"Vi que estava sendo conivente com todas as pessoas que criticavam o Vista Bela", diz Joseleide Baptistella
"Vi que estava sendo conivente com todas as pessoas que criticavam o Vista Bela", diz Joseleide Baptistella | Foto: Fábio Alcover



Mãe. A economia nas letras não condiz com o significado. Sinônimo de amor, dedicação, exemplo e aconchego, é nelas que encontramos o porto seguro. É a personificação do sublime, representado em mulheres com histórias diferentes e que possuem garra e força. Qualidades que também estão em avós, tias e mães do coração, que como o ditado já diz, é tão grande que está sempre pronto para acolher mais um filho.

Modelo de luta e empenho, Joseleide Baptistella é uma das principais referências do Residencial Vista Bela, na zona norte de Londrina. Há um ano começou o projeto que leva o mesmo nome do bairro e atende centenas de crianças, que encontram no sorriso sempre presente em seu rosto e na disposição pela solidariedade o refúgio maternal que preenche com paz e afeto um lugar tão taxado pela violência.

São 212 meninos e meninas atendidos atualmente em dois períodos. Um número grande para a pequena casa de 36 metros quadrados, mas que consegue encontrar em cada canto o bem-estar e o carinho para se divertirem e aprenderem. Sem poder ter filhos depois de sofrer dois abortos espontâneos, Joseleide exerce com os pequenos a maternidade que brota do coração.

"As crianças são minha vida. Elas deram um sentido novo e me tornaram um ser humano melhor. Consigo estar suprindo esse vazio que tinha no peito pela falta de ter um filho do meu ventre. Sinto isso nelas todos os dias. Um carinho, uma cartinha, uma flor que recebo se tornam meu holerite diário", emociona-se. O mesmo carinho é compartilhado com a comunidade. "Me sinto satisfeita de poder mostrar para essas pessoas que elas podem ser o que quiserem em suas vidas. Basta ter força de vontade. Vejo que meu trabalho e minha vida não são em vão".

O ponto de partida para o que um dia foi sonho começou em meio a dor, que ao invés de ser motivo para fim, foi na verdade começo. "No ano passado, vi a morte de um jovem de apenas 14 anos, que foi assassinado, e aquilo me chocou muito. Conhecia a mãe, que é uma mulher muito trabalhadora, e ele era muito educado, mas que que pela falta de oportunidades na região começou a mexer com coisas erradas e isso me revoltou muito", relembra.

Apaixonada por livros, ela percebeu neste momento triste a chance de oferecer outro desfecho para as crianças que vivem no bairro. "Eu sempre tive a vontade de montar uma biblioteca, só que achava que precisava de uma situação financeira melhor para isso. Quando este fato da morte deste jovem aconteceu, eu acordei para a vida e vi que estava sendo conivente com todas as pessoas que criticavam o Vista Bela. Conversei com meu marido e tomei a decisão de colocar esse sonho em prática", contou.

Moradora do Vista Bela há três anos, quando se mudou de Curitiba para ajudar a mãe em Londrina, ela dispôs da ajuda de dois amigos. A inauguração aconteceu em 30 de julho de 2016 como uma biblioteca solidária. Com a busca das crianças e moradores por outras demandas, o projeto cresceu e hoje também oferece reforço para diversas disciplinas, aulas de inglês, canto, instrumentos, dança, artesanato, inclusão digital e um acervo com cerca de seis mil títulos, além de uma horta comunitária, inaugurada há poucas semanas.

DEDICAÇÃO 24 HORAS
Trabalhando com vendas até ficar desempregada e tomar a iniciativa, Joseleide vive de serviços temporários. O dinheiro que recebe, porém, acaba sendo usado para suprir o projeto, que também se mantém com voluntários e doações. São dez pessoas que ajudam ativamente, entre eles a família da fundadora e membros do conjunto. "Quando quero sair, comer uma pizza ou arrumar o cabelo, porque também sou mulher, penso que se gastar o dinheiro com isso, posso deixar minhas crianças sem dois dias de alimento. Então, substituo e vou improvisando em casa para atender primeiro eles e depois eu", reconhece.

Com muitos planos pela frente, ela quer estender o atendimento às mães, construir uma sede nova, já que a casa onde está o projeto é alugada, e pagar os voluntários. "Não quero fazer atendimento só para as crianças. Terminando de reformar a calçada da casa, já vamos poder oferecer o artesanato para as mães, para que elas aprendam uma ocupação para gerar renda", sonha. "Pleiteamos um terreno junto a Prefeitura e projetamos para o futuro que eles nos cedam este espaço para que possamos construir uma sede sustentável, feita somente com garrafas plásticas".

