Homem dotado de uma poderosa imaginação moral, capaz de transformar em poesia de primeira qualidade as grandes inquietações de seu tempo, T. S. Eliot, o autor de “Quarta-Feira de Cinzas”, percebeu que o retorno às verdades da fé seria a única forma de sobreviver à realidade caótica do mundo moderno. Tal como veio a afirmar Eric Voegelin em outro contexto, Eliot, diante da confusão do mundo, opôs uma alma ordenada.

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Para escândalo dos comunistas, ateus e desesperados de sua época, T. S. Eliot não apenas aderiu à fé cristã, como também permitiu que um de seus símbolos mais fortes — Maria, a Mãe de Deus — tivesse um espaço privilegiado em sua poesia. Como afirma Russell Kirk, biógrafo de Eliot, “Quarta-Feira de Cinzas” não é um poema dirigido à comunidade, mas à consciência humana. Após falar sobre os ferimentos do corpo e da alma causados pelo pecado — sendo as tentações da carne, do mundo e do demônio simbolizadas como três leopardos brancos —, o narrador do poema se define como um punhado de ossos e alma sobreviventes… e conscientes. E são justamente os ossos que entoam a seguinte oração:

Senhora dos silêncios

Serena e aflita

Lacerada e indivisa

Rosa da memória

(...)

A única Rosa em que

Consiste agora o jardim

Onde todo amor termina

(...)

Fim da infinita

Jornada sem termo

Conclusão de tudo

O que não finda

Fala sem palavra

E palavra sem fala

Louvemos a Mãe

Pelo Jardim

Onde todo amor termina.

Além de transformar em versos algumas passagens da liturgia católica — “Eu não sou digno, mas dizei uma palavra” — e da própria Ave-Maria — “Agora e na hora de nossa morte” —, Eliot utiliza sua genial capacidade de criar símbolos poéticos para criar o que eu chamaria de pequena catedral literária de nosso tempo. A grande catedral viria depois, com a publicação dos “Quatro Quartetos”, dos quais falaremos em outra oportunidade. Mais uma prova de que a Quarta-Feira de Cinzas, ao contrário do que dizia a canção de Vinicius de Moraes, não é o dia em que tudo acaba. É o dia em que tudo começa.

(Nota: Nas citações do poema, utilizei a tradução de Ivan Junqueira para o português.)