Um dos mais ambiciosos projetos da recente safra francesa (produção de 2021), “Les llusions Perdues” foi dirigido por Xavier Giannoli, que não abriu mão da tela grande embora fosse assediado pelos streamings. O filme coloca em cena um vibrante afresco da Restauração na França parisiense na década de 1820 e foi adaptado do romance homônimo de Honoré de Balzac: “As Ilusões Perdidas”, portanto muito próximo da situação histórica do país.

Publicado em três partes entre 1837 e 1843, o livro explora com maestria três aspectos fundamentais para compreender a sociedade francesa do século XIX: os jogos de poder e intriga das classes aristocráticas, o contraste entre a vida na capital e na província e o lado sujo – cínico e politiqueiro – da atividade jornalística.

Tudo isso através da história do jovem poeta Lucien de Rubempré, filho de uma família provinciana, aristocrática e decadente. Impaciente, bonito e criativo, o jovem sai do interior e vai para Paris, onde se considera um grande criador. Em busca de fortuna e consagração ele vê, um a um, seus sonhos caírem por terra. A trama consegue traçar um enérgico raio-x das tensões sociais da época, com atenção especial à relação entre criadores e críticos, e entre a imprensa e o poder político. Poderia ter sido um produto acadêmico pomposo e pesado, mas Giannoli se afasta desse território movediço para encontrar sua plena realização cinematográfica na notável construção física da encenação, no dinamismo do planejamento e nas excelentes atuações dos atores.

Imagem ilustrativa da imagem Filme “As Ilusões Perdidas” estreia nesta segunda-feira (27) no Ouro Verde
| Foto: Divulgação

Lucien consegue uma oportunidade no mundo do jornalismo tablóide, o que lhe traz enormes lucros, mas ofusca suas antigas aspirações e caráter nobre. A trágica saga de Balzac sobre o personagem é extensa, mas o filme é principalmente sobre o segundo volume da trilogia das “Ilusóes Perdidas: Um Grande Homem da Província em Paris”. O herói de Balzac persegue não só a glória, o prestígio, o reconhecimento de um título nobre incerto e, por tudo isso, até mesmo a imortalidade, mas também, e é isso que importa, o amor. Nada diferente, portanto, da obsessão de todos os heróis que povoaram o planeta.

FALTA DE PRINCÍPIOS

Lucien de Rubempré modela sua aparência exterior e seus anseios interiores de acordo com o que Paris lhe exige, ao mesmo tempo em que afia sua caneta e sua alma a serviço da moda e de um jornalismo nascente que descreve o cultural – teatro, literatura, editorial…– como um campo lamacento de interesses e excessos onde o que mais se

valoriza é a engenhosidade para encobrir a corrupção e a graça para ofender e a presunção de falta de princípios. É a parte mais cínica e maliciosa do filme (também tristemente engraçada) aquela que o diretor Xavier Giannoli,dedica à relação de seu personagem central com os editores, jornalistas críticos e artistas que surfam em aplausos e elogios.

A parte romântica, seus amores leves com a nobreza e seus amores tórridos com Coraline, a única personagem verdadeiramente nobre apesar de seu caráter frívolo e caprichoso, dão à história um tom melodramático que ameniza, talvez com excesso de tempo e maquinação (embora duas horas e meia não é quase nada para capturar o romance de Balzac), todo painel de sujeira e libertinagem ideológica que "As ilusões perdidas"apresenta.

IMPRENSA LIVRE

Além de um cenário luxuoso e uma encenação cuidadosa, o extraordinário nesta adaptação do romance de Balzac – um formidável estudo de costumes e preceitos sociais e individuais na França do século XIX – é sua ligação com usos, costumes e vícios comtemporâneos, hoje e agora em seus exemplos de privilégios artísticos e profissionais, e principalmente no retrato construido pela mídia e pelos centros de poder e opinião.

De fato, Balzac, entre muitas outras questões, escreve sobre o papel determinante da incipiente imprensa livre. Tão livre que só depende do dinheiro que o sustenta. Ou seja, se noticia, se acredita, se censura, se mente e se enaltece com base unicamente na capacidade econômica dos novos jornais de continuar informando, mentindo, censurando e opinando. É um jogo de poder entre monarquistas e republicanos, entre a aristocracia e a burguesia emergente, entre os privilegiados e aqueles que querem ser, em que vale tudo e que, pelos acasos da história, exibe um paralelismo assustador com o

mundo digital que agora nos preocupa (com suas redes sociais, suas fake news, suas oligarquias preguiçosas).

E é aí, na sua capacidade de evocação, surpresa e síntese que Giannolli ganha o jogo. Não se trata de lembrar que os clássicos são eternos, basta perceber que o motor da ambição de então é sempre o mesmo de agora. Até certo ponto, todas as adaptações históricas mostram sinais de seu próprio tempo, ou sintomas das enfermidades sociais.

Neste caso especifico, o filme aborda diretamente o grande negócio das fake news, bem como a facilidade com que tudo pode ser comprado e vendido. Além de fazer uma esplêndida adaptação do material literário à sua disposição, Giannoli enche sua tela de vida, cor e generosas doses de esplendor e celebração dos sentidos.

O elenco, liderado por Benjamin Voisin e com Cécile de France, Vincent Lacoste, Jeanne Balibar, Salomé Dewaels e André Marcon, como malandros, nobres, trapaceiros e libertinos, oferece constantemente agradáveis ​​surpresas. Gérard Depardieu interpreta um editor analfabeto que não faz rodeios. Um filme que é um verdadeiro banquete, de emoções e

informações preciosas sobre nossa civilização.

SERVIÇO:

"As Ilusões Perdidas" – Produção francesa, 2021.

QUANDO: segunda, terça e quarta-feira (29), às 16 e 19h30m

ONDE: Cine Teatro Ouro Verde

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