Tendo crescido em uma realidade que ainda perdura em diversos lares brasileiros, convivendo com a fome e precisando trabalhar para sustentar a família, Joseleide usa tudo o que viveu como combustível para continuar com as ações. "Não consigo projetar algo da minha vida pessoal que não seja interligado a essas crianças. Quero ver esse bairro mais unido e menos violento, onde as pessoas enxerguem o Vista Bela como uma referência. Quero que a população tenha orgulho de falar onde mora", alegra-se.



Esperança no sofrimento

"Esse tempo me dedicando a casos graves e difíceis só me fez rever que nesta vida somos passageiros", reflete Tania Anegawa
"Esse tempo me dedicando a casos graves e difíceis só me fez rever que nesta vida somos passageiros", reflete Tania Anegawa | Foto: Anderson Coelho



Conviver em meio a dor das pessoas não é fácil. Se deparar com o sofrimento do outro, ver a saúde dar espaço à doença e a vida à morte são fardos pesados. Seja para quem carrega a enfermidade, quanto para familiares, amigos e pessoas que convivem neste ambiente. Quando tudo isso acontece com crianças, os sentimentos e as angústias acabam ganhando maior proporção.

Oncohematopediatra - área da medicina que trata de crianças com tumores e hemofilia - Tania Anegawa se encontra diariamente com os problemas do próximo. Com 19 anos de profissão dedicados à pediatria, ela trabalha atualmente como professora no Ambulatório Pediátrico e no setor de Oncologia do Hospital Universitário (HU), no setor de Hemofilia do Hemocentro do HU, na Pediatria do Hospital do Câncer, e no Hospital Infantil em casos que necessitam de sua intervenção.

Por conta da complexidade e gravidade das ocorrência que trata, ela acaba levando o amor maternal aos pacientes e pais. "O melhor suporte que dou, na verdade, são para as mães. Procuro cuidar das crianças e não tirar a autoridade da mãe, pois muitas vezes ela está tão fragilizada nesta situação que quer terceirizar a maternidade. Tento mostrar que muito além de mim, ela também é importante neste processo", salienta.

Sempre bem-humorada e com o semblante cativante que procura levar motivação, a médica busca no sorriso fácil e no amor distribuído em abraços e beijos o remédio que faz bem para o corpo e a alma. "Gosto de rir, conversar com as crianças e com as mães. Adoro levar um carimbo para colocar na mão dos pequenos. É assim que posso divertir em meio a tanta dor", expõe. "Tem um paciente que para eu dar um beijo nele tenho que correr pelo corredor do hospital atrás. Eu fico feliz porque estou em uma área que me permite fazer isso".

O desejo pela medicina surgiu após vários membros da família adoecerem com câncer. Cuidando dessas pessoas, ela se deparou com situações que não queria que se perpetuassem. "Quando acompanhava meus familiares, vi médicos muito ruins na relação médico-paciente. Queria provar que eles não precisavam ser assim para falar sobre a doença com as pessoas", narra. O amor pela pediatria e suas especialidades veio em seguida, como forma de completar ainda mais quem já se dispusera a ajudar e renovar esperanças.

Deparando-se com histórias diversas, a maioria inspiradoras e desafiadoras, Tania tem dois orgulhos na profissão. "Uma mãe, que a filha morreu há cerca de três anos, engravidou novamente e me ligou falando que a filha dela tinha morrido nos meus braços e que agora ela queria que a nova filha nascesse nos meus braços. Então, quando o caso não é o que se espera e a família reconhece que você fez o seu melhor, surpreende", diz. "Também tem aqueles casos em que o paciente se curou e hoje faz medicina por conta desse contato. Muitos, quando me encontram, ainda me chamam de tia. Isso eu não gosto, não", diverte-se.

NATURALIDADE
Mãe de dois filhos, ela procura sempre estar à disposição das centenas de crianças espalhadas pelos hospitais da cidade. "Quando minha filha nasceu, só tinha eu na área em que trabalho no Hospital do Câncer. Não tinha como tirar licença de seis meses e deixar meus pacientes. Dez dias após dar à luz, a trouxe para a instituição. Cuidava da minha filha e das consultas", recorda a médica, que é a única oncohematopediatra da região de Londrina.

Prova de que a maternidade é demonstrada de diversas formas e com gestos concretos. A esposa, mãe, médica e amiga Tania leva todo o trabalho e correria com naturalidade. O que de longe pode parecer algo que só os fortes conseguem, de perto se constata que é a dedicação de uma vida. "Para que viver se não para alguma coisa? Esse tempo me dedicando a casos graves e difíceis só me fez rever que nesta vida somos passageiros e não levamos nada. Por isso, o tempo que passar por esse mundo, quero que seja o melhor possível para os outros e para mim. Não acho que meu trabalho me faz ser uma pessoa melhor, mas sim querer ser uma pessoa melhor", resume.(P.M.)