“As mulheres têm que saber que existe a possibilidade de melhora e de qualidade de vida”, afirma Daisy Araujo
“As mulheres têm que saber que existe a possibilidade de melhora e de qualidade de vida”, afirma Daisy Araujo | Foto: Saulo Ohara

Quando criança, a fonoaudióloga Daisy Fertonani de Araujo, 41, foi diagnosticada com puberdade precoce e, entre os sete e os 13 anos de idade, recebia doses de um medicamento a cada dez dias. “Quem faz uso desse medicamento costuma tomar uma dose a cada 30 dias, eu tomava três vezes mais. E na bula está escrito que pode causar endometriose”, conta, embora ela só tenha se atentado para a possibilidade do efeito colateral há dois anos, quando sentiu os primeiros sintomas da doença.

Foi durante a prática de atividade física que Araujo sentiu fortes dores que, inicialmente, foram confundidas com apendicite. Dois dias depois, ela teve diarreia que persistiu por oito meses. “Todo mundo achava que era frescura até que a médica gastroenterologista desconfiou que pudesse ser endometriose e pediu os exames.”

Com os resultados em mãos, procurou vários especialistas até chegar a um que compreendesse o seu problema. “Eu tinha pesquisado muito sobre a doença e cheguei ao consultório cheia de dúvidas. A consulta durou uma hora e 40 minutos e a proposta do médico era a cirurgia por videolaparoscopia, mas eu via a cirurgia como último recurso. Fiquei caçando alternativas, fiz tratamento com medicação e mudei minha alimentação, restringindo o consumo de açúcar, carboidrato refinado, glúten e derivados de leite.”

Com as mudanças na alimentação, os sintomas melhoraram, mas Araujo seguiu colhendo informações sobre a doença e foi durante uma conversa com a fisioterapeuta que a atendia que ela soube da existência de um tratamento alternativo à base de hormônios. Procurou uma fisiologista e iniciou a terapia de modulação hormonal bioidêntica nano em dezembro passado. O efeito da terapia foi percebido depois de 30 dias e hoje, três meses depois, ela comemora os avanços. “Você imagina uma pessoa que antes não conseguia andar e agora consegue correr? Esse tratamento foi um divisor de águas na minha vida. Antes, eu sentia dores 24 horas por dia, 30 dias no mês. Não tinha posição para dormir, não conseguia levantar da cama, era um tormento”, compara. “Agora, na minha última menstruação, eu não senti nada”, comenta, aliviada.

A fonoaudióloga critica o atendimento oferecido pelo SUS às pacientes e acredita que existam muitas mulheres sofrendo por falta de conhecimento. Ela tenta incentivar outras mulheres a não desistirem de encontrar alívio para os sintomas da endometriose. “Viver com dor não é normal. Eu perdi dois anos da minha vida com dor e agora estou tendo que recuperar esse tempo. Minha vida parou. As mulheres têm que saber que existe a possibilidade de melhora e de qualidade de vida”, reforça.(S.S.)

SERVIR DE EXEMPLO

A operadora de telemarketing Paula Tais Campos de Sá Cordeiro, 32, sofreu por três anos com a endometriose até chegar a um diagnóstico. Desde a adolescência, quando começou a menstruar, sentia cólicas intensas, mas as dores se agravaram ao ponto de chegar carregada ao pronto-socorro, com náuseas, vômito e tontura. “No começo, as dores vinham no período menstrual, depois era fora desse período também. Me davam morfina e não passava”, lembra.

Naquela época, Cordeiro não tinha plano de saúde e, no SUS (Sistema Público de Saúde), conta ela, os médicos não estão preparados para dar assistência às mulheres que chegam se queixando de dores. “Já cheguei a escutar dentro de um consultório que eu era mulher e as dores faziam parte. Em um hospital quiseram fazer cirurgia para retirar meu útero.”

As dores que sentia a incapacitavam de levar uma vida normal, cumprindo suas tarefas diárias. Ao pesquisar os sintomas na internet, todas as informações apontavam para um quadro de endometriose, mas os médicos aos quais Cordeiro tinha acesso a desanimavam. “Eles falavam que pelo SUS levaria uns sete anos para fechar o diagnóstico.”

Foi só quando conseguiu um emprego que oferecia plano de saúde que ela teve acesso a um especialista e depois de se submeter a uma série de exames recebeu o diagnóstico de endometriose profunda. “No meu caso não dava mais para tomar remédios. A doença já estava me deixando sem conseguir andar. O médico indicou a cirurgia por videolaparoscopia e me explicou todas as intercorrências possíveis”, disse Cordeiro.

