Imagem ilustrativa da imagem Corrupção abocanha 10% do PIB
| Foto: Ricardo Chicarelli
O diretor do Grupo Plaenge, Alexandre Fabian, o advogado Marlus Arns, o jornalista mediador Fábio Cavazotti, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima e o diretor de Educação do Isae/FGV, Antonio Raimundo dos Santos



Estima-se que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial seja desperdiçado em esquemas de corrupção, fraudes e desvios. O cálculo também se aplica ao Brasil. Com um PIB nacional na faixa de R$ 6,5 trilhões, chega-se ao montante de mais de R$ 650 bilhões perdidos todos os anos com a corrupção. Diante de um valor tão expressivo, a sociedade não hesita em apontar políticos e chefes de grandes corporações que mantêm contratos milionários com órgãos públicos como responsáveis. Mas não se dá conta de que os atos de corrupção nem sempre nascem grandes. Podem começar nas pequenas atitudes do dia a dia, praticadas pelos cidadãos comuns.

Comprar produtos piratas mesmo conhecendo sua origem, parar em fila dupla no trânsito, pegar atestado médico sem estar doente, assinar ou pedir para assinar listas de presença sem estar presente, fazer "gatos" de luz, água e TV a cabo e dirigir após ingerir bebida alcoólica são alguns exemplos de pequenos delitos cometidos na rotina diária sem que sejam vistos como infrações ou comportamento antiético. "Nós fazemos essas coisas, às vezes até de forma inadvertida, mas achamos que o problema é o senador receber R$ 5 milhões (em propina). Não há um negócio em Brasília que faz as pessoas apodrecerem. Elas já saem podres daqui", alfineta o diretor de Educação do Isae/FGV, Antonio Raimundo dos Santos, que, na quarta-feira (22), ministrou a palestra "Ética - um aditivo empresarial", na abertura da 8ª edição do EncontrosFolha, evento promovido pelo Grupo Folha, que teve como tema a "Transparência e a ética nas empresas: Reflexões da Lava Jato".

Antonio Raimundo dos Santos: "Acredite, o problema ético do mundo sou eu"
Antonio Raimundo dos Santos: "Acredite, o problema ético do mundo sou eu" | Foto: Fábio Alcover



De acordo com Santos, a corrupção está bem mais próxima. "(Os corruptos) são os nossos primos, os nossos vizinhos. É na nossa comunidade que começa a se construir a fraude, a corrupção, a falta de ética. É no nosso meio, na nossa casa. Acredite, o problema ético do mundo sou eu", ressaltou.

O coordenador coloca o dedo na ferida interna de cada um para levantar a discussão a respeito da educação ética e cita reportagem de capa da edição do último dia 15 de março da Revista Exame que trata dos roubos como modalidade de negócio e que põe a corrupção em primeiro lugar na lista das fraudes mais comuns dentro das corporações, com 35% das ocorrências, seguida pelo roubo de mercadorias, com 19%.

Vale ressaltar que foram contabilizados como mercadorias roubadas itens que vão de clipes de papel a máquinas copiadoras, chegando até aos veículos que compõem a frota empresarial. "A gente tem a impressão, com os últimos acontecimentos, que corrupção é só aquele negócio do empresário pagando político, mas não", destacou Santos.

MUDANÇAS
Otimista, o professor observa movimentos que apontam para mudanças e afirma que "a régua moral do País está subindo", embora admita certa preocupação com o fato de que no Brasil a honestidade ainda é destacada em currículos como se fosse um diferencial. "Eu acho preocupante uma sociedade onde o maior herói nacional seja do Judiciário", comenta ele, referindo-se ao juiz Sérgio Moro, que comanda o julgamento da Operação Lava Jato, que apura desvios e lavagem de dinheiro envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos. "Eu adoraria que o maior herói nacional fosse o chefe do Executivo ou do Legislativo, que representa o povo genuinamente", acrescentou. "Sonho com o dia em que a gente chegue a um ponto em que o Judiciário ande meio ocioso. Nesse dia teremos um país mais ético. Quanto mais consciente e mais ético for um país, menor a necessidade de leis e menor a necessidade de recorrer a árbitros, a juízes e à polícia."

Santos ressalta que operações como a Lava Jato, deflagrada em março de 2014 e que colocou em foco a corrupção no País, podem ter contribuído para o aumento das denúncias anônimas feitas por funcionários, hoje destacadas como a forma mais comum pela qual fraudes e roubos em empresas são descobertos, representando 39%. Auditorias internas e mudança na gestão correspondem a 17% e 13%, respectivamente, ocupando a segunda e a terceira colocações.

Nos últimos dois anos, segundo Santos, as denúncias internas em empresas cresceram 45%. Em 2014, foram 184 denúncias anônimas registradas por funcionários e, em 2016, 268 denúncias internas. "Será que o brasileiro está percebendo que vale a pena denunciar? Que não vale a pena a fraude? Esses dados são um sinal de esperança, de alento. Um país como o nosso tem jeito", observou. "Se eu começar a fazer diferente, as coisas começam a melhorar."

