SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o governo Bolsonaro tenta um recuo retórico em seus discursos internacionais, presidenciáveis como Lula, Eduardo Leite e João Doria aproveitam as agendas no exterior para marcar posição sobre a pauta que deve condicionar o apoio internacional à recuperação econômica brasileira nos próximos anos: o compromisso com a conservação da Amazônia.

O recado tem sido dado ao governo de Jair Bolsonaro de forma bastante contundente pela União Europeia e, mais recentemente, também pelos Estados Unidos e pela China.

Os três maiores parceiros comerciais do Brasil estão decididos a compatibilizar a cooperação econômica e também as importações às suas metas de redução de emissões de gases-estufa.

Fóruns econômicos como Davos e as reuniões do G20 também reforçam a mensagem: os critérios ambientais devem compor a equação do desenvolvimento econômico para que o mundo possa enfrentar a crise climática. Afinal, boa parte das emissões que levam ao aquecimento global está concentrada no setor energético global -um motor literal da economia.

Mas o governo brasileiro demorou para entender como a agenda climática tem pautado a lógica econômica. "Eu sentei com a secretária do Tesouro americano e ela começou perguntando sobre meio ambiente", contou com tom de surpresa o ministro Paulo Guedes (Economia), em participação por vídeo na COP26, a conferência de clima da ONU, concluída no último sábado (13).

"Este é o Brasil real", repetiu à exaustão o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente) em discursos que enalteciam vantagens ambientais do país -"gigante pela própria natureza"- na COP26.

Ele evitou responder aos questionamentos do jornal Folha de S.Paulo sobre os dados de desmatamento. "Não estou acompanhando", insistiu até um dia após o fim da COP.

Mas o governo já havia recebido, em 27 de outubro, o relatório do Prodes que só seria publicado na última quinta-feira (18), revelando que a Amazônia perdeu mais de 13 mil km2 de florestas entre agosto de 2020 a julho deste ano. Um recorde dos últimos 15 anos.

Entre 2012 e 2015, quando o desmatamento na Amazônia atingia o mínimo histórico, próximo de 5.000 km2, o Brasil passou a divulgar os dados logo antes das conferências climáticas da ONU.

Já quando os dados são negativos para a conservação do bioma, o resultado da estimativa anual demanda preparo político para responder às cobranças e encaminhar políticas que renovem as estratégias de combate ao desmatamento, o que justifica o envio do relatório do Inpe ao governo e sua decisão sobre o melhor momento político para a divulgação.

Desta vez, no entanto, o adiamento do anúncio não veio acompanhado de qualquer preparo político que oferecesse explicação, revisão de estratégia ou renovação de um compromisso.

Ao finalmente publicar o relatório, sem ação de divulgação, o governo manteve o registro da data de envio do documento pelo Inpe, permitindo -não se sabe se por descuido ou por desprezo- a confirmação de que os dados já estavam prontos e foram omitidos do mundo no momento em que o país seria cobrado por sua política ambiental.

"Existe uma pressão do avanço, não vou dizer da civilização, um avanço das pessoas que moram no Centro-Sul do Brasil para áreas de terras não ocupadas na Amazônia", declarou nesta sexta-feira (19) o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, recorrendo à desinformação sobre a ocupação de terras na Amazônia, como o governo experimentou em seu primeiro ano de governo, quando chegou a culpar ambientalistas e até Leonardo DiCaprio pelas queimadas na Amazônia.

O discurso errático, no entanto, só agravou as relações internacionais do governo.

Segundo estudos do Imazon, a ocupação de novas fronteiras da Amazônia vai do "boom" ao colapso em uma década e termina deixando os municípios mais pobres do que no período anterior.

A despeito das evidências científicas sobre a exploração predatória do bioma, o ministro Leite insistiu em culpar a conservação. "Onde existe muita floresta também existe muita pobreza", disse na plenária da COP26.

Enquanto o "Brasil real" retrocede para índices de desmatamento comparáveis a 2006, os presidenciáveis disputam a narrativa do desenvolvimento sustentável.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB, levou à COP26 um discurso contrário à exploração do carvão, em uma mudança de posicionamento relevante para seu estado, que tem mais de 90% das reservas do mineral no país.

Junto ao grupo Governadores pelo Clima, Leite participou de reuniões bilaterais com a União Europeia, China, Estados Unidos, França e até com o príncipe Charles durante a conferência em Glasgow, na Escócia.

O também tucano e governador de São Paulo, João Doria, levou à COP26 o anúncio de um projeto de R$ 100 milhões para a Amazônia. Apesar de o bioma estar longe do território que ele governa atualmente, a promessa é que a Fapesp viabilize o recurso para pesquisas sobre a floresta amazônica.

O governador também deve usar a região do Vale do Ribeira, no sudeste do estado, como exemplo de conservação aliada a desenvolvimento, com o projeto batizado de Vale do Futuro.

Também em viagem pela Europa, o ex-presidente Lula tratou sobre mudanças climáticas e a Amazônia em encontro com o futuro chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, no último sábado (13), mencionando como um bom exemplo de cooperação internacional o Fundo Amazônia, que funcionou durante a gestão petista com doações da Noruega e da Alemanha para a conservação florestal.

Atualmente cerca de R$ 3 bilhões já doados ao fundo estão paralisados na gestão Bolsonaro, que extinguiu o conselho responsável pela gestão do recurso.

O anúncio do recorde de desmatamento neste ano invalida as juras de compromisso ambiental feitas pelo governo Bolsonaro ao público internacional.

Em abril, o presidente Bolsonaro discursou na Cúpula do Clima convocada pelos Estados Unidos e prometeu dobrar os recursos para fiscalização ambiental. No entanto, a maior parte da verba destinada aos órgãos ambientais ainda não foi executada.

Os dados mostram que as promessas antiambientais feitas pelo presidente ainda em campanha eleitoral continuam em vigor e devem ser cumpridas. Após investimento em uma maquiagem verde na COP26, o governo Bolsonaro perdeu, logo que voltou para a casa, a chance de mostrar qualquer revisão na sua política.

Quando o dado da próxima estimativa do Prodes sair, no final do ano que vem, já teremos um resultado para as eleições presidenciais. E os candidatos à vaga estão escutando o recado internacional, repetido em reuniões na COP26 e confirmado agora pela taxa anual de desmatamento: o mundo aguarda o ano de 2023 para voltar a contar com o Brasil.