Imagem ilustrativa da imagem A minha máquina do tempo
| Foto: Arquivo Pessoal



Há muito tempo a velha mala estava fechada em um canto do meu escritório. Apesar dos insistentes pedidos da Rosângela, eu hesitava em abri-la; em parte, por saber que lá de dentro sairiam lembranças muito fortes. Poucos dias atrás, porém, acordei resoluto e finalmente atendi ao pedido de minha amada.

E fiz bem!

Malas lembram viagens. Ocorre que as viagens, quase sempre, são externas, e realizadas no espaço. A viagem desta mala é diferente: ela percorre as estradas do tempo e tem dirige-se ao interior, não do país, mas da memória.

Dentro de plástico, há uma pequena folha dobrada em que se lê: "Cabelinhos da Maria Fernanda". Ali, minha mãe conservou a primeira mecha de cabelos de minha irmã, nascida no dia da geada. Bem ao lado, estão os sapatinhos brancos que usei no dia de meu batismo, 17 de janeiro de 1971.

Os óculos de leitura do meu pai fazem-me voltar à primeira cena que carrego na memória: meu pai, sentado na poltrona da sala, lê um livro em nosso pequeno apartamento da Alameda Barão de Limeira. Em breve, seriam dez horas, e ele me colocaria para dormir no bicama listrado da sala. Dez horas, o horário em que passava o "anjinho do sonho", anotando com um x o nome das crianças que ainda estavam acordadas.

Em um canto da mala, esquecida por muitos e muitos anos, está a sacolinha verde em que minha mãe bordou as minhas iniciais (P. A., de Paulo Antônio). Lembro-me claramente que levei esta sacolinha em meu primeiro dia de aula no pré-primário, em 1976, na Casa Pia São Vicente de Paulo.

Meu pai gostava de fazer listas: de leituras, de despesas, de piadas, de compromissos, de filmes da locadora (já vistos e por ver), de frases inteligentes e engraçadas... Era, talvez, o mais rigoroso e honesto pagador de impostos já encontrado em nosso país. Daí porque ficasse tão escandalizado com a corrupção e a roubalheira que viu em seus últimos anos de vida.


O caderno de músicas de minha mãe tem o repertório do coral em que ele cantou por muitos anos, em Araçatuba. Sua voz de soprano era inconfundível. Em 1986, Aracy ganhou um concurso de canto no Araçatuba Clube, interpretando "Ouça", de Maysa; o prêmio foi uma viagem de navio com meu pai. Às vezes eu penso que eles vão voltar desse cruzeiro.


Os documentos antigos... Os diplomas da universidade... Meus boletins do colégio... O martelo do meu avô, veterano da Revolução de 32... O jornal "O Labor", de Mirandópolis, edição de 10 de agosto de 1975... Todos esses objetos são pequenas estações de uma viagem no tempo. Mas o que mais encantou, no meio de tudo, foi encontrar essa foto de meu pai, comemorando alguma coisa com os amigos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1965 ou 66.

Meu pai é o único de chapéu. Ele sorri.

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