"São ações simples, mas que estão tendo uma repercussão muito grande", conta a enfermeira Lígia Fahl
"São ações simples, mas que estão tendo uma repercussão muito grande", conta a enfermeira Lígia Fahl | Foto: Fotos: Anderson Coelho



"Muita gente acha que a sede é um preço a ser pago pelo paciente para que ele passe pela cirurgia com segurança". É com essa afirmação que a enfermeira Lígia Fahl começa a detalhar um trabalho de pesquisa que vem sendo conduzido há oito anos no HU (Hospital Universitário) da UEL (Universidade Estadual de Londrina). O resultado é a implantação de um protocolo de manejo da sede perioperatória, que atende pacientes adultos que acabaram de sair do centro cirúrgico. Ainda na sala de recuperação, eles são avaliados quanto à consciência, presença de náuseas e vômito, capacidade de tossir e deglutir, entre outros. Com esses critérios de segurança validados, eles poderão então receber um picolé de gelo mentolado para alívio da sede e do desconforto causado pelo ressecamento da cavidade oral.

Essas medidas fazem parte da rotina do hospital há cerca de quatro anos. Antes, o paciente ficava cerca de oito horas no pós-operatório em jejum total. Um levantamento feito no HU mostrou que depois de meia hora após terem sido submetidos a uma anestesia geral 70% dos pacientes passaram pelo protocolo e puderam receber o picolé.

A especialista explica que, em média, o hospital realiza 600 cirurgias por mês e deste total cerca de 80% dos indivíduos vão ter sede. "O paciente cirúrgico é o de maior risco para desenvolver sede porque fica muito tempo em jejum. A literatura fala que o jejum para água deve ser de duas horas, mas no HU encontramos indivíduos com até 75 horas de jejum e, em algumas vezes, até crianças", comenta.

Mas também há outros fatores associados. Fahl explica que durante a cirurgia os pacientes recebem medicamentos, como os opioides, que secam a boca, e precisam ser entubados, isto é, ficar com a boca aberta, o que causa um ressecamento da cavidade oral. "Além disso, tem a ansiedade por medo do procedimento que também faz com quem a sede fique absurdamente elevada", explica.

Equipe do HU passa por capacitação: picolés de água com mentol são oferecidos aos pacientes a cada 15 minutos
Equipe do HU passa por capacitação: picolés de água com mentol são oferecidos aos pacientes a cada 15 minutos



DESCOBERTA
Há cerca de 15 anos foi mapeado um receptor existente na boca e em outras partes do organismo, chamado TRPM8. Ele deflagra uma espécie de descarga elétrica que vai até o cérebro, acionando uma região chamada 312 de Brodmann, relacionada com a saciedade da sede.

Para ativar esse receptor, estudos descobriram dois grandes agentes: o frio e o mentol (uma fórmula específica desenvolvida com o departamento de Farmácia da UEL).

Uma vez estimulado, o TRPM8 promove uma diminuição na liberação do hormônio da sede, chamado ADH (antidiurético), resultando na sensação de saciedade. "Isso é importante porque eu não posso dar um copo de água para o paciente na sala de recuperação, pois ele pode vomitar e aspirar, causando uma broncoaspiração", aponta a enfermeira.

Imagem ilustrativa da imagem HU de Londrina inova nos métodos de alívio da sede



Sendo comprovado então que a água em temperatura fria é melhor do que a em temperatura ambiente para matar a sede, os profissionais do HU passaram a preparar picolés de água com mentol, de 10 ml cada, que são oferecidos a cada 15 minutos para os pacientes, durante uma hora.

"Trabalhamos com muita segurança. Estudos mostram que até 50 ml ou 60 ml, o risco de broncoaspiração é praticamente nulo", destaca. No pré-operatório, para aliviar a sede dos pacientes, o gelo não pode ser utilizado, mas um hidratante com mentol é passado nos lábios, com o objetivo de ativar o receptor TRPM8.