"O ortopedista indicou o alongamento e fortalecimento muscular; hoje não sinto mais nenhuma dor", afirma Luciana Bueno Sampaio
"O ortopedista indicou o alongamento e fortalecimento muscular; hoje não sinto mais nenhuma dor", afirma Luciana Bueno Sampaio | Foto: Gina Mardones


Você sente algum tipo de dor? Ela persiste por mais de três meses? Se a resposta for positiva, saiba que você não está sozinho. Um estudo da SBED (Sociedade Brasileira para Estudo da Dor) aponta que um terço dos entrevistados sofre, pelo menos, com um tipo de de dor crônica (que dura no mínimo 90 dias). E quando há dor há sofrimento e um impacto direto na rotina das pessoas. Por isso, especialistas reforçam cada vez mais a importância de abordar a prevenção e avançar no diagnóstico e tratamento.

O médico intervencionista da dor Charles Amaral de Oliveira diz que poucas escolas de medicina dedicam parte da grade para o estudo da dor. "A dor é vista mais como sintoma e não como uma doença especificamente", diz. Quando ela é aguda, trata-se de um alerta do corpo de que algo está errado. Mas quando ela se cronifica, deixa de ser sinal e passa ser uma doença. "Nosso trabalho envolve ser um facilitador educacional para que daqui 10 anos a dor do brasileiro seja tratada de forma mais digna", comenta Oliveira, que é presidente da Sobramid (Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor).

De acordo com Oliveira, o maior problema epidemiológico são as lesões de coluna. Ele cita que um estudo realizado nos Estados Unidos em 1992 e em 2006 revelou um aumento de 30% na incidência da dor em homens e mulheres, na mesma faixa etária.
"O principal fator foi o aumento do índice de massa corporal. A população do estudo na verdade é um reflexo do que acontece em todo o mundo, ou seja, as pessoas estão se alimentando mal e fazendo menos atividade física", pontua.

O ortopedista especialista em cirurgia da coluna Matheus Luis da Silva, de Londrina, conta que 95% dos atendimentos em consultório têm relação com problemas na coluna. "Normalmente, a dor mais frequente é a lombar. Cerca de 80% da população já tiveram, têm ou terão essa queixa", completa.

Outra consideração apontada por Oliveira é o uso de dispositivos móveis, que tem elevado as queixas de dores na coluna cervical entre a população.

Um estudo da SBED (Sociedade Brasileira para Estudo da Dor), divulgado pela Sobramid, mostra que a faixa etária média de ocorrência da dor crônica é 41 anos e as mulheres são a maioria entre os relatos. "A dor aguda não pode ser protelada porque ela pode se cronificar e o caminho para isso é a prevenção. É muito importante praticar atividade física, adotar hábitos saudáveis, se alimentar de forma equilibrada e ter sono restaurador", completa.

EXERCÍCIOS
Na crise aguda, é preciso passar pela avaliação do médico, aliviar e tratar a dor com medicação e fazer repouso. Mas quando ela é crônica, o educador físico Gabriel Bento explica que o exercício físico é fundamental.

Entre as modalidades, a musculação bem orientada é uma das mais indicadas. "A melhora ocorre por dois mecanismos. Um é mecânico, pois fortalece a musculatura, funcionando como uma espécie de amortecedor das articulações; e outro é endócrino. Quando ocorre a contração muscular são liberadas miocinas, que agem como anti-inflamatórios, o que ajuda no alívio da dor", afirma.

Na academia de Bento aproximadamente 80% dos alunos chegam com queixa de dor na região da coluna. "A maioria vem por indicação médica", observa. Ao longo do treinamento dos alunos, ele envia relatórios para os médicos e fisioterapeutas e aplica uma escala subjetiva de dor com os alunos. "A ideia é ponderar a intensidade do exercício. A escala é de 0 a 10, em que o zero é sem dor e 10 é insuportável. Parece simples, mas ajuda muito", comenta.

