"Estou sem dor e com boa expectativa", afirma Jhonata Henrique, o primeiro paciente a receber a matriz dérmica no HU
"Estou sem dor e com boa expectativa", afirma Jhonata Henrique, o primeiro paciente a receber a matriz dérmica no HU | Foto: Gina Mardones


As queimaduras de terceiro grau na região do tórax, ombros e pescoço deixaram sequelas no pintor Jhonata Silva Vieira Henrique, 31. Nesses locais, a pele retraiu, limitando os movimentos do pescoço e ombros. Com esse quadro, Henrique se tornou candidato para receber uma tecnologia inédita na região de Londrina.

Ele foi operado há cerca de 15 dias no CTQ/HU (Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Universitário) de Londrina e passa bem. "Estou sem dor e com boa expectativa. Acredito que vou ter mais liberdade nos movimentos", diz.

O jovem foi o primeiro paciente a receber uma matriz dérmica de origem bovina, que funciona como um substituto cutâneo, isto é, uma pele artificial para o tratamento de queimados na fase aguda e em sequelas.

O material é fixado com pontos no local e imediatamente recebe um segmento de pele muito fina do próprio paciente. "A lesão fica totalmente coberta e fechada. Com o tempo, uma nova derme vai sendo formada e essa matriz é descartada pelo próprio organismo", diz o cirurgião Reinaldo Kuwahara, chefe médico do CTQ.

O procedimento foi liderado pelo cirurgião plástico Dilmar Leonardi, docente da Universidade Federal de Santa Catarina e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). No que se refere ao uso de matrizes, Leonardi é um dos cirurgiões mais experientes e veio a Londrina para compartilhar a técnica de implantação. "Essa matriz vem dos Estados Unidos e está disponível desde 2016 no Brasil. É um material muito caro e, por isso, sua utilização requer experiência e grande responsabilidade", comenta.

As matrizes dérmicas são acelulares, portanto, não causam rejeição e garantem mais elasticidade à pele, pois é justamente a derme que é construída com a matriz. Sem o enxerto, a cicatriz tende a ficar dura, com a pele esticada.

A matriz que vinha sendo utilizada no CTQ do HU era de origem porcina e, comparada com a bovina, a diferença está na característica das proteínas. "Essa nova tecnologia gera um resultado mais rápido, com menos tempo de internação, em torno de três a quatro semanas em relação ao produto anterior", conta Kuwahara.

Leonardi explica que a matriz é implantada na parte interna e pode ser recortada em diferentes tamanhos para cobrir a área necessária. "O implante da matriz tem que ser feito sob um leito completamente seguro do que se refere a sangramento, limpeza e infecção", afirma.

Reinaldo Kuwahara, chefe médico do CTQ:  "Essa nova tecnologia gera um resultado mais rápido, com menos tempo de internação"
Reinaldo Kuwahara, chefe médico do CTQ: "Essa nova tecnologia gera um resultado mais rápido, com menos tempo de internação" | Foto: Saulo Ohara



INDICAÇÕES

Kuwahara explica que o CTQ está incorporando a tecnologia para atender apenas casos crônicos. "Pelo SUS, a matriz dérmica bovina é aplicada apenas para sequelas, mas queremos que ela passe a ser utilizada também para atender casos agudos, que é quando o paciente chega no hospital", comenta.

O paciente Jhonata S. V. Henrique, morador de Ivaiporã (Vale do Ivaí),
sofreu as queimaduras durante um trabalho, há cinco meses. Ele foi encaminhado aos hospitais locais, não recebeu um tratamento específico para queimadura e, por isso, evoluiu para uma ferida grande sequelar.

Ao conseguir um leito no CTQ no início de maio, Henrique comenta que a dor foi reduzida quase 100% e que agora se sente seguro em estar sendo tratado adequadamente. Por morar longe e ser o primeiro paciente a receber a tecnologia no CTQ, ele ficou internado por um período maior.

O pintor lembra que no dia do acidente estava próximo a um cabo de alta tensão de 13 mil volts e levou o choque. "Eu nem cheguei a encostar, mas a corrente elétrica era fortíssima. Em segundos parecia que eu estava desmanchando e minha roupa começou a pegar fogo. Eu digo que ganhei outra vida porque Deus estava ali na hora porque eu poderia ter morrido", desabafa.

O cirurgião plástico Leonardi comenta que a recuperação vai depender muito do próprio paciente. "Após a cirurgia, o paciente deve ter boa informação e boa aderência ao tratamento para ter sucesso", ressalta.

Imagem ilustrativa da imagem Paciente queimado recebe 'pele artificial' em Londrina



Pele de tilápia é testada como curativo biológico

Um trabalho científico no Recife (PE), iniciado em 2015, promete revolucionar o tratamento de queimados em escala nacional. A pele de tilápia já foi testada em cerca de 100 pacientes com queimaduras de segundo grau, atuando como um curativo biológico capaz de acelerar o processo de cicatrização e dispensar o uso de analgésicos.

Essa descoberta é do cirurgião plástico Marcelo Borges, coordenador do SOS Queimaduras e Feridas do Hospital São Marcos, na capital pernambucana. Ele explica que na ferida a pele de tilápia ajuda formar uma nova derme e epiderme, recompondo a pele que foi destruída pela queimadura. "Já comprovamos laboratorialmente que a tilápia tem a quantidade duas vezes maior de colágeno comparada à pele humana e estamos avançando nos estudos sobre a presença também de peptídeos (na pele) que têm ação antimicrobiana", afirma.

A resistência e maleabilidade da pele do peixe permitem sua aplicação em qualquer parte do corpo e reduz entre dois a quatro dias de tratamento quando comparado aos métodos tradicionais. Ainda de acordo com o cirurgião, a dor é minimizada ou inexistente.

A ideia surgiu quando o cirurgião leu uma matéria no jornal local sobre o uso da pele de tilápia para confecção de acessórios femininos e foi materializada pela experiência que ele tem no manuseio e esterilização da pele humana, quando atuou no Banco de Pele naquele município. "Conseguimos alcançar na pele de tilápia o nível máximo de esterilização na realidade médica, utilizando a combinação entre clorexidina, glicerol em altas concentrações e radiação ionizante. O glicerol é um álcool que tem uma ação higroscópica, isto é, que retira a água dos tecidos. Com isso, desidratamos a pele do peixe", comenta.

A resistência e maleabilidade da pele do peixe permitem sua aplicação em qualquer parte do corpo
A resistência e maleabilidade da pele do peixe permitem sua aplicação em qualquer parte do corpo | Foto: Divulgação



Ao aplicar a pele desidratada na ferida, que é bastante úmida, constituída por água e eletrólitos, ocorre um mecanismo de capilaridade. A pele então 'cola' na ferida e o contato com o colágeno presente nela favorece a passagem dos elementos que estabelecem a cicatrização.

Nos pacientes tratados, de 60% a 80% das peles foram aplicadas uma única vez, o que reflete em menos manipulação na ferida. "Elas são retiradas na última troca de curativo, quando o paciente recebe alta. Para isso, usamos óleo vegetal ou vaselina", diz.

A pesquisa em humanos está na fase final e a previsão para a conclusão é no segundo semestre de 2017. "Já temos do ponto de vista científico e acadêmico material suficiente para pleitear junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o início da tramitação do registro da pele da tilápia como produto para tratamento de queimaduras", aponta.

Ele prevê que no mês de agosto o pedido de registro seja formalizado. "É importante salientar que temos a consciência de que esse processo de registro é lento, pois obedece uma série de exigências e pré-requisitos", salienta.

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