Em 1978, o escritor americano John Updike (1932-2009) foi convidado a falar durante uma audiência do Congresso dos Estados Unidos onde se discutia o financiamento público das artes e da literatura. A uma distância de quase 40 anos, as palavras do autor de "Na Beleza dos Lírios" contêm reflexões que podem ser aplicadas à nossa realidade atual:

"É da essência do governo a preocupação pelo mais amplo interesse público possível; e é da essência das humanidades, parece-me, o estudo individual, o pensamento, o raciocínio e a paixão. A publicidade é tão essencial no primeiro caso quanto a privacidade no segundo. Poderão ambos domínios ser associados sem distorções?"

"Amo o meu governo no mesmo grau e medida em que ele me deixa em paz."

"Minha ambição pessoal tem sido simplesmente viver pelo trabalho da minha pena. Não é uma ambição de muitos melindres e, se soubesse que uma grande quantidade de verbas do governo estaria disponível aos que trabalham com a palavra escrita, eu procuraria ter acesso a elas. Contudo, prefiro ter como patrono uma hoste de cidadãos anônimos que tiram dinheiro de seus próprios bolsos para comprar um livro ou uma revista do que um pequeno corpo de indivíduos esclarecidos e responsáveis administrando fundos públicos. Prefiro arriscar que minha visão pessoal da verdade atinja alguém aqui e ali no caos editorial existente do que tentar filtrá-la através de alguns conjuntos de escrúpulos oficiais de espírito honradamente público."

"Onde prevalece uma escala governamental, um único equilibrista torna-se um circo, e a quantidade confunde-se com a qualidade."

"O perigo [do patrocínio público] não é tão óbvio quanto a censura direta. Numa família onde todos os filhos recebem bombons regularmente, negar este prêmio torna-se uma reprimenda. Um totalitarismo cultural impõe-se através de tais negações mais frequentemente do que com penalidades ostensivas. Já existe no mundo acadêmico uma arte altamente desenvolvida de conceder bolsas e distribuir verbas; os campos da pesquisa científica estão hoje inextricavelmente envolvidos com fundos governamentais. Não é razoável temer que as humanidades e as artes possam se tornar similarmente dependentes?"

"Se tento pensar nos autores que, no último século, mais brilhantemente iluminaram nosso senso de humanidade — que eu tomo como sendo o propósito final das humanidades —, eu penso em Freud e Kafka, em Proust e Joyce, em Whitman e Henry James, e pergunto-me: quantos desses espíritos corajosos, estranhos e obstinados teriam obtido um subsídio de seus governos?"

"Eu acredito que, com o passar do tempo, um governo pode vir a acalentar a herança cultural de uma nação, depois de seus criadores estarem seguramente mortos e em perspectiva. Mas, no presente vivo, como é que políticos instados a distribuir o dinheiro dos impostos podem não começar a pensar em ‘diretrizes’ que insidiosamente irão se aproximando da censura? Se o dinheiro governamental tornar-se uma presença cada vez mais importante no financiamento das humanidades, não existe o perigo, pergunto respeitosamente, de os humanistas tornarem-se lobbystas, e de as estratégias da política substituírem as estratégias da mente?"