Primo Levi, o poeta de Auschwitz
O autor judeu-italiano, sobrevivente do campo de extermínio nazista, é a prova de a beleza literária pode nascer do horror histórico
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quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
O autor judeu-italiano, sobrevivente do campo de extermínio nazista, é a prova de a beleza literária pode nascer do horror histórico
Em 1949, o filósofo Theodor Adorno disse que a poesia se tornara impossível depois de Auschwitz. Mas Adorno estava errado; e um dos primeiros a demonstrar que a beleza literária pode nascer do horror histórico foi justamente um ex-prisioneiro de Auschwitz, o judeu-italiano Primo Levi (1919-1987), cujo centenário de nascimento comemorou-se no ano passado.
Os 11 meses que o jovem químico de Turim passou no campo de extermínio nazista são o tema da obra-prima “É isto um homem?”, de 1947. Trata-se de um dos mais pungentes e sinceros relatos já publicados sobre o inferno concentracionário. Com uma notável capacidade de observação e lucidez, Levi descreve os sentimentos e o universo mental de alguém que vive na presença da fome, da escravidão, da humilhação, da violência, da tortura e da morte. Mesmo nessas condições extremas, Levi é capaz de encontrar pequenos pontos de luz e esperança.
Dias atrás, tive a alegria de encontrar o livro “Mil Sóis”, coletânea de poemas de Primo Levi escritos de 1946 até o ano de sua morte, traduzidos para o português por Maurício Santana Dias. E hoje, no dia em que o mundo civilizado lembra os 75 anos da libertação de Auschwitz, eu gostaria de compartilhar com os meus sete leitores, em homenagem às vítimas do nacional-socialismo, os seguintes versos de Primo Levi, que serviram de epígrafe à obra mais famosa do autor:
SHEMÀ
Vós que viveis seguros
Em vossas casas aquecidas
Vós que achais voltando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem,
Que trabalha na lama
Que não conhece a paz
Que luta por um naco de pão
Que morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força de recordar
Vazios os olhos e frio o ventre
Como uma rã no inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Vos comando estas palavras.
Gravai-as em vossos corações
Estando em casa, caminhando na rua,
Deitando, levantando:
Repeti-las a vossos filhos.
Ou que vossa casa se desfaça,
A doença vos impeça,
Vossa prole desvie o rosto de vós.
10 de janeiro de 1946