Violência contra o idoso, principalmente no âmbito familiar, pode ser física, psicológica e passa também por abandono e abuso financeiro
Violência contra o idoso, principalmente no âmbito familiar, pode ser física, psicológica e passa também por abandono e abuso financeiro | Foto: Shutterstock



Tramita no Senado um projeto de lei que pretende qualificar o homicídio contra o idoso como hediondo, o que tornará sua pena maior do que o atualmente estabelecido. A proposta se baseia em dados da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, segundo a qual dois idosos sofrem algum tipo de violência no Brasil a cada hora. Em 2015, o número de registros de casos de negligência e violência contra idosos aumentou 16,4%, grande parte deles praticada pelos próprios familiares, sendo as mulheres as principais vítimas. O percentual representa os casos registrados pelo Disque 100, mas, segundo consta no relatório sobre o projeto, as estatísticas reais de violência contra idosos devem ser ainda maiores no País.

O PLS 373/2015 é de autoria do senador Elmano Férrer (PMDB-PI) e define o homicídio contra o idoso como "idosicídio". O texto propõe aumento da pena de um terço até a metade se o crime for praticado por ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou pessoa com quem o idoso conviva ou tenha convivido. De acordo com o relator José Maranhão (PMDB-PB), embora o Estatuto do Idoso tenha representado um marco jurídico, o homicídio constitui a terceira causa de morte dessas pessoas. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que os idosos já chegam a 20 milhões de pessoas — quase 11% da população.

A procuradora de Justiça do MP (Ministério Público) do Paraná, Rosana Beraldi Bezervanço, que coordena o Centro de Apoio Operacional das Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficiência do órgão, considera que todas as leis que buscam coibir a violência são válidas, mas há iniciativas mais urgentes. Como exemplo, ela cita um projeto de lei da deputada Leandra Dal Ponte (PV-PR) que propõe destituir do direito à herança as pessoas que ameaçam ou agridem seus parentes idosos.

Outra demanda mais imediata é a criação de delegacias do idoso no Estado, assunto que inclusive será tema de audiência pública na Câmara Federal em setembro. "O MP pede essa delegacia há muito tempo, mas ainda não temos", lamenta ela, justificando que o atendimento especializado é fundamental para tirar a invisibilidade das vítimas. "Os idosos muitas vezes temem prejudicar os próprios agressores porque eles costumam ser o único vínculo afetivo que têm. Muitos preferem a violência à perda do vínculo. O atendimento precisa ser muito especializado para resolver", diz.

Ela reforça que o MP percebe na sociedade um aumento da violência em relação ao idoso, principalmente no âmbito familiar. Essa violência é física, psicológica e passa também por abandono e abuso financeiro. "O fato social predominante é esse, os homicídios ocorrem, mas não são tão significativos, por isso, precisamos de um conjunto de ações que protejam também contra abuso e abandono", pontua.

Os homicídios dentro do lar, segundo ela, são mais vinculados a descendentes usuários de entorpecentes ou com distúrbios psiquiátricos. "O mais fundamental
para os idosos, em termos de lei, é a maior garantia do respeito à dignidade do envelhecimento. Precisamos de métodos para coibir abusos, por isso, os agressores devem sofrer mais fortemente o peso da lei", afirma.

A presidente da Comissão dos Direitos do Idoso da OAB/PR (Ordem dos Advogados do Brasil), Rosangela Maria Lucinda, opina que os índices de homicídios contra idosos são preocupantes, o que justifica o projeto de lei. "Um dos exemplos de violência que resulta em morte está previsto no artigo 99, parágrafo 2º do Estatuto do Idoso: expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequando. Se resulta a morte, a pena de reclusão é de 4 a 12 anos", explica. A advogada ressalva que também "é de fundamental importância a implementação de delegacias especializadas de proteção à pessoa idosa, já que temos em Curitiba duas promotorias de defesa e proteção à pessoa idosa".

Medo da violência faz parte da rotina
A aposentada Marinalva Novaes dos Santos, 68, tem a sorte de ter uma família que a acolhe e protege. "Moro no mesmo quintal que a família de uma das minhas filhas. Para mim e meu esposo é muito bom, porque eles cuidam da gente", conta.

Viúva e sem filhos, Irma Herta Uhlmann Gerhard mora sozinha e fica assustada quando ouve histórias de violência
Viúva e sem filhos, Irma Herta Uhlmann Gerhard mora sozinha e fica assustada quando ouve histórias de violência | Foto: Fotos: Saulo Ohara



Por saber a importância de ter proteção, ela ficou triste quando viu uma colega sendo submetida a maus-tratos pelo próprio filho. Por isso, decidiu denunciá-lo à polícia. "Ele deixava a mãe sozinha o dia inteiro, viajava e não dizia quando ia voltar... Ela ficava até deprimida", lembra. Conforme Santos, o delegado chamou o responsável pela idosa e o advertiu. "Foi muito bom, porque ele entendeu e passou a ser mais cuidadoso", relatou.

