Tenho muita saudade das conversas sobre literatura com meu pai. Quando escrevi um prefácio para a obra de um amigo, no final dos anos 90, Paulo me deu três conselhos:

1. Não dê spoiler do livro.

2. Não queira aparecer mais que o autor.

3. Não fale mal do autor.

Imagem ilustrativa da imagem O milagre de um livro
| Foto: Acervo pessoal/Fábio Gonçalves

Há dois meses, quando fui convidado a escrever o prefácio para “Milagre em Paraisópolis”, primeiro livro do meu amigo Fábio Gonçalves, lembrei-me dos conselhos de Paulo. No referido prefácio, tive o cuidado de nada adiantar sobre a história e os personagens da novela. Limitei-me a fazer uma reflexão sobre o título da obra e o cenário onde se passa toda a ação: a favela de Paraisópolis, em São Paulo. Creio que a ambientação, por si só, já despertará o interesse do leitor.

Em relação ao segundo conselho, meu pai tinha em mente o famoso prefácio de Jean-Paul Sartre ao livro “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Trata-se de um caso esdrúxulo: Sartre escreveu um prefácio que por pouco não é maior que o texto prefaciado! Dir-se-ia que Sartre quase não resistiu à tentação de escrever um prefácio do prefácio. Anos depois, Sartre e Camus tiveram uma violenta polêmica na imprensa francesa, após a publicação do fascinante ensaio “O Homem Revoltado”. No livro, Camus faz um veemente ataque ao comunismo e ao terrorismo. Sartre, militante esquerdista, sentiu-se ofendido, tomou as dores do Partido Comunista Francês e rompeu publicamente com o amigo. No fundo, Sartre sentia ciúmes do talento de Camus.

Fábio Gonçalves pode ficar tranquilo em relação a isso. Não tenho a mínima pretensão de aparecer mais que o meu jovem amigo. Isto nos leva ao terceiro conselho de meu pai: — Não falar mal do autor. Parece óbvio, mas nem sempre foi assim. No mencionado prefácio a “O Estrangeiro”, Sartre permite-se, entre um exibicionismo intelectual e outro, desferir algumas críticas disfarçadas de elogio a Camus (o que leva o nome técnico de “condescendência”). No Brasil, algo parecido ocorreu com o romance Carlos Heitor Cony, “Pessach: A Travessia”, publicado em 1967: na orelha do livro, um filósofo marxista dizia que só metade do romance era boa. Vá entender a cabeça de comunista brasileiro!

Eu também não vou falar mal do autor, e por alguns motivos. Primeiro, conheço a história de vida do Fábio, sua dedicação aos estudos e as dificuldades que ele superou para realizar seu sonho. Segundo, porque o sucesso do Fábio é para mim motivo de grande alegria. Terceiro, e mais importante, porque “Milagre em Paraisópolis”, que deve ser lançado nos próximos meses pela Editora Danúbio, pode ser o início de novos tempos para a literatura brasileira. Não deve ter sido por acaso que o primeiro livro do Fábio Gonçalves nasceu quase ao mesmo tempo que o seu primeiro filho, o Pedro.

Outros milagres virão.