Para Rodrigo Janot, a nomeação de Lula teria ocorrido com o propósito de dar a ele o direito de ser investigado e julgado no Supremo
Para Rodrigo Janot, a nomeação de Lula teria ocorrido com o propósito de dar a ele o direito de ser investigado e julgado no Supremo | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil



Brasília - A PGR (Procuradoria-Geral da República) denunciou nessa quarta-feira (6) o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante por obstrução de Justiça na Lava Jato. A investigação foi aberta com base na delação do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).O material está em segredo de Justiça. O inquérito foi aberto em 2016 com diferentes frentes de investigação.

Uma delas era para apurar se Dilma e Lula tentaram obstruir a Lava Jato por meio da nomeação do ex-presidente para a Casa Civil.

Na avaliação dos procuradores, a nomeação de Lula teria ocorrido com o propósito de dar a ele o direito de ser investigado e julgado em foro no Supremo, evitando que o ex-presidente fosse alvo do juiz Sérgio Moro – o que representa desvio de finalidade. Os petistas temiam que Moro mandasse prender Lula.

Quando pediu a abertura do inquérito, o procurador-geral Rodrigo Janot afirmou que antes de Lula ser alvo de condução coercitiva, não havia notícias de que ele fosse ocupar a Casa Civil, apurou a reportagem.

Janot citou ainda que o então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, havia assumido o cargo apenas cinco meses antes e, portanto, a nomeação havia sido uma acomodação político-administrativa em favor de Lula para que ele voltasse a ter foro, apurou a reportagem.

Janot mencionou também o envio do termo de posse de Dilma a Lula, o que, para ele, se configurou em "heterodoxia procedimental", e mencionou trechos do discurso de Dilma na posse de Lula, disseram pessoas a par do assunto.

MERCADANTE
Outra linha de investigação apurava se Dilma e Mercadante tentaram impedir que Delcídio fizesse delação premiada, no fim de 2015.

O então senador havia sido preso pela Lava Jato. Seu assessor, Eduardo Marzagão, gravou secretamente uma conversa com Mercadante, ministro de Dilma, que era, na época, um dos mais próximos assessores da ex-presidente.

O diálogo revela Mercadante sugerindo a Marzagão que o parlamentar não deveria firmar um acordo de delação premiada com o Ministério Público, o que acabou ocorrendo.

No diálogo, Mercadante oferece ajuda financeira e sugere a possibilidade de o então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, ser procurado para atuar pela soltura de Delcídio.

Em depoimento, Delcídio disse também que outras pessoas próximas ao PT e ao governo buscaram envolvidos na Lava Jato para convencê-los a não fechar delação premiada.

Em relatório recente a Polícia Federal recomendou o desmembramento da investigação para que o caso seja investigado fora do Supremo, no âmbito da Justiça Federal do Distrito Federal, já que não há o envolvimento de pessoas com foro privilegiado, a reportagem apurou.

FORO
A investigação permaneceu no STF depois que Dilma saiu da Presidência por causa de outras pessoas com foro privilegiado: os ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Francisco Falcão.

Uma terceira linha de investigação deste mesmo inquérito apurava se Dilma articulou com os ministros outra forma de atrapalhar a Lava Jato, por meio da nomeação de Ribeiro Dantas.

Depois de serem notificados, os denunciados terão 15 dias para oferecer resposta.

Caberá, então, ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), analisar as manifestações e elaborar um relatório para receber ou não a denúncia.

Depois, ele vai levar o caso para ser analisado pela segunda turma do STF, composta por outros quatro ministros: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Os ministros podem receber a denúncia total ou parcialmente –e aí os acusados viram réus– ou decidir por arquivar o procedimento.

STJ
De acordo com Delcídio, a nomeação de Ribeiro Dantas foi uma maneira de atrapalhar as investigações da Lava Jato.

Ele disse que o governo da petista deflagrou uma ofensiva nos tribunais superiores para influenciar nos desdobramentos da Lava Jato e garantir, por exemplo, a liberdade de grandes empreiteiros.

A nomeação de Ribeiro Dantas para o STJ faria parte dessa trama, da qual teriam participado ele, Dilma, o empresário Marcelo Odebrecht, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e o então presidente do STJ, Francisco Falcão.

Cardozo e Falcão teriam auxiliado nessas ações, sob o compromisso de que o novo ministro votasse pela soltura de presos da operação.

A Polícia Federal não encontrou indícios de que este crime tenha sido cometido e, no relatório final, isentou o grupo, apurou a reportagem. A PGR pediu o arquivamento dessa investigação, disseram pessoas a par do assunto.

OUTRO LADO
A ex-presidente Dilma disse por meio de nota que é "lamentável que o chefe do Ministério Público Federal, 24 horas depois de anunciar uma infundada denúncia contra dois ex-presidentes da República e dirigentes do PT por organização criminosa –sem provas ou indícios, baseado exclusivamente em delações sem base factual–, venha propor agora a abertura de uma nova ação penal também sem qualquer fundamento".

Para ela, "chama atenção o fato de que a abertura destas ações tenha sido proposta, em rápida sequência, no exato momento em que situações indevidas envolvendo delações premiadas vieram a público e estarrecem a sociedade brasileira".

"É espantoso que a nova denúncia se baseie em provas ilegais e nulas, fruto de reconhecida situação abusiva em que conversas da presidenta eleita Dilma Rousseff foram indevidamente interceptadas, divulgadas e descontextualizadas na interpretação do seu real conteúdo. Afronta-se com isso a Constituição e as próprias decisões do STF, que reconheceram a abusividade com que tais provas foram coletadas."

Dilma afirma que há "inversão de papéis", pois "os que praticam abusos de direitos e vazamentos ilegais de informações recobertas pelo sigilo legal não são sequer investigados e seus delitos punidos" enquanto "os que são vítimas destas situações abusivas e ilícitas, ao ver do procurador-geral da República, devem ser transformados em réus de uma ação penal".

"A presidenta eleita Dilma Rousseff acredita na Justiça. A verdade será restabelecida nos autos dos processos e na história", diz o texto.
Em nota, a assessoria de imprensa de Mercadante afirmou que a denúncia "já foi apresentada na Comissão de Ética Pública da Presidência da República que por decisão unânime absolveu integralmente o ex-ministro".

"Na decisão, a referida comissão, que é formada por cinco membros, sendo três juízes de carreira, afirma que, nas gravações, não se verifica a tentativa de obstrução de justiça. "Com efeito, as transcrições das conversas que constam do presente processo indicam apenas o oferecimento de auxílio a um colega de partido –gestões políticas junto ao Senado e, após o relato do assessor acerca de dificuldades financeiras sofridas pelo ex-senador, promessa de que 'iria ver' o que poderia ajudar, 'na coisa do advogado'– sem que fique caracterizada conduta ilícita", afirma a decisão do conselheiro-relator, Américo Lacombe, que é ex-desembargador, ex-presidente e ex-corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)."

"Como é de conhecimento público a delação de Delcídio do Amaral está sendo questionada pelo próprio Ministério Público, que já solicitou inclusive anulação de benefícios", diz a nota.

Por essas razões, "temos plena convicção, que agora na Justiça, teremos a oportunidade de novamente comprovar que não houve qualquer tentativa de obstrução de Justiça com a consequente absolvição definitiva".