O endométrio é o tecido que reveste a parede interna do útero e onde o óvulo se deposita depois de fertilizado. Se não houver fecundação, parte desse tecido é eliminada durante a menstruação e o que sobra volta a crescer, em um processo que se repete a cada ciclo. Em algumas mulheres, no entanto, ocorre o crescimento de um tecido muito parecido com o endométrio fora da cavidade uterina, se estendendo por outros órgãos da pelve, como trompas, ovários, intestinos, bexiga e pulmão, resultando em uma reação inflamatória crônica, a endometriose.

Imagem ilustrativa da imagem Dor pélvica não é normal e pode ser sinal de endometriose
| Foto: Folha Arte

A doença causa dor, muita dor. Durante a menstruação, com cólicas progressivas, durante a relação sexual, dor ao urinar e ao evacuar no período menstrual. A endometriose também causa inchaço, náuseas e vômitos, constipação e diarreia. E estima-se que em 40% dos casos pode levar à infertilidade. A endometriose também pode ser a causa de dores crônicas e diárias.

A incidência estimada da doença é de 10% da população feminina. No mundo, 200 milhões de mulheres sofrem com o problema e, no Brasil, são mais de seis milhões delas convivendo com a endometriose, que interfere na rotina de afazeres e impede que as pacientes tenham uma vida normal.

Como as lesões respondem de forma muito semelhante aos estímulos hormonais do endométrio, as dores vêm mais intensas no período menstrual. “Existem muitas teorias de como essas células e esse tecido vão parar fora do útero. Provavelmente são vários fatores, desde genéticos, menstruação retrógrada, que volta pelas trompas e cai na pelve da mulher, fatores imunológicos, fatores ambientais. Também há teorias sobre a disseminação a distância. Supõe-se que pode ser transmitida pela corrente sanguínea, pelos vasos linfáticos”, explica Tomyo Arazawa, médico ginecologista especialista em endoscopia ginecológica e em endometriose, de São Paulo. Os fatores genéticos, ressalta o médico, são muito importantes. Mulheres cuja mãe ou irmã têm endometriose, possuem sete vezes mais chance de terem a doença na comparação com mulheres sem antecedente familiar.

“A endometriose começa na adolescência, com a primeira menstruação, e vai aumentando. Adolescentes que no período menstrual têm que ir para o hospital por causa das dores ou os pais têm que buscar no colégio, precisam investigar. Cólicas intensas não são normais”, alertou Francisco Carlos de Oliveira Lopes, médico ginecologista e especialista em endometriose, de Cambé (Região Metropolitana de Londrina). “Em torno de 40% das mulheres que procuram uma clínica de fertilidade porque não conseguem engravidar têm endometriose. A causa da infertilidade feminina não é só a endometriose, mas esse é um fator importante.”

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico nem sempre é fácil. A média de espera, do início dos sintomas até um diagnóstico fechado e possivelmente a um tratamento adequado, afirma Arazawa, é de sete a dez anos. “E esse tempo não é só no Brasil. É no mundo. Como a medicina hoje é muito setorizada, as pacientes ficam perdidas porque o ginecologista às vezes não consegue ver a paciente como um todo e ela acaba rodando muito entre os profissionais até encontrar um tratamento adequado.”

O diagnóstico começa na clínica. Na consulta médica com um ginecologista, são avaliados os sintomas e o histórico clínico da paciente e, se a suspeita de endometriose se mantiver após o exame físico, no qual o exame de toque permite detectar os pontos de dor nos casos de endometriose profunda, o médico pode solicitar exames complementares, de imagem e de sangue. Os exames principais são o ultrassom transvaginal e a ressonância magnética, ambos com preparo intestinal. “Não é um ultrassom habitual, de rotina, é um ultrassom que precisa necessariamente ser realizado por um médico radiologista especializado na detecção da endometriose. Essas lesões muitas vezes são pequenas, finas, se escondem no meio do intestino, perto do ovário, isso acontece muito frequentemente. Por isso o exame precisa ser feito por um especialista em lesão de endometriose”, explicou Arazawa.

