"A gente diz que uma pessoa traumatizada ou luta, foge ou congela. Então, esse modelo de mudança-colaborativa ajuda a identificar esse estado emocional em que a pessoa se encontra e a usar os recursos
"A gente diz que uma pessoa traumatizada ou luta, foge ou congela. Então, esse modelo de mudança-colaborativa ajuda a identificar esse estado emocional em que a pessoa se encontra e a usar os recursos | Foto: Gina Mardones



Os números não deixam dúvidas. Vivemos hoje em uma sociedade emocionalmente doente. Em todo o mundo, são mais de 300 milhões de pessoas afetadas pela depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Diante desta realidade, o tema foi ganhando debates cada vez mais profundos, especialmente nos últimos dias, quando a população acompanhou um grande volume de informações a respeito de bullying, depressão, estupro e suicídio entre adolescentes. Em busca de respostas a respeito desse comportamento, a FOLHA publicou na segunda-feira passada (24) uma reportagem com psicólogos e psiquiatras que apontaram a importância das famílias construírem uma base sólida, de acolhimento.

Tudo isso vem de encontro à proposta de duas profissionais americanas que estiveram em Londrina, apresentando para profissionais de saúde, especialmente terapeutas, o método chamado "Modelo de Mudança-Colaborativa". A co-criadora do modelo, Mary Jo Barrett , e Linda Stone Fish, do Departamento de Casal e Família da Universidade de Syracuse (SU), em Nova York, ministraram o workshop "Trauma, desenvolvimento complexo: cura dos relacionamentos e do cérebro", promovido pelo Instituto da Família (FTSA), da Faculdade Teológica Sul-Americana, em Londrina.

O curso teve o objetivo de ajudar terapeutas a acessar os recursos internos dos pacientes, reforçando a necessidade de afeto em tempos difíceis. "Nós observamos que a sequência de terapia na qual as pessoas têm passado é sempre a mesma. Isso significa que o processo natural de mudança de cada indivíduo ocorre sempre da mesma forma", comenta Mary Jo.

Ela explica que quando uma pessoa é traumatizada entra em um processo mental de forma não natural, isto é, o cérebro leva a um congelamento, no qual ela não consegue compilar todos seus recursos naturais. "A gente diz que uma pessoa traumatizada ou luta, foge ou congela. Então, esse modelo de mudança-colaborativa ajuda a identificar esse estado emocional em que a pessoa se encontra e a usar os recursos que ela tem para mudar", afirma.

A ideia é que os profissionais tenham uma compreensão do trauma complexo, podendo assim aproveitar os ciclos naturais de mudança do paciente, utilizando-os para interromper o trauma e criar uma sensação de segurança. Dessa forma, as profissionais reforçam a importância de ensinar esse movimento de olhar internamente, acessar os recursos e jogá-los para fora. "Os profissionais têm que perceber que o mais importante é fazerem isso junto com os pacientes, mas a maioria ainda não enxerga isso como um protocolo cognitivo", comenta.

Linda destaca que quando há troca de amor, compaixão, é possível ajudar a pessoa magoada a entrar no centro de emoções e criar um processo natural de mudança, de maneira engajada e conectada.

Além disso, nesse modelo terapêutico, os profissionais devem fazer tudo de forma transparente, explicando cada etapa e técnica do tratamento. Durante e após o término da terapia, o feedback também será utilizado para ajudar no próximo paciente. "Isso torna esse modelo muito inovador e integrado", salienta Linda, ressaltando que ele atende todo tipo de pessoa e situação. "Nós descobrimos que muitas vezes, durante uma crise, ter uma aproximação com alguém é algo que nos cura. Muitos terapeutas sabem disso intuitivamente, mas não percebem que tem um protocolo para isso, para fazerem as coisas acontecerem. Eles pensam que só porque os pacientes apareceram no consultório, esse processo de aproximação, empatia, acontece imediatamente", afirma.

EFETIVIDADE
As especialistas ressaltam que a efetividade do modelo de mudança-colaborativa vem sendo avaliado pelos próprios pacientes. "Eles dizem que se sentem valorizados, empoderados e envolvidos no processo de cura. A maioria comenta que vão para a terapia e o profissional comanda a sessão, isto é, não há uma relação mais próxima, de parceria", analisa Mary Jo, uma das maiores autoridades em violência familiar, incluindo o abuso físico e sexual de crianças.

