Recebi um artigo do meu amigo Gabriel Giannattasio — professor, historiador, escritor, coordenador do projeto Casa da Tolerância. Por respeito aos meus sete leitores e ao meu amigo e professor Olavo de Carvalho, não posso deixar de compartilhá-lo aqui:

“Li o texto ‘Olavo de Carvalho: o guru do eterno rancor’, publicado por Marcos Losnak (FL, 12/2). Não sou olavista, nem bolsonarista, não tenho mais idade pra ser ista. No entanto, percebi que o resenhista encontra no livro o ambiente adequado para destilar ódio e rancor. Como, afinal, escrever um texto sobre esse personagem sem falar uma só palavra sobre a importância intelectual que Olavo de Carvalho passou a ocupar na cena cultural brasileira, para o bem ou para o mal? Ele, um outsider acadêmico! Outsiders são personagens que merecem respeito, não importa a ideologia e a área a que pertençam.

O filósofo da Virgínia transitava no circuito cultural brasileiro já há algumas décadas, mesmo se nós – que vivíamos nas bolhas e eu, em particular, na bolha acadêmica – ignorássemos o fenômeno que crescia à margem e à nossa volta. Qual o intelectual que, tendo construído um patrimônio imaterial de modo completamente autodidata e fora dos cânones acadêmicos, furou a bolha e penetrou no circuito cultural da nação? Sejamos justos, uma literatura conservadora era um corpo estranho ao ambiente universitário brasileiro; e, não tenhamos dúvida, Olavo de Carvalho foi um dos responsáveis – mesmo estando fora da academia, ou quem sabe por estar fora da academia – por conspurcar estes paraísos artificiais.

Me lembro bem quando, por volta do mês de janeiro de 2009, recebi uma mensagem de uma professora, à época minha colega no Departamento de História, indignada com o trabalho que meu orientando lhe havia apresentado. ‘É preciso corrigir os rumos deste rapaz’, escrevia ela. ‘A continuar neste caminho não vejo muito futuro para ele’, dizia a mensagem que recebi. Qual crime havia cometido aquela ‘pobre criatura’? Pensei imediatamente. Ele havia citado, pior que isto, ele havia utilizado o pensamento de Olavo de Carvalho para criticar os intocáveis cientistas sociais da esquerda brasileira.

Pensadores heterodoxos sempre atraíram minha curiosidade. Fui olhar pelo buraco da fechadura, o obsceno, com a mesma indiscrição de quem lê Nelson Rodrigues. Fui ler sua obra, em especial aquela dirigida ao mundo acadêmico. Aprendi – diferentemente de muitos jornalistas, artistas e intelectuais que andam por aí – que é preciso conhecer para refutar.

Não encontrei no arsenal bélico de Olavo de Carvalho um pensamento para além de bem e mal. O filósofo da Virgínia se preparou para uma guerra e não foi ele quem a começou. Se no terreno da política a conjuntura pediu um perfil bolsonarista, na guerra cultural a figura de Olavo foi uma necessidade. Ambos nascem e se fazem marcados por aquela estrela, a do homem que está na hora certa, no lugar certo, com a palavra adequada. O livro de dona Heloísa, sua filha, explora mercadologicamente este ambiente, apelando para o que há de pior nele, o sensacionalismo e a fofoca. Resta dizer que o trabalho de escritura da biografia de Olavo ainda está para ser feito.”