Kayoko Ichinomiya e Satomi Tamura, que visitaram o Museu Histórico de Londrina, usam o washi em restaurações e obras de arte, respectivamente
Kayoko Ichinomiya e Satomi Tamura, que visitaram o Museu Histórico de Londrina, usam o washi em restaurações e obras de arte, respectivamente | Foto: Fábio Alcover



Conservar documentos históricos em papel é um desafio porque eles tendem a ficar amarelados; estão sujeitos a fungos; são atacados por traças, baratas e outros insetos; e os mais frágeis podem ficar quebradiços. Um rasgo de uma folha de papel comum permite observar suas fibras, mesmo sem necessidade de microscópio, e é possível perceber que elas são curtas e difíceis de serem restauradas. Por esse motivo, uma das técnicas mais utilizadas para preservar e restaurar documentos de papel é o uso do washi, papel japonês que tem fibras mais longas e resistentes e que consegue aderir ao documento original com mais facilidade que o papel comum. Recentemente Londrina recebeu a visita da restauradora Kayoko Moriki Ichinomiya e da artista plástica Satomi Tamura, ambas residentes da província de Kochi, no sul do Japão, conhecida também como "rainha dos papéis de restauro", já que a produção de lá é exportada para o mundo inteiro.

Ambas foram recepcionadas pela diretora do Museu Histórico, Regina Alegro; pela bibliotecária e coordenadora de projetos de restauração do museu, Rosângela Ricieri Haddad; e pela responsável pelo setor de imagem e som do museu, Célia Rodrigues de Oliveira. Célia explica que muitas fotografias chegam ali com rasgo ou com cola. "Às vezes a fotografia chega com resto de papel colado no verso. Nós fazemos a conservação preventiva e terceirizamos a realização do enxerto com papel japonês, colado com metilcelulose", diz Célia.

Rosângela, por sua vez, mostrou às duas a coleção de exemplares do jornal Paraná Norte, que foi restaurada com a técnica do washi. A publicação foi lançada em 9 de outubro de 1934, dois meses antes de Londrina ser elevada à condição de município. A publicação era impressa na "Tipographia Oliveira" e, segundo, a diretora do museu, Regina Alegro, tinha periodicidade semanal e circulou entre 1934 e 1953.

O jornal foi fundado pelo jornalista Humberto Puiggari Coutinho e pelo inspetor de quarteirão Carlos de Almeida, após negociações entre eles e a Companhia de Terras Norte do Paraná. Além dos fundadores, a equipe do jornal contava com os colaboradores Moacir Arco Verde, Octávio Telles Rudge Maia, Dicesar Plaisant Filho, Moacyr Teixeira e Geraldo Ferreira. A restauração desses exemplares foi realizada pela professora aposentada da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Yara Prazeres, já que o papel destinado a publicação de jornal tende a tornar-se ácido, tornando a preservação de exemplares daquela época bastante delicada.

Com uma experiência de 25 anos lidando com os mais diversos tipos de washi, inicialmente com a venda desse produto, e há 12 anos realizando restaurações, Kayoko identificou o fabricante do papel utilizado na restauração do Paraná Norte só olhando para ele. "Pela cor do papel e pela textura dá para saber onde foi feito. Este aqui é feito na província de Kyushu (sul do Japão), por um amigo meu. Fico feliz de ver que o papel dele está sendo utilizado aqui. Como existem poucos locais no Brasil que comercializam esse tipo de papel, dá para saber de onde ele vem", explicou.

Kayoko diz que foram utilizados dois tipos de washi na restauração do Paraná Norte. "Um deles foi utilizado para fazer o enxerto e outro, mais largo e fino, sobre toda a extensão do jornal", explicou.

Rosângela questionou Kayoko sobre a durabilidade desse restauro e a especialista japonesa destacou que esses exemplares não terão problema por 30 anos. "Mas dependendo da alcalinidade, depois desse período, pode ter uma degradação violenta. Se a alcalinidade for mais suave, se os exemplares forem bem guardados, em um ambiente bem fechado, com temperatura e umidade controladas, esses jornais podem durar até 100 anos. Se fosse utilizado um papel melhor teria uma sobrevida maior ainda", revela. Kayoko ressalta que, mesmo não sendo um papel de maior qualidade, é compreensível que se use papéis mais baratos para a restauração de jornais, já que existem muitos exemplares e o custo para recuperação é alto. A restauradora lista que existem os papéis hadaura, um mais fino chamado tengujo, que é mais caro, e o maruishi, que foi utilizado na restauração do Paraná Norte, que é o mais barato.

Rosângela explicou que os exemplares não ficam disponíveis para manuseio. "Os jornais foram microfilmados e o público só pode ter acesso a esses jornais assim", explicou. Kayoko afirma que é preferível manter o jornal original, já que se for mantido de forma adequada, sua durabilidade pode ser superior a de um microfilme.

Kayoko e Satomi ministraram cursos de restauração e preservação de documentos em São Paulo e vieram a Londrina a turismo. Elas se prontificaram a ministrar o mesmo curso em Londrina em uma oportunidade futura.

Especialistas vivem na província onde nasceu Haruo Ohara
As especialistas em washi residem em Kochi, província de origem do pioneiro Haruo Ohara. Kayoko Ichinomiya fez curso de restauro no Istituto per il restauro e l’arte – l’ambiente, em Tóquio, onde posteriormente se tornou instrutora. Trabalhou no departamento de arquivos diplomáticos do Ministério das Relações Exteriores do Japão e atua atualmente como consultora especialista do Museu do Papel de Ino-cho, na província de Kochi.

Da cidade de Saitama, veio a artista plástica em papéis washi Satomi Tamura. Formada em 1993, na Universidade de Artes e Música de Tóquio, ela trabalhou com design de embalagem e a partir disso começou a produzir manualmente os papéis washi, em Kochi. Satomi desenvolveu uma técnica própria de papéis (Sukashi Mon’yo Washi) e desde 2005 trabalha com o washi Hosokawa, que é considerado tesouro e patrimônio do Japão pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Elas vieram a Londrina para visitar o fotógrafo Saulo Ohara, que conheceram em Kochi, na época em que foi realizada uma exposição do fotógrafo japonês Haruo Ohara por lá. Haruo foi um dos pioneiros de Londrina e ficou famoso por retratar o cotidiano nas lavouras de café entre as décadas de 1930 e 1950.

Na era Meiji, entre 1868 e 1912, Kochi foi a maior produtora de washi no Japão. No Japão existiam dezenas de milhares de fabricantes de washi, mas o número caiu significativamente após a Segunda Guerra Mundial. O papel fabricado em Kochi, denominado Tosa-washi, chega a ter 300 variações.(V.O.)