Quais foram as mudanças mais marcantes no Odin Teatret desde a início do grupo?

Comecei com um pequeno grupo de jovens da escola estadual de teatro em, Oslo, na Noruega. A primeira fase foi aprender como autodidata, sem que ninguém nos levasse em consideração. Esta experiência de exclusão e empenho até conquistar nossos conhecimentos técnicos determinou os primeiros anos e atividades do Odin Teatret. Quando nossos resultados artísticos despertaram o interesse dos espectadores e inspiraram as pessoas do nosso ofício foi um momento de profunda tomada de consciência de nossa responsabilidade. O que fazíamos tinha consequência para os demais. Hoje, quando estamos no quinto ato de nossa vida profissional, fica a obrigação de preservar e passar para as mãos de outra geração o espaço físico do Odin, suas instalações e sua rede de contatos, sua sabedoria e seus fortes vínculos políticos com a população da Holstebro [município da Dinamarca onde está sediado o grupo.

De que forma o Odin Teatret contribuiu para o teatro ocidental?

A história do Odin Teatret é a de alguns jovens excluídos que souberam realizar uma prática de teatro chamada laboratório. O teatro para eles não se limitava a ser apenas espetáculos. Criaram uma nova preparação para o ofício através de um treinamento físico e vocal que virou uma referência para as gerações que vieram depois de 1968. É único no teatro do século 20 em atividade desde 1980 com a ISTA - Escola Internacional de Antropologia do Teatro, uma pesquisa de comparativa no campo da técnica que eu defini como antropologia teatral. Acima de tudo, fica o exemplo que o teatro pode ser um ambiente que vai além dos espetáculos e se torna um catalisador de iniciativas pedagógicas e culturais em sua comunidade.

O que antevê para o futuro do teatro mundial?

A tecnologia moderna forçará as pessoas do teatro a redefinir o que significa trabalhar através de um instrumento arcaico, o corpo e a mente humana.

Há boatos de que o senhor planeja se aposentar. Pretende diminuir seu ritmo de trabalho?

Tenho a sensação que fui aposentado toda a minha vida, se aposentar significa fazer o que a gente quer.