Silvio Ribeiro enfatiza que em 2018 a Funcart vai continuar batalhando pela construção de um teatro de contêineres: "Arrecadamos 40% do valor necessário"
Silvio Ribeiro enfatiza que em 2018 a Funcart vai continuar batalhando pela construção de um teatro de contêineres: "Arrecadamos 40% do valor necessário" | Foto: Saulo Ohara



São incontestáveis os prejuízos que o setor cultural sofreu em 2017. Retração de políticas públicas voltadas para a área, falta de incentivos financeiros, queda de público nas bilheterias dos espetáculos devido à crise, além manifestos conservadores que atentam contra a liberdade de expressão estão entre as dificuldades enfrentadas por artistas e produtores de todo o País. Apesar do cenário de caos, a classe artística tem se reinventado, levantando a bandeira da resistência e mostrado que mesmo diante de tantas barreiras o show tem que continuar em 2018.

Na esfera local, o fato que mais pesou contra a classe artística foi o cancelamento de três editais do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) que acabou resultando na suspensão de vários projetos contínuos desenvolvidos há anos realizados por produtores e vilas culturais. Além de inviabilizar a produção de muitos espetáculos, a suspensão atingiu centenas de londrinenses envolvidos com aulas de dança, teatro e circo em diversas regiões da cidade.

"Foi um ano muito difícil para a cultura. Em relação aos problemas envolvendo o Promic, acho que faltou reconhecimento por parte do poder público em relação às atividades culturais desenvolvidas aqui e que além de ganhar vários prêmios, vem colocando a cidade dentro do cenário nacional", afirma Silvio Ribeiro, diretor de teatro e um dos fundadores da Funcart (Fundação Cultura Artística de Londrina).

Outro obstáculo citado por ele é a falta de palcos na cidade. "Apesar da reinauguração do Teatro Ouro Verde, temos poucos espaços para espetáculos de médio e pequeno porte, que permitiriam que os espetáculos fossem apresentados em pequenas temporadas e não apenas em uma sessão como tem acontecido ultimamente. Esse problema ficou ainda maior com a perda do Circo Funcart. Chegamos a abrigar 200 apresentações por ano no circo com cerca de 80 mil espectadores. Em 2017, o número de espectadores caiu para 20 mil pessoas. Sabemos que a queda também foi ocasionada pela recessão econômica que o país inteiro tem enfrentado", argumenta Ribeiro.

Visando minimizar esse problema, ele enfatiza que em 2018 a Funcart vai continuar batalhando pela construção de um teatro de contêineres. "Arrecadamos cerca de 40% do valor necessário para a obra. Qualquer pessoa pode colaborar adquirindo uma cadeira do teatro que levará seu nome e que custa apenas R$ 300", informa.

Adriano Garib: "O governo federal precisa criar mecanismos que estimulem pequenas e médias produções artísticas e não apenas grandes eventos"
Adriano Garib: "O governo federal precisa criar mecanismos que estimulem pequenas e médias produções artísticas e não apenas grandes eventos" | Foto: Fotos: Divulgação



Engajamento e discussão


Enquanto artistas e produtores londrinenses buscam alternativas, os cariocas também sofrem com a redução de recursos do Programa Municipal de Fomento à Artes. Radicado no Rio de Janeiro desde a década de 1990, o ator londrinense Adriano Garib comenta situação. "Além acabar com a lei municipal e de fechar as torneiras para a classe artística, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que o artista precisa de aplausos. Não, a gente precisa de recursos também", reclama.

Interpretando atualmente o personagem Tião de Deus na novela "Apocalipse", exibida pela TV Record, Garib acredita que o engajamento por parte dos artistas é uma das armas para lutar contra a retração de políticas públicas voltadas para a cultura. "É preciso debater com o setor público e conhecer a fundo as leis propostas, propondo mudanças que favoreçam os dois lados", enfatiza ao propor alterações também na Lei Rouanet. "O governo federal precisa criar mecanismos que estimulem pequenas e médias produções artísticas e não apenas grandes eventos milionários", salienta.

A partir da onda de delações da Lava Jato, Garib também aponta a queda de incentivos financeiros do empresariado brasileiro para a cultura: "Isso começou quando questionaram a isenção fiscal das empresas via Lei Rouanet. E é um absurdo pois pode até ter havido fraude por parte de grupos organizados, mas a classe artística é extremamente idônea e obrigada a fazer todas as prestações de contas que são bastante burocráticas e eficazes para conter desvios", argumenta.

Filipe Catto: "A cultura foi colocada de novo num estado de marginalização pela sociedade"
Filipe Catto: "A cultura foi colocada de novo num estado de marginalização pela sociedade"



Manifestos contra o retrocesso


Para o cantor gaúcho Filipe Catto, em 2017 o Brasil passou por um estado de absoluta catástrofe cultural. "A cultura foi colocada de novo num estado de marginalização pela sociedade. O sistema conseguiu embutir na cabeça das pessoas que a arte é uma linguagem que vai destruir mais ainda esse país. Isso fez com que a gente tivesse menos apoio pra conseguir frear um pouco esse retrocesso", avalia.

Apesar disso, Catto salienta que o Brasil nunca se fez uma arte tão contundente e descentralizada. "É uma resposta a isso tudo. A cultura foi violentada por esse governo de uma forma sem precedentes, não só pelo governo federal, mas também em nível estadual e municipal. A gente sofreu uma coisa inadmissível, principalmente por causa das campanhas de ódio dessa ala reacionária da sociedade contra o artista. Acho que isso tudo foi um combo de ignorância e de desinformação sem fim que aconteceu neste último ano. Apesar dessa história toda, a cena artística brasileira nunca esteve tão forte. Vejo uma pluralidade cultural, uma riqueza de trabalhos artísticos, uma linguagem estética nova, interessante, forte e potente que está nascendo dessas cinzas", ressalta o artista que em 2018 pretende excursionar pelo Brasil com a turnê de seu mais recente álbum, intitulado "Catto".

Ana Canãs: "A força gerada pela união da classe artística será a solução para conter o retrocesso cultural que o país atravessa"
Ana Canãs: "A força gerada pela união da classe artística será a solução para conter o retrocesso cultural que o país atravessa"



Na opinião da cantora paulistana Ana Canãs, a força gerada pela união da classe artística será a solução para conter o retrocesso cultural que o país atravessa. "Com a internet, as minorias nesse país ganharam voz. Unidas, elas têm muita força e conquistaram inúmeros avanços. Que essas vozes sigam ainda mais fortalecidas, apesar de todo fascismo presente nos discursos atuais. Que possamos resistir, nos unir e lutarmos para que o direito e a liberdade de todos sejam garantidos e mudanças sejam retomadas", ressalta.

Canãs afirma ainda que "a retração e redução de incentivos é o reflexo do governo atual, ilegítimo, que promove de maneira avassaladora o desmantelamento de todo aparato cultural de um país plural, rico e amalgamado em belezas idiossicátricas e únicas - além da derrubada de quase todos os demais direitos que foram duramente conquistados nas últimas décadas. Precisamos de um governo voltado radicalmente para o social, que promova mudanças nas estruturas, na base - isso significa a elite desse país abrir mão de seus enormes privilégios", conclui.