A cirurgia foi feita no início de fevereiro deste ano e correu tudo bem. No terceiro dia após o procedimento, Cordeiro recebeu alta, mas em casa teve um rompimento no intestino delgado. Os exames não mostravam a lesão e o médico decidiu fazer uma videolaparoscopia investigatória. “A minha sorte foi que eu não tive infecção, mas estou usando uma bolsa de ileostomia devido a complicação decorrente da cirurgia da endometriose.”

Além do rompimento no intestino, dias depois Cordeiro também teve uma infecção ao retirar o dreno colocado durante a cirurgia. “Estou há um mês tratando a infecção e o meu caminho com a endometriose até agora foi esse. Estou bem agora e daqui a um mês vou fazer a reversão da bolsa de ileostomia.”

Ao passar por todas as complicações pós-cirúrgicas, Cordeiro disse que chegou a se arrepender de ter feito o procedimento, mas vencidas as intercorrências, começa a pensar na vida sem as dores da endometriose. “Vou começar a tomar remédio para não menstruar mais, para a endometriose não voltar. Entendo que hoje vou servir de exemplo para muitas mulheres e não vou desistir. A doença mexe muito com o psicológico da mulher. Eu ficava muito isolada em casa, no quarto, isolada dos meus três filhos, do meu marido. Hoje eu tenho certeza de que aquela dor eu não vou ter mais”, comenta

Embora muitas pacientes relatem dificuldades de assistência à endometriose pelo SUS, a Sesa (Secretaria Estadual de Saúde) diz que o serviço de atenção primária à saúde, por meio das unidades básicas de saúde, são a porta de entrada para as usuárias receberem o atendimento devido.

Segundo a Sesa, o diagnóstico pelo SUS é feito por meio de um procedimento cirúrgico, a videolaparoscopia ginecológica diagnóstica, que necessita de internamento da paciente. “No procedimento, são examinados todos os órgãos. A dificuldade de realizar o procedimento é que não são todos os hospitais que têm a estrutura necessária. Precisa ser um hospital de nível terciário, como o HU, em Londrina”, diz o médico ginecologista e obstetra técnico da Divisão da Saúde da Mulher da Sesa, Marcos Takimura.

Quando confirmada a doença, o protocolo de tratamento para endometriose no sistema público de saúde consiste na prescrição de um medicamento de alto custo, a goserelina, fornecido gratuitamente pelo SUS mediante a comprovação da doença. Nos casos mais graves, a cirurgia por videolaparoscopia é ofertada.

Por não se tratar de uma doença de notificação compulsória e devido às múltiplas abordagens de tratamento, explicou a Sesa, o Estado não tem um número exato de mulheres em tratamento. Takimura também não soube informar quantas estão na fila de espera por consulta com especialista ou aguardando cirurgia. O técnico disse apenas que a fila existe como existe em todo os serviços de saúde. “Mas todo mundo tem acesso a isso”, garante.

Para conseguir a assistência gratuita, a paciente deve possuir cadastro ativo na unidade básica de saúde mais próxima da sua residência e buscar atendimento. A secretaria estima que em 2019 existam 345.070 pacientes em período reprodutivo com endometriose no Paraná. Esse número inclui as que têm diagnóstico e estão em tratamento no sistema público e suplementar de saúde e aquelas ainda não diagnosticadas, considerando os determinantes do diagnóstico de endometriose.

O médico ginecologista especialista em endometriose Francisco Carlos de Oliveira Lopes, de Cambé, considera a videolaparoscopia utilizada para diagnóstico um método ultrapassado. O importante, afirma, é a consulta com um especialista em endometriose que, com o histórico da paciente, o exame clínico e exames de imagem, o ultrassom transvaginal e a ressonância magnética com preparo intestinal, são eficazes para mostrar as lesões que podem indicar a endometriose.

O procedimento cirúrgico para diagnóstico só é indicado em alguns casos. “Com a história clínica da paciente, a queixa e os sintomas, mais os exames de imagem, a gente consegue fechar um diagnóstico com 98% de chance de ser endometriose. A confirmação dos 2% restantes, vem com a biópsia, feita por videolaparoscopia. A videolaparoscopia diagnóstica só se faz quando não se encontrou nada nos exames de imagem.”

O problema, disse Lopes, é que são poucos os especialistas na doença, para diagnóstico, tratamento e cirurgia, e pelo SUS também há poucos locais que fazem. Em 2016 e em 2017, o médico fez um mutirão no qual foram atendidas seis mulheres com casos graves de endometriose, com cirurgias gratuitas. O mutirão foi feito no Hospital do Câncer de Londrina, que cedeu o espaço para a realização das cirurgias, e o material utilizado nos procedimentos cirúrgicos foram obtidos com o apoio de laboratórios e Sociedade Brasileira de Endometriose. “O hospital está aberto, mas a gente não tem recursos. Por isso no ano passado não conseguimos fazer o mutirão.”