Com o diagnóstico fechado, o especialista pode definir o melhor tratamento para cada caso. A primeira opção será sempre o tratamento menos invasivo, que é o medicamentoso. Para as pacientes que têm sintomas, mas não estão tentando engravidar, o mais indicado são as pílulas anticoncepcionais, implantes ou injeções, que atuam para melhorar os sintomas e diminuir a sensação de dor.

“Nenhuma medicação hoje é capaz de fazer sumir a lesão da endometriose. É possível controlar os sintomas. O tratamento medicamentoso tende a melhorar a qualidade de vida da paciente e pode, inclusive, diminuir o tamanho da lesão. A única forma de fazer as lesões saírem da pelve da mulher é o tratamento cirúrgico”, destaca Arazawa.

O médico ressalta que para os casos de endometriose profunda e avançada, o procedimento cirúrgico é “extremamente complexo e trabalhoso”, podendo durar de seis a dez horas. “A complexidade é superior a uma cirurgia de câncer porque a endometriose causa uma distorção da anatomia muito grande. Se o médico ginecologista não for habituado a fazer esse tipo de cirurgia, provavelmente o procedimento não vai ser efetivo para retirar todas as lesões ou vai ser uma cirurgia um pouco mais arriscada para a paciente”, alertou o médico.

Há dois tipos de procedimento cirúrgico para a endometriose: a cauterização, na qual é feita a queima superficial da lesão, e a retirada por completo do tecido. A primeira modalidade não é indicada para lesões profundas, com meio centímetro ou mais de espessura, em razão do risco de recidiva dos sintomas após a cirurgia. Para a endometriose avançada, a remoção completa das lesões seria a melhor escolha. “A cada cirurgia, fica mais desafiador para o cirurgião e, consequentemente, mais arriscado para a paciente”, alertou Arazawa.

Nem toda paciente é tratada da mesma forma, ressalta Lopes. Antes de decidir pelo melhor tipo de tratamento, é preciso considerar a idade da paciente, se ela tem filhos, se sente dores, inclusive durante a relação sexual, se há lesões em órgãos vitais, como intestino, rim, bexiga, uréter. “Precisa colocar tudo na balança e ver com a paciente o que ela quer. E no caso das mulheres casadas, isso também deve ser discutido a dois porque a endometriose afeta o relacionamento.”

Segundo Lopes, também é importante o atendimento por uma equipe multidisciplinar, que além de ginecologista é formada por gastroenterologista, proctologista, urologista, fisioterapeuta, psicólogo e nutricionista, todos eles com olhar específico para a endometriose.

TERAPIAS ALTERNATIVAS

Além dos tratamentos com hormônios ministrados por via oral, injetável ou implantes e da cirurgia, muitas pacientes optam pelas terapias alternativas. Há tratamentos à base de fitoterápicos que podem ajudar a reduzir o tamanho das lesões, a inflamação e a dor, e à base de hormônios bioidênticos por via transdérmica.

Arazawa reconhece que as formas não convencionais de tratamento podem ser eficazes para muitas pacientes, mas lembra que nenhum tipo de terapia, mesmo a alopática, tem o poder de eliminar as lesões da endometriose. “As lesões continuam lá, mais quietas, meio adormecidas, meio que hibernando, e quando o bloqueio hormonal para, os sintomas voltam a se intensificar. Os tratamentos também não conseguem conter o avanço da endometriose. Mesmo com os hormônios, a doença pode progredir. A resposta ao tratamento hormonal é muito individual.”

ENDOMARCHA
No próximo sábado (30), será realizada a EndoMarcha, movimento que acontece simultaneamente em mais de 70 países e que tem a finalidade de conscientizar sobre a doença e reivindicar direitos às mulheres com endometriose. No Brasil, o movimento acontece em 20 cidades, incluindo Londrina, Maringá e Curitiba. Em Londrina, o ponto de partida será o Calçadão, em frente ao Teatro Ouro Verde; em Maringá, o local de encontro será a ATI (Academia da Terceira Idade) do Parque do Ingá; e em Curitiba, a Boca Maldita.

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