"Ninguém nos déte." A frase dita por um dos filhos de Olavo de Carvalho durante uma brincadeira de infância tornou-se uma espécie de bordão entre os alunos e amigos do filósofo brasileiro radicado na Virgínia.

De fato, ninguém nos déte. Na noite de ontem (27 de novembro), com a exibição do filme "O Jardim das Aflições" na UEL, a máxima novamente se provou verdadeira. Foi um momento memorável, marco de uma nova fase da vida intelectual em nossa cidade. Cerca de 100 pessoas estiveram presentes ao evento no Anfiteatro do Centro de Ciências Humanas. A sessão marcou o início do projeto UEL, A Casa da Tolerância, que se estenderá por todo o ano de 2018.

Ao contrário do que aconteceu em outras universidades, a sessão transcorreu de maneira tranquila, sem nenhum incidente. E não se pense que o público era constituído apenas por alunos e admiradores de Olavo. Havia lá também diversos militantes esquerdistas, inclusive o ex-candidato do PSOL a prefeito de Londrina. Todos se comportaram de maneira urbana e civilizada, tanto na exibição do filme quanto no debate que se seguiu, com a brilhante participação dos professores Gabriel Giannattasio e Carlos Nadalim e a claudicante coadjuvância deste cronista de sete leitores.

Todos que estiveram no Anfiteatro do CCH puderam constatar que "O Jardim das Aflições", diferentemente do que se alardeou, é uma obra de arte, e não um panfleto político. Trata-se de uma reflexão metafísica sobre o tempo, a história e a condição humana. Para além de qualquer proselitismo ideológico, o filme dirigido por Josias Teófilo mostra um homem dedicado de corpo e alma a buscar as "ideias do náufrago", ou seja, aquelas verdades últimas que são mais importantes do que a nossa própria vida.

A estratégia de Olavo de Carvalho em sua vida e obra consiste em buscar a estrutura da realidade; abarcar a verdade absoluta é obra para Deus, não para os homens. Essa busca leva a aparentes contradições e impasses, que na verdade são paradoxos, por meio dos quais nos movemos, e vivemos, e somos. O autor de "O Jardim das Aflições" vê na consciência individual a maior defesa contra os totalitarismos que marcam o nosso tempo. Nesse sentido, vale reproduzir aqui as primeiras frases de Olavo no documentário:

"O livro começa com o jardim de Epicuro, que é o jardim das delícias, e termina com o Estado moderno, totalitarismo, genocídio. Como é que uma coisa se transforma na outra? Isso nos leva a outro jardim: o Éden. Onde a serpente tenta fazer o homem deixar a árvore da vida e se apegar à árvore do conhecimento, que é alguma coisa evidentemente mental. Se Adão e Eva fizerem isso, eles serão 'como Deus'.

A casa de Adão e Eva era o universo inteiro. No processo civilizatório, existe a ideia de controlar, preservar e administrar. A salvação depende do controle. E as tentativas de controle terminam em guerras, revoluções, genocídios, desilusões e decepções sem fim.

Essa sucessão de crimes e pecados nos leva a um terceiro Jardim: o das Oliveiras, onde toda crueldade, maldade e sangueira universal se concentra nas costas de Nosso Senhor Jesus Cristo. A tragédia do mundo consiste em rejeitar a realidade, a presença real, e escolher viver num mundo construído."

Algo muito importante começou a nascer ontem na UEL. Um dia, nós nos lembraremos da exibição de "O Jardim das Aflições" como um marco histórico: a noite em que o Jardim do Perobal recebeu as sementes de um novo tempo.

A mudança está só começando. Ninguém nos déte.