Imagem ilustrativa da imagem Esquecimentos constantes podem ser sinal de comprometimento cognitivo leve
| Foto: Juliana Gonçalves
"Eu tenho um minigame com jogos Tetris, e todo dia eu jogo por uns 15 minutos. Dizem que estudos mostraram que esse jogo aumenta a eficiência do cérebro", argumenta Neusa Torre



De repente, parece difícil lembrar que dia é hoje ou em que mês estamos e aqueles nomes tão bem conhecidos ficam na ponta da língua, mas insistem em não se verbalizar. Esses lapsos aparentemente insignificantes podem ser indícios de Comprometimento Cognitivo Leve (CCL), uma fase intermediária entre o esquecimento normal do envelhecimento saudável e as demências. É o momento em que o diagnóstico é decisivo para reduzir a progressão da doença ou até revertê-la, dependendo da causa.
As perdas de funções cognitivas como memória, linguagem, atenção, capacidade de orientação são fatores normais no processo de envelhecimento, mas se acentua quando existe em curso o desenvolvimento de algum tipo de demência, como a doença de Alzheimer. "O envelhecimento tem etapas. Ninguém está normal num dia e tem Alzheimer no outro. O CCL é o período de transição, que já não é o normal, mas ainda permite que o sujeito viva de forma independente. A demência é quando essa perda cognitiva já é intensa o suficiente para que ele não consiga viver independente", explica o neurologista Fábio Porto, que é membro do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Universidade de São Paulo (USP).
Mas a demência é só uma das causas do CCL. "Não quer dizer que todo mundo que tem CCL vai ter Alzheimer. De 8% a 15% das pessoas com CCL evoluem para Alzheimer, mas o CCL pode ser causado também por lesões vasculares, pequenas isquemias no cérebro, deficiência de vitaminas, alterações neuropsiquiátricas, depressão", exemplifica o especialista. E várias dessas causas, segundo ele, são potencialmente reversíveis. "Quando a causa é, por exemplo, uma lesão que pode ser tratada, a chance de melhora na fase de CCL é muito maior do que na fase de demência", afirma.
Daí a importância do diagnóstico precoce, mesmo quando o CCL representa a fase pré-sintomática da doença de Alzheimer, que é progressiva e irreversível. "O CCL acomete de 15% a 20% da população acima dos 60 anos. Provavelmente, essas pessoas estão caminhando para uma piora no futuro. Por outro lado, identificando-se esse quadro, é possível intervir e diminuir o ritmo de progressão da doença."

TRATAMENTO
Quando diagnosticado precocemente, o tratamento pode se dar de duas formas: a farmacológica e a não farmacológica. A primeira vai, através de medicações, tentar melhorar a memória e tratar possíveis causas como deficiência de vitamina e pressão alta. O tratamento não farmacológico tenta aumentar a reserva cognitiva do paciente, através de treinamentos de memória e exercícios físicos. "Na minha tese de doutorado, nós observamos 65 pacientes com CCL fazendo treinamento aeróbio na esteira, de 30 a 50 minutos, duas vezes por semana. A redução do metabolismo do cérebro verificada antes do treinamento desapareceu. Não quer dizer que curamos a doença, mas o cérebro voltou a metabolizar bem na área em que o Alzheimer afeta", conta Porto.

PREVENÇÃO
Foi pensando nas vantagens do diagnóstico precoce que a costureira Neusa Della Torre, aos 62 anos, procurou um neurologista. "Eu tenho histórico de Alzheimer na família, e alguns pequenos esquecimentos começaram a chamar a atenção. Fiz alguns exames e, segundo o médico, está tudo dentro do normal, nada que indique sintomas da doença", conta.
O estilo de vida dela pode ser o responsável pelo envelhecimento saudável do cérebro. Neusa faz caminhadas diárias há mais de 30 anos, continua exercitando o cérebro através do trabalho e ainda passa alguns minutos do dia jogando games eletrônicos. "Eu tenho um minigame com jogos Tetris, e todo dia eu jogo por uns 15 minutos. Dizem que estudos mostraram que esse jogo aumenta a eficiência do cérebro", argumenta.
A atitude de procurar um médico diante da percepção de alteração nas funções cognitivas é a mais correta. "A gente sempre orienta procurar uma avaliação quando perceber uma mudança nas próprias funções. As pessoas têm a tendência de achar que todo esquecimento ou desorientação é normal da idade e acreditam que ter uma boa memória do passado é sinal de que está tudo bem. A memória mais importante é a recente, é o que aconteceu há pouco tempo. É essa que o CCL e a demência afetam", alerta o neurologista.