A engenheira da computação Luciana Bueno Sampaio, 31, chegou a apontar o grau 5 na escala da dor, em relação à região da cervical. Hoje, essa classificação reduziu a zero. "Chegou um dia que a dor da cervical à lombar era tamanha que eu não conseguia sentar, me virar e mal pisar no chão", lembra. A escolha em não tomar medicamentos foi dela, mas por recomendação médica buscou o alívio na atividade física supervisionada. "O ortopedista indicou o alongamento e fortalecimento muscular. Hoje, não sinto mais nenhuma dor", comemora.


INOVAÇÃO
O anestesiologista Oliveira salienta que um bom tratamento surge de um bom diagnóstico. Hoje, na medicina intervencionista da dor, o profissional já consegue realizar bloqueios diagnósticos guiados por raio-x ou ultrassom, em que é colocada uma pequena quantidade de anestésico em alvos específicos para testa a dor do paciente imediatamente. "Essa lapidação do diagnóstico facilita muito a condução do caso", afirma.

Quanto aos novos tratamentos ele cita a neuroestimulação wireless. A vantagem, segundo o especialista, é porque 80% das pessoas que têm dor lombar vão precisar fazer uma ressonância nuclear magnética nos próximos cinco anos, e a maioria dos eletrodos utilizados atualmente não é compatível com o equipamento de ressonância. "Com o novo aparelho, isso é possível", aponta.

Além disso, o método reduz o uso de medicamentos orais, que produzem efeitos colaterais e, com o passar do tempo, podem perder a eficácia. (Colaborou Pedro Marconi)

'Interdisciplinaridade é o futuro'

No congresso da Sobramid (Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor), realizado no início de julho, em Campinas (SP), o modelo biopsicossocial no trato da dor foi um dos destaques. De acordo com o médico intervencionista da dor Charles Amaral de Oliveira, a medicina sempre foi tratada no modelo biomédico, isto é, envolvendo apenas a questão física e a resolução do problema.

"Quando se trata de dor crônica, o tratamento tem que envolver um grupo formado por médico, fisioterapeuta, psicológico, psiquiatra, nutricionista e medicina alternativa. Essa interdisciplinaridade é o futuro e é o que precisa ser evoluído", reforça.

A psicóloga e diretora administrativa da SBED (Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor), Dirce Maria Navas Perissinotti, salienta que a dor pode ter várias configurações. "A dor é uma maneira de o organismo tentar voltar a um estado de funcionamento normal. No entanto, quando esse estado de tentativa fica muito comprometido, por inúmeros fatores, pode ocorrer uma mudança no sistema neurológico e a dor perde a função de alerta e se cronifica", afirma.

E essa dor é real, isto é, não é simulada e nem "imaginária". "Tem pessoas que têm uma genética mais propensa a isso. Tem outras que por terem vivido momentos traumáticos ou de estresse intenso ficaram com o sistema cerebral mais vulnerável a desenvolverem dor crônica", aponta.

A psicóloga ressalta que muitas pessoas acham que a dor crônica está relacionada a alguma invenção ou dizem que a pessoa ficou poliqueixosa. "Em algumas situações sim, mas temos que entender que o sistema nervoso ficou sensível e os estímulos eletroquímicos têm menos barreiras. Então, o organismo tenta se organizar de outra maneira, que pode ser, por exemplo, ficar mais sensível à dor", afirma.

Perissinotti destaca que os profissionais precisam respeitar a queixa de dor dos pacientes e a sociedade como um todo compreender que o sofrimento existe e que em uma situação de dor aguda o desespero não vai ajudar.

"A dor é multidimensional, envolve a parte física, emocional, social, enfim, é sempre uma abordagem biopsicossocial. Às vezes, o tratamento requer farmacologia ou outro tipo de intervenção, acompanhamento fisiátrico ou fisioterapêutico e psicológico, pois em várias situações o paciente tem um estreitamento cognitivo, ou seja, fica com problema de processamento de atenção, memória e tomada de decisões", conclui.