"Minhas filhas insistem para me levar para a casa delas, mas não tenho vontade", afirma Terezinha de Souza
"Minhas filhas insistem para me levar para a casa delas, mas não tenho vontade", afirma Terezinha de Souza



O também aposentado José Magnanti, 89, ficou viúvo há dez anos e desde então mora com o filho e a esposa. "Para mim é muito bom, pois recebo cuidados", conta. Ele afirma que teme a violência urbana e tenta ser cuidadoso para não sofrer assaltos. "A fragilidade dos idosos deixa a gente com mais medo, pois não podemos medir forças", diz.

Ao contrário de muitos colegas do Centro de Convivência, a aposentada Terezinha Dias de Souza, 80, prefere morar sozinha. "Minhas filhas insistem para me levar para a casa delas, mas não tenho vontade. Eu saio e chego na hora que quero, faço muitas atividades e prefiro ter meu canto", afirma. Apesar da opção, ela garante que se sente muito protegida pela família, que está sempre em contato. "Ouço falar de violência, mas não tenho medo. Estou sendo cuidada."

"Moro no mesmo quintal que a família de uma das minhas filhas. Eles cuidam da gente", conta Marinalva dos Santos
"Moro no mesmo quintal que a família de uma das minhas filhas. Eles cuidam da gente", conta Marinalva dos Santos



Já a pensionista Irma Herta Uhlmann Gerhard, 80, não tem escolha sobre o local onde morar. Viúva e sem filhos, ela mora sozinha e fica assustada quando ouve histórias de violência. "Só saio à noite em último caso", relata ela, que conta com o apoio de uma vizinha quando precisa de algum cuidado especial. "Não tenho filhos, mas tenho amigos", expõe.(C.A.)

Estatuto do Idoso não é colocado em prática

Colocar em prática tudo o que prevê o Estatuto do Idoso é uma necessidade maior do que criar novas leis de proteção à população com mais de 60 anos. Essa é a opinião de Genilda Pozzetti Stabile, coordenadora do Creas 4 (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), especializado no atendimento de denúncias de qualquer tipo de violação de direitos de idosos independentes e pessoas com deficiência acima de 18 anos. "Já temos uma lei completa que abrange todas as situações, o problema maior é que a lei não é colocada em prática", cobra.

Coordenadora de um serviço que lida diariamente com situações de violência contra idosos, ela afirma que a Justiça deveria levar mais a sério o que está no estatuto. "Dessa forma os agressores saberiam que a lei funciona", acredita.

O Creas 4 recebe de 25 a 40 casos novos por mês de idosos em situação de violação de direitos. As denúncias vão desde violência física, principalmente na família, até abuso psicológico e exploração financeira. Uma das grandes ameaças, segundo ela, são os netos usuários de droga que ameaçam avôs e avós para conseguirem dinheiro. Negligência e abandono, como não oferecer medicação, alimentos, ou deixar o idoso sozinho o dia todo, são a maioria das situações de negligência.

As denúncias são feitas principalmente por terceiros, visto que as próprias vítimas não sabem a quem recorrer e, normalmente, preferem não expor a violência por medo de "prejudicar" o parente. Stabile explica que o encaminhamento dos casos envolve o tratamento de toda a família em uma tentativa de resgatar os vínculos. Ela expõe que, muitas vezes, uma pessoa da casa é usuária de drogas e acaba submetendo todos os outros à violência. "O técnico faz orientação e acompanhamento de todos os membros da família. O trabalho funciona, mas o resultado não aparece do dia para a noite", ressalta.

Imagem ilustrativa da imagem VELHICE VULNERÁVEL - Qualificação de homicídios contra idosos abre debate sobre violência



Luciana Ferreira Alvarez, presidente do Conselho Municipal dos Direitos do Idoso e psicóloga da assessoria técnica da Secretária Municipal do Idoso, afirma que o Brasil ainda tem muito a avançar no que diz respeito à garantia de direitos a essa população.

Uma das maiores necessidades, segundo ela, é a oferta de serviços de suporte para atendimento dos idosos expostos à violência. "Londrina precisaria, por exemplo, de uma 'casa de passagem' para abrigar os idosos que precisam ser afastados temporariamente da família", aponta. Outra demanda são "centros-dia" que possam acolher idosos durante o dia porque a família não tem condições de cuidar adequadamente. "O idoso poderia passar o dia em um serviço especializado e à noite voltar para a convivência em família", exemplifica.

Alvarez destaca que, na repressão à violência, falta treinamento para um olhar especial sobre os casos envolvendo essa população. "Quando o idoso está ferido ou mesmo morre, a polícia atua. Mas falta cuidado preventivo e a garantia de que o agressor será punido", critica. "Diante do aumento da população idosa, isso é cada vez mais urgente."

Nos Centros de Convivência do Idoso ligados à secretaria, ela comenta que o trabalho de prevenção já é feito, visto que as equipes estão sempre atentas às condições dos frequentadores. "Eles participam de grupos, oficinas e atividades. Sentem-se muito valorizados. O objetivo é trabalhar a prevenção de situações de isolamento e violação de direitos. É um incentivo ao exercício da cidadania", destaca.