Imagem ilustrativa da imagem O homem deitado no banco da praça
| Foto: Paulo Briguet



Neste domingo, depois da reunião na Academia de Letras, visitei a pracinha da minha antiga república, na Rua Humaitá. Como vocês sete já sabem, a República da Humaitá, situada no número 143, não existe mais: foi demolida há muitos anos e substituída por um pequeno prédio de apartamentos. Sempre que vou àquela pracinha, lembro-me do Hino da República, que cantávamos com a mão no peito. Na verdade, o hino era uma melancólica e bela canção de Cartola, intitulada "Peito Vazio". Recomenda-se cantá-la imitando a voz do grande Nelson Gonçalves:

"Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta..."


Note-se a rima rica entre o segundo e o quarto versos da estrofe: um verbo ("aperta") e um adjetivo ("deserta"). Não é à toa que meu pai considerava Cartola, ex-servente de pedreiro, um mestre intuitivo da língua portuguesa: o homem era mesmo um fenômeno.

Mas, desta vez, o Beto e o Baiano não estavam lá para juntos cantarmos o nosso Hino. Nem havia clima para tanto: a pracinha está visivelmente abandonada, com o mato crescente e um pobre homem deitado num dos bancos de cimento. Há sujeira por toda parte; dizem-me que o lugar é ocupado à noite por bebedores e usuários de drogas.

Na época da república, de vez em quando dávamos festas de arromba, mas não era todo dia. E desconfio que éramos um pouco mais civilizados do que a moçada da presente geração; observávamos algum limite. Em nosso tempo, a pracinha não era assim tão desolada. Ainda assim, peço perdão aos nossos antigos vizinhos.

Se eu voltasse no tempo, faria muitas coisas diferentes, pensaria mais nas outras pessoas, seria menos egoísta. E conversaria com Deus. Sei que Deus estava ao meu lado o tempo todo que passei na república, entre os anos de 1989 e 1993, mas eu não O via, não O escutava, procurava ignorar Sua existência. Ele, no entanto, emitia constantes sinais e mensagens. Graças às orações de minha mãe e minha avó, eu O reencontrei.

Observei que o homem estava dormindo exatamente no banco em que certa vez eu tive uma das conversas mais importantes da minha vida. O mesmo banco que eu via todas as manhãs, ao abrir a janela do meu quarto. E de repente pensei que aquele homem deitado no banco pudesse ser eu mesmo, se tivesse seguido outros caminhos.

A canção de Cartola prosseguia:

"Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto em meu peito um vazio
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas e eu sinto mais frio..."


Sigo adiante pela Rua Humaitá e penso na velha máquina de escrever, em que compus minhas primeiras crônicas, jamais escrevendo a palavra Deus. Mesmo assim, Ele foi misericordioso com o jovem que abria a janela e olhava o banco vazio na pracinha da república: trouxe-me até aqui.

"E com o tempo
Esta imensa saudade que sinto
Se esvai..."


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