São Paulo - Se o progresso das ciências biomédicas continuar no mesmo ritmo, a maior parte de nós morrerá de doenças do sistema cardiovascular - é a causa de morte número um no mundo, com 31% do total, segundo a Organização Mundial da Saúde. Um aparato robótico, no entanto, pode dar um ajudinha ao manter a função do coração em casos de insuficiência do órgão.

A proeza foi realizada por cientistas da Universidade Harvard (EUA), do Hospital Infantil de Boston e de outras instituições. Para Ellen Roche, uma das autoras, a grande vantagem do aparato é ficar do lado "de fora" do coração, sem manter contato com o sangue, o que evita complicações como a formação de trombos (que podem causar AVC, por exemplo).

O dispositivo, operado hidraulicamente e moldado com silicone e termoplástico (um tipo de polímero), foi inspirado na arquitetura cardíaca: ele contrai, assim como o coração, em dois sentidos distintos, provocando um deslocamento de líquido - fisiologicamente, de sangue do ventrículo esquerdo para a aorta, o mais calibroso vaso do corpo humano.

A força exercida por essa "luva" de 0,5 mm de espessura, somada àquela do órgão - que pode já não estar em bom estado -, pode fazer a ejeção de sangue retornar ao nível considerado fisiologicamente normal. Até agora, houve testes in vitro e em suínos.

No total, seis porcas, que pesavam entre 60 kg e 75 kg, foram utilizadas. Após um ataque cardíaco, o aparelho foi "instalado" no coração de duas delas, permitindo que cientistas coletassem os dados e avaliassem a eficácia do robô maleável.

Após duas horas de "terapia", os cientistas removeram o aparelho e aproveitaram para investigar se havia algum tipo de rejeição, reação inflamatória e formação de um indesejado tecido cicatricial.

FIXAÇÃO

O único problema encontrado foi com relação ao uso de um dispositivo que fixa a "luva" no ápice (ponta) do coração. A parede do órgão ficou bastante inflamada nessa região, o que levou os cientistas a tentarem, desde já, amenizar o problema. A solução encontrada foi usar uma espécie de hidrogel para diminuir a fricção entre luva e órgão. O gel, atóxico, não diminui a função do aparato.

Mimetizar a dinâmica da contração muscular cardíaca foi um dos desafios: a trajetória do sangue dentro do órgão é complexa, e, até então, os dispositivos existentes não conseguiam trabalhar em harmonia com o órgão que os recebiam. Havia uma espécie de interação destrutiva entre as duas funções e o dispositivo tinha que exercer muito mais força (gastando mais energia) para exercer uma função semelhante à da nova "luvinha cardíaca".

"A área da cardiologia havia deixado de lado a ideia de pesquisar métodos de compressão do coração e se voltou para os VADs, dispositivos de assistência ventricular (que operam de dentro do coração), por uma limitação tecnológica. Agora, com os avanços da robótica flexível, é hora de voltar atrás", disse Frank Pigula, cirurgião cardíaco e autor do estudo em um comunicado à imprensa.

Dessa forma, pacientes com insuficiência cardíaca poderão evitar o consumo de anticoagulantes - que aumentam o risco de hemorragias, mas que evitam a formação de trombos na corrente sanguínea. Apesar da evolução dos VADs, esses efeitos vasculares ainda são uma preocupação na cardiologia.

Outro diferencial do aparelho é a capacidade de realizar um fino ajuste na força exercida (e no volume ejetado) apenas mexendo na arquitetura dos componentes.
É possível programar o robô para que ele funcione apenas quando necessário, como no caso de uma queda de pressão sanguínea, indicando insuficiência cardíaca. A condição afeta 41 milhões de pessoas em todo o mundo.

FUTURO

Os testes em humanos ainda devem demorar um bocado, talvez anos, segundo Ellen. Primeiro é necessário testar o dispositivo por um período longo em animais, para conhecer os efeitos de longo prazo em um organismo vivo. Só depois disso devem começar os primeiros testes em humanos.

A equipe, apesar das ressalvas, está esperançosa de que essas "luvas cardíacas" podem ter uma participação importante na cardiologia do futuro e até mesmo em outras áreas da Medicina.

"Dispositivos robóticos flexíveis são idealmente adaptados para interagir com tecidos moles e podem ajudar a aumentar sua função e até mesmo recuperá-los e curá-los", disse Ellen. Os achados estão publicados na revista especializada "Science Translational Medicine".