Imagem ilustrativa da imagem Redução de área ambiental gera polêmica na AL
| Foto: Sandro Nascimento/Alep


b]Curitiba - O polêmico projeto de lei que reduz em quase 70% a APA (Área de Proteção Ambiental) da Escarpa Devoniana, uma formação geológica que cruza 12 cidades do Paraná e abriga uma formação geológica de 400 milhões de anos, será votado às escuras. O único estudo que fundamenta o projeto é sigiloso. Entidades como MP (Ministério Público) e OAB-PR (Ordem dos Advogados do Brasil ), pesquisadores e professores, e mesmo os deputados estaduais que terão que decidir sobre a mudança na lei, solicitaram mas não tiveram acesso ao documento.
O estudo em questão foi feito pela Fundação ABC, uma entidade ligada ao agronegócio que representa produtores da região dos Campos Gerais – onde se localiza a escarpa. Por ser uma entidade privada, a ABC afirma que não precisa tornar público o levantamento.
No projeto, constam apenas as coordenadas e uma proposta de novo mapa para a APA, realizadas pela fundação com base em imagens de satélite. Não foram divulgados detalhes como metodologia, critérios e ferramentas utilizadas para chegar ao perímetro.
A íntegra só teria sido enviada ao IAP (Instituto Ambiental do Paraná) e aos deputados que apresentaram o projeto de lei na AL (Assembleia Legislativa) do Paraná – o presidente Ademar Traiano (PSDB), o primeiro secretário Plauto Miró (DEM) e o líder do governo Luiz Cláudio Romanelli (PSD). Porém, tanto IAP como AL dizem não ter os documentos.
A proposta, que tramita na AL desde o ano passado e já foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), pretende reduzir a área de proteção da escarpa de 392 mil hectares para 126 mil hectares.
Com isso, atividades mais ostensivas de agricultura, pecuária e mineração poderiam ser ainda mais desenvolvidas na região. Para entidades ligadas ao meio ambiente, a redução traria graves consequências ao ecossistema.
A APA da escarpa é associada aos dois biomas mais ameaçados do país: a Floresta de Araucárias e os Campos Naturais. É na região da escarpa que ficam atrativos turísticos como o Cânion do Guartelá e a furna Buraco do Padre.
Atualmente, a proposta está na Comissão de Meio Ambiente da AL, que tampouco teve acesso ao relatório completo do estudo. O presidente, Rasca Rodrigues (PV), se preocupa com o fato de apenas um levantamento privado e ligado ao agronegócio ser levado em consideração no projeto.
"Já solicitamos duas vezes aos órgãos ambientais para que façam mais estudos, principalmente de uso do solo, mas até agora não tivemos resposta", afirma o deputado, que diz estar trabalhando para construir maioria para derrubar o projeto quando chegar ao plenário.
Para Alaim Stefanello, presidente da comissão de direito ambiental da OAB, o fato de o estudo estar inacessível pode fazer com que o projeto seja invalidado judicialmente caso aprovado. "Como está no âmbito de um projeto de lei, e que não se trata de assunto sigiloso, pelo contrário, que interessa a milhares de pessoas, os dados têm que ser públicos obrigatoriamente, pelo princípio básico do acesso à informação", diz.
"O projeto de lei se basear em um único estudo, sem discussão com sociedade, apenas com argumentos de ordem econômica, não se sustenta", diz o promotor Alexandre Gaio, do Meio Ambiente, que solicitou o estudo à Fundação ABC e até agora não recebeu.
Para Traiano, que é um dos autores do projeto, o estudo é apropriado e serve para regularizar áreas que já são produtivas na regão da escarpa (e que hoje estariam ilegais). "A Fundação ABC é respeitadíssima e tem o aval de muitos segmentos, principalmente o setor produtivo do Paraná, que está amplamente favorável à discussão desse projeto", disse, na última terça-feira (23).
O presidente minimiza os questionamentos das entidades contrárias. "Temos que saber conviver o setor produtivo e o meio ambiente. Mas também não podemos ficar aqui atrelados a alguns ambientalistas que são contra o mundo", disse.

MEDIÇÃO DIFERENTE
O professor e geólogo Gilson Burigo, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) já solicitou o estudo pessoalmente e por e-mail. Não conseguiu. Ele e outros pesquisadores de Ponta Grossa refizeram os cálculos que constam no projeto de lei e viram que, na verdade, o perímetro é bem diferente do mapa que vem sendo apresentado à população. "Não entendemos como chegaram nos polígonos e resultou num mapa completamente diferente do que fizemos aqui. Começo a desconfiar que foi um estudo arbitrário, porque não tem registro de nenhum documento técnico que mostre a metodologia, os critérios, o que foi levado em consideração", pontua Burigo.
O IAP não quis se pronunciar sobre o projeto de lei. A reportagem tentou falar com Plauto e Romanelli pessoalmente e por telefone, mas eles não atenderam.