COMPLIANCE
Dentre as ferramentas disponíveis para fortalecer o controle interno nas empresas, Santos destaca o compliance como um dos pilares da governança corporativa. O termo em inglês ainda sem tradução específica para o português representa o esforço para fazer cumprir normas internas e leis vigentes no País. Conceito que foi reforçado pela Lei Anticorrupção (12.846/2013) e pela Lei de Responsabilidade das Empresas Estatais (13.303/2016). "O compliance tem a ver com o esforço para cumprir o combinado e deveria ser normal", frisou. "Se eu discordo das leis, posso fazer um esforço no Senado, na Câmara Federal, para mudar a lei. O cidadão tem esse direito. Agora, enquanto a lei estiver em vigor, eu tenho que cumpri-la."

Segundo o diretor de Educação da Isae/FGV, são três os grandes motivos que levam o ser humano a cumprir ou descumprir regras. O primeiro, não tão nobre, é o medo de ser flagrado e punido. O segundo é o respeito às normas e o terceiro, a convicção ética. A compreensão dos motivos pelos quais se cumpre ou não as leis e o esforço para nortear as decisões com base em convicções éticas, afirmou ele, são importantes meios de se criar e consolidar o compliance na sociedade. "O ambiente é determinante em muita coisa. Se eu melhorar o meu cantinho, o mundo começa a ficar melhor. As pessoas evoluem na medida em que se tornam mais empáticas, em que se envolvem para ajudar a resolver o problema dos outros. Quanto mais empática uma sociedade, melhor é o nível de raciocínio moral que ela tem."

Santos lembrou que não existe um país corrupto, mas sim cidadãos corruptos ou não que habitam o país, assim como não existem empresas éticas, mas pessoas éticas ou não que comandam empresas. "A questão é pessoal. As empresas devem cada vez prestar mais atenção à qualidade das pessoas que têm porque ali vai estar o problema. O profissional bicompetente faz de forma útil e de forma boa e bonita. Ele não precisa lançar mão de roubo como modelo de negócio porque tem competência dupla. Nunca conheci ninguém que perdeu por ter uma boa postura."

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O que a gente precisa é a educação das pessoas, a consciência de cada brasileiro do quanto isso (ética) é importante na questão pública e na relação com as grandes empresas. No dia a dia a gente tem que ter essa consciência. O que vale muito é isso, a discussão da ética dos indivíduos. Não adianta a gente cobrar que nossa empresa seja correta ou que nossos políticos tenham uma reputação ilibada se a gente também não tem essa postura no trânsito, com nosso vizinho. Não é minimizar os efeitos da Lava Jato, mas saber que o Sérgio Moro não é o salvador da Pátria, ele é uma pessoa que está desenvolvendo a atividade dele com ética, com postura.
Fábio Mansano, coordenador de Comunicação da Vectra Construtora
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A sensação que nós temos hoje é de um país totalmente fragmentado, desestruturado e isso é produzido através da ação individual e da ação coletiva, do ponto de vista político. No Brasil, infelizmente, nós temos aquela velha máxima de que as normas estão aí colocadas, normas que têm uma pretensão de qualidade universal, mas que no fundo no fundo, entre a norma e o indivíduo tem um hiato em que nós podemos ajustar a norma ao nosso interesse privado. Talvez a grande aposta nossa seja poder voltar a nossa atenção para o processo formativo, para o processo educacional e não é só a questão da educação profissional, é a questão da educação da formação da pessoa.
Clodomiro Bannwart, professor de Ética e Filosofia Política da UEL
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| Foto: Fotos: Saulo Ohara
O Brasil vive um momento de institucionalização. Se você parar para olhar, o tema Lava Jato tem a ver com institucionalização. Até talvez a gente ainda recue mais dois passos para reencontrar um patamar de institucionalização cuja base política carcomida precise se reprojetar para que daí a economia ande. Então, essa euforia de que o Brasil voltou a crescer, voltou a empregar, pode ser muito assustadora porque nós não temos essa consolidação. Essa institucionalização que nasce do processo de crise é que faz com que cada um de nós repensemos o valor ético para a reconstrução da sociedade.
Gleiton Luiz de Lima, professor de História
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Eu acho que é um momento muito oportuno esse tema que a Folha trouxe para a nossa sociedade, primeiro porque nós estamos no Paraná e nós respiramos muito a situação da Lava Jato, está muito próxima da gente. Em segundo porque eu acho que é um momento de crescimento social, em termos de ética da população. As pessoas estão mais evoluídas e exigindo mais da própria sociedade e esse tema pode vir trazer um pouco de reflexão individual. Trazer esse tema para o indivíduo é uma evolução muito grande que a gente está precisando porque aí nós vamos conseguir realmente fazer essa revolução ética que nós tanto almejamos. Nós ainda estamos despertando.
Célia Catussi, gerente de novos negócios da Plaenge em Londrina