A autoconfiança associada à consciência sobre os recursos internos e externos é fundamental, segundo ela. "Procuramos despertar as habilidades de cada um para que possam gerenciar os sintomas. Por exemplo, pode ser desde a comunicação até a meditação. Mas, ao meu ver, o ponto mais importante e que a maioria dos terapeutas nem cita é a esperança", declara.

Segundo Mary Jo, como uma comunidade global, nós estamos em crise. "Não estamos cuidando uns dos outros como humanos. As famílias estão precisando se curar, ser cuidadas e sentirem afeto, pois isso vai impactar diretamente na forma como estão criando seus filhos", observa.

O que Mary Jo ensina aos demais profissionais e também pais e responsáveis é que quando uma criança, jovem ou parceiro está em um estado de trauma ou está sentindo medo, ansioso, o primeiro passo é tentar acalmar, trazer um alento para esse estado de hiperexcitação. "O que acontece é que muitas vezes, quando a criança está emocionalmente fragilizada, os pais ficam tão incomodados e excitados como a criança. Eles não devem tentar equiparar a energia emocional, psicológica com o filho. Se não há um perigo imediato, a primeira medida é deixar a criança saber que está segura e depois, conforme cada caso, tomar alguma ação punitiva", sustenta.

Mary Jo ressalta ainda que os pais bons suficientes vão ajudar na mudança dos filhos. "São as primeiras e mais importantes pessoas nesse processo e o que a gente está tentando fazer como terapeutas não é diferente."

'O cérebro nas crianças é mais resiliente'
O cérebro se desenvolve até os 25, 26 anos de idade e, segundo a especialista em terapia familiar contemporânea, Linda Fish, ele é mais resiliente nas crianças do que nos adultos. A pesquisadora também explica que todo mundo tem uma zona de resiliência, mas aqueles que passaram por um trauma ou tiveram um relacionamento violento são jogados para fora dessa zona mais rapidamente ou facilmente. "Vamos conversar com essas pessoas para que reconheçam quando é que estão saindo dessa zona e assim poderem voltar", completa.
De acordo com ela, o que vem ocorrendo atualmente é que as pessoas que não estão bem buscam formas para se sentirem melhor, seja no abuso de álcool ou mesmo abusando fisicamente de alguém. "Tudo tem a ver com esse desejo de atender necessidades pessoais. E se pensarmos, por exemplo, nesses jogos que se popularizam entre os jovens e que tornam o suicídio uma opção, é porque a parte do cérebro que pode realmente olhar as consequências a longo prazo não está desenvolvida na adolescência e, por isso, eles devem ser e estar muito bem protegidos", afirma. (M.O.)

'O ser humano precisa do outro para se alimentar emocionalmente'
Com uma temática pautada no funcionamento da mente traumatizada, o workshop internacional reuniu no fim de semana em Londrina diversos profissionais em busca de renovação do conhecimento. A psicóloga Wilma Ribeiro, que atua em Londrina há 20 anos, comenta que o curso foi uma oportunidade de agregar ainda mais entendimento sobre terapia cognitiva.
"Tenho buscado compreender os processos neurobiológicos para ajudar os pacientes a se encontrarem. A emoção é algo muito subjetiva e, diante de situações de trauma, as pessoas acionam muito mais essas emoções e assim acabam não tendo contato com os processos que acontecem no corpo", detalha.
Segundo Wilma, o que é libertador no modelo de mudança-colaborativa é o agrupamento das teorias emocionais com o que é fisiológico. "Isso dá muito mais sentido quando você trabalha com o paciente, pois quando ele entende que não se trata só de algo abstrato, consegue se apropriar e vivenciar o próprio corpo", salienta.
A psicóloga em Curitiba, Anadir Oliari, supervisora do Insituto da Família (FTSA), observa uma demanda cada vez maior de estudos e aprofundamento sobre trauma porque a sociedade está em uma aceleração de violência. "O indivíduo acaba não tendo tempo de refletir sobre o que está acontecendo com ele mesmo. Ao contrário da violência que é expressada claramente e que permite a pessoa a se defender, a violência sutil passa despercebida", aponta ela, lembrando que o modelo apresentado traz justamente um tipo de acolhimento que a sociedade precisa.
"O ser humano precisa do outro para se alimentar emocionalmente. Hoje, a sociedade está usando a máquina no lugar do homem. Ao invés de me relacionar, uso o telefone, vou para as redes sociais. As pessoas estão juntas, mas não estão se relacionando. Com isso, ter um modelo terapêutico integrativo e colaborativo é fundamental", completa. (M.O.)