"Depois de duas horas parado, o coração dela voltou a bater e eles colocaram um marca-passo", recorda Evelise de Carvalho; lúcida, sua mãe viveu por mais 15 dias no hospital
"Depois de duas horas parado, o coração dela voltou a bater e eles colocaram um marca-passo", recorda Evelise de Carvalho; lúcida, sua mãe viveu por mais 15 dias no hospital | Foto: Saulo Ohara



As primeiras discussões a respeito da constatação da morte surgiram no século 18, quando relatos de pessoas enterradas vivas assustavam a Europa. Só em 1846, o francês Eugene Bouchut propôs a tríade de critérios que seria aceita pela medicina: observar durante dez minutos a ausência de respiração, de batimentos cardíacos e de circulação. Foi assim que o coração ganhou status de órgão principal da vida e sua parada, uma indicação definitiva da morte. Mais tarde, a parada total e irreversível das funções do cérebro também passou a ser considerada morte. Mas e quando, depois de vários minutos parado, um coração volta a bater? É o que acontece na síndrome de Lázaro, um fenômeno ainda pouco compreendido pela medicina.

A denominação vem da passagem bíblica em que Jesus ressuscita Lázaro, depois de quatro dias de sua morte. Uma parada cardíaca de sete minutos é suficiente para matar o cérebro pela falta de oxigenação. Mas há cerca de 30 anos, o cardiologista Luiz Carlos Miguita já dava a notícia do óbito para a família de um paciente que deixara de ter batimentos 20 ou 30 minutos antes, quando a enfermeira foi avisá-lo que o coração voltara a bater. "Nós tínhamos feito massagem cardíaca, acompanhando os batimentos dele pelo monitor. Num determinado momento, o monitor mostrou que não havia mais atividade. Verificamos a pupila dilatada, que é um critério clínico de morte, e ele foi considerado morto", lembra o especialista.

Segundo Miguita, que tem 40 anos de profissão e nunca mais viu isso se repetir, a síndrome de Lázaro é muito rara, com cerca de 20 casos descritos na literatura médica. Nesse curto histórico, ele não sabe qual foi a evolução dos pacientes. "No meu caso, o paciente morreu algumas horas depois de voltar. Sem atividade cardíaca, o pulmão para e o cérebro morre. Se o coração volta a bater, fica só a vida vegetativa", explica.

QUATRO HORAS
A síndrome de Lázaro é a principal suspeita do diretor do Hospital da Zona Norte, Luiz Koury, para o caso de Milton Alves de Souza, que no dia 22 de setembro foi declarado morto e apresentou sinais vitais cerca de quatro horas mais tarde, quando já estava sendo preparado para o velório em Londrina. "Na minha opinião, a síndrome de Lázaro é a mais provável, mas não vamos ter a resposta para esse caso tão cedo", afirmou. Segundo Koury, o paciente foi avaliado por três profissionais antes de ter o óbito declarado. Uma sindicância interna foi aberta para apurar o caso.

Souza ainda permaneceu cinco dias internado em estado grave, inconsciente e respirando por aparelhos, na Santa Casa de Londrina. Depois de uma parada cardiorrespiratória, ele não respondeu aos procedimentos de reanimação e teve o óbito definitivamente confirmado. "Nós já estávamos contentes porque nesse período os rins dele voltaram a funcionar, ele tinha apresentado uma melhora", conta o filho, Marcos de Oliveira Souza. "Desta vez, foram mais cuidados. Depois de passar pelos profissionais do hospital, ele ainda foi encaminhado para o IML." Souza foi sepultado no dia 29 de setembro.

SOBREVIDA DE 15 DIAS
Evelise Bianco de Carvalho viveu situação parecida em 2006. A mãe, Maria Aparecida Bianco Carvalho, estava internada por causa de problemas respiratórios quando teve uma parada cardíaca. "Eles tentaram reanimá-la por uma hora, mas o coração não respondia e toda parte vital já tinha cessado. Veio a notícia da morte e eu comecei a avisar a família, que é quase toda de Rondônia", lembra. O que Evelise não sabia é que o cardiologista Celso Cordeiro e sua equipe, do Hospital Evangélico, ainda insistiam nos procedimentos de reanimação, que, de repente, deram algum resultado. "Depois de duas horas parado, o coração dela voltou a bater e eles colocaram um marca-passo. Ela ainda ficou algum tempo na UTI, mas melhorou, conversava, estava lúcida", conta Evelise. Maria viveu por mais 15 dias, chegou até a voltar para o quarto. "Só tenho a agradecer toda a equipe de médicos e enfermeiros por esta oportunidade", finaliza.