Imagem ilustrativa da imagem SUBSTÂNCIA NOCIVA - Paraná tem 16 mil trabalhadores expostos ao amianto



A exploração do amianto está cada vez mais perto de ser proibida no Brasil. Em sessão que durou dois dias e deve continuar na próxima quarta-feira (23), o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional a lei federal que autoriza a extração, industrialização e comercialização do amianto crisotila no País. O julgamento sobre o mérito da ação foi adiado. Dependendo da decisão dos ministros, o uso dessa substância pela indústria pode ser completamente banido já na semana que vem. Para a ministra Rosa Weber, a lei federal que restringiu a industrialização do amianto, mas permitiu o tipo crisolita, não protege os direitos fundamentais da saúde e do meio ambiente. Segundo ela, as empresas têm condições de substituir o amianto por materiais menos nocivos aos trabalhadores.

Reconhecidamente cancerígeno pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), o amianto também causa outras graves doenças respiratórias e tem feito muitas vítimas entre pessoas que trabalharam nas fábricas de telhas, caixas d´água, divisórias e freios de automóveis brasileiras. Dez Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, Pará, Maranhão e Amazonas - e dezenas de municípios já têm leis que proíbem a produção e o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham fibras de amianto ou asbesto na sua composição.

Não é o caso do Paraná, onde 16 mil trabalhadores foram expostos ao amianto nas últimas décadas, sendo pelo menos 500 deles funcionários da antiga Infibra, em Londrina, que foi fechada em 2003. Um dos ex-trabalhadores foi Luiz Rodrigues de Souza, que trabalhou na empresa de 1985 a 2003 e, dez anos depois, morreu vítima de asbestose, uma doença respiratória causada pelo amianto.

"Nada disso vai trazer meu pai de volta, mas faço esse trabalho por justiça", relata Márcia Rodrigues Gamba, que preside a filial de Londrina da Abrea
"Nada disso vai trazer meu pai de volta, mas faço esse trabalho por justiça", relata Márcia Rodrigues Gamba, que preside a filial de Londrina da Abrea | Foto: Saulo Ohara



"Meu pai foi o primeiro caso de Londrina que teve diagnóstico médico registrado, mas muitos outros colegas dele morreram sem nem saber o que tinham", conta a filha da vítima, Márcia Rodrigues Gamba, que atualmente preside a filial de Londrina da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto).

Em uma pequena sala no bairro Santa Rita (zona oeste), próximo ao local onde funcionava a fábrica, ela tem feito o cadastro dos ex-trabalhadores para que recebam orientações jurídicas e cuidados médicos no ambulatório de doenças respiratórias ocupacionais do Hospital das Clínicas da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Alguns deles, segundo ela, já começam a apresentar sintomas das doenças associadas ao asbesto e estão sendo atendidos pelo pneumologista especializado em amianto, Marcos Ribeiro, que começou o serviço no ano passado incentivado pela organização das vítimas.

Quando o pai morreu, Márcia morava em Osasco (SP), coincidentemente uma das cidades onde mais houve trabalhadores em contato com as fibras. "Não aceitava a situação e comecei a procurar sobre amianto na internet. Descobri que a sede da Abrea ficava na mesma rua da minha casa", relata ela, que, depois de conhecer o trabalho da entidade, trouxe um braço da mesma para Londrina.

Hoje, ela e a família têm um processo contra os sócios da Infibra de Londrina que ainda estão vivos e também contra antigos sócios que participaram da fundação da fábrica paranaense e mantêm empresa do mesmo nome em Leme (SP). "Nada disso vai trazer meu pai de volta, mas faço esse trabalho por justiça. Foi muito difícil para a gente lidar com a falta de acesso a atendimento médico, o alto custo do tratamento e todo o sofrimento do meu pai, que praticamente morreu asfixiado pela doença. Sei que muitas outras famílias passam por isso, quero que a empresa saiba que não pode brincar com a vida das pessoas", afirma.

PARANÁ
De acordo com a procuradora do trabalho Margaret Matos de Carvalho, coordenadora executiva do Observatório do Amianto no Paraná, a Eternit, em Colombo, na RMC (Região Metropolitana de Curitiba), é a única fábrica paranaense que continua usando amianto sem qualquer ajustamento de conduta para banir o uso do produto. "Eles são donos da única mina de amianto do Brasil (que fica em Minaçu, em Goiás). É a empresa com maior interesse no uso das fibras", diz a procuradora.

A Multilit, em São José dos Pinhais (RMC), fez acordo para deixar de usar as fibras até junho de 2018. Após ajustamento de conduta assinado com o MPT, a Hidrolit, em Curitiba, baniu o amianto das próprias operações em 2015. Curitiba e São José dos Pinhais já têm leis municipais proibindo o amianto. A Wagner, em Ponta Grossa (Campos Gerais), também manipulou amianto, mas foi absorvida pela Eternit, que deverá responder por possíveis processos de ex-funcionários.

Margaret alerta que é esperada uma "epidemia" de doenças relacionadas ao produto a partir de 2020. Isso porque o tempo de latência das patologias pode durar até 40 anos. Quando os sintomas aparecem, é comum que os trabalhadores já não estejam ligados às empresas. "Muitos morreram sem receber o correto diagnóstico", lamenta.

Diante do alto número de expostos no Paraná, o MPT sistematizou no ano passado o Observatório do Amianto. "Estamos organizando um banco de dados para submeter todos os trabalhadores a entrevista e consulta com pneumologista. Apesar da lei obrigar as empresas a fazerem exames anuais nos trabalhadores por 30 anos após o desligamento, isso não tem acontecido", denuncia.

A Infibra, em Londrina, é a empresa mais antiga, por isso não é de se estranhar que a cidade tenha o maior número de pessoas doentes. A orientação para os trabalhadores que tiveram contato com amianto no Paraná é procurar a Abrea ou o MPT para receber encaminhamento médico, através do site www.observatoriodoamianto.com.br. "Os empregados não eram informados sobre os riscos na época em que trabalhavam nas empresas e só adoecem muito tempo depois. Há um silêncio epidemiológico que queremos combater", diz.

O câncer chamado de mesotelioma é a doença mais grave relacionada ao amianto e, quando diagnosticada, não oferece expectativa de vida de mais de um ano às vítimas. Outros cânceres e doenças pulmonares também ameaçam os trabalhadores, que agora começam a ser alertados a resguardarem os próprios direitos.

O objetivo principal das entidades é que as pessoas já adoecidas sejam encaminhadas para tratamento. Conforme Margaret, trabalhadores que se sintam lesados podem entrar com ação trabalhista individual pedindo indenização. "Os trabalhadores agora têm a quem recorrer. Este é um problema antigo que agora começa a apresentar consequências", declara.

Por meio da assessoria de imprensa, a Eternit afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto. A reportagem da FOLHA também fez contato com familiares, advogados e funcionários dos sócios da Infibra de Londrina e Leme, tendo deixado vários recados, mas não obteve respostas.

Serviço: Para informações sobre atendimento a expostos ao amianto, acesse www.observatoriodoamianto.com.br