Venda de 2,4 milhões de ações preferenciais da Sercomtel por Antonio Belinati, em 1998, resultou em prejuízo ao erário de mais de R$ 30 milhões
Venda de 2,4 milhões de ações preferenciais da Sercomtel por Antonio Belinati, em 1998, resultou em prejuízo ao erário de mais de R$ 30 milhões | Foto: Arquivo FOLHA



Em sentença proferida nesta terça-feira (25), o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Londrina, Marcos José Vieira, anulou a venda de 2,4 milhões de ações preferenciais da Sercomtel para a Banestado Corretora, ocorrida em 1998, que resultou em prejuízo ao erário de mais de R$ 30 milhões – em valores atualizados – e condenou por improbidade administrativa o ex-prefeito Antonio Belinati (1997-2000), responsável pela transação.

A decisão se deu em ação popular protocolada em 2003 por quatro eleitores de Londrina – os mesmos que em 2000 fizeram à Câmara o requerimento de cassação do mandato de Belinati – e em ação por improbidade administrativa ajuizada em 2004 pelo Ministério Público de Londrina. Os processos foram reunidos porque tratavam do mesmo assunto: irregularidades no contrato de compra e venda das ações.

Por cautela, o juiz determinou à Sercomtel que torne indisponíveis "as 2.400.000 ações preferenciais titularizadas pela Banestado Corretora, obstando-se a sua transferência a terceiros até final julgamento da ação". Ele também define que "a recuperação dos R$ 12.024.000,00 pagos ao Município de Londrina deverá ser buscada em ação própria".

O magistrado entendeu que o contrato, na verdade, dissimulava um empréstimo feito pela Banestado Corretora ao município e à Sercomtel e que "a ilegalidade e a lesividade desse negócio jurídico são evidentes", já que além burlar a Lei de Licitações também afrontou um série de normas financeiras que proíbem corretoras de títulos e valores mobiliários de efetuar empréstimos.

As ações repassadas à Banestado Corretora serviram de caução ao empréstimo. A Sercomtel emitiu 2,4 milhões de ações preferenciais ao preço de R$ 5,00 cada uma. A corretora pagou por elas R$ 12 milhões em 27 de maio de 1998. Pelos termos do contrato, a prefeitura poderia resgatar as ações até 23 de novembro do mesmo ano, por R$ 5,73 cada um, o que não ocorreu. Mais tarde, a Banestado Corretora, então, pagou mais R$ 0,01 por cada ação, e as arrematou.

Tal situação causou prejuízo à Sercomtel de R$ 9.240.000,00, já que o preço mínimo de cada ação era de R$ 8,86, conforme cálculo previsto na Lei Municipal 6.666/1996. Atualizado, este valor chega a R$ 30 milhões, conforme anotou o juiz em sua decisão. "Negócio jurídico esse que mascarou não só uma compra e venda de valores mobiliários realizada à margem do procedimento licitatório, senão também uma operação de empréstimo de dinheiro ao Município de Londrina absolutamente irregular!"

Ao interpor a ação, o MP sustentou que sequer havia motivo para um empréstimo, uma vez que poucos dias antes, em 14 de maio, a Sercomtel havia vendido 45% de suas ações para a Copel por R$ 186 milhões – aliás, dinheiro que desapareceu dos cofres da prefeitura em pouco tempo e, segundo investigação do MP, teria sido desviado em licitações fraudulentas para campanhas eleitorais de políticos ligados a Belinati.

Em sua decisão, o magistrado citou trecho de sentença do juiz Sérgio Moro, que em 2005, condenou diretores da corretora por gestão fraudulenta ao firmar o contrato com a Prefeitura de Londrina. Citou trechos daquela sentença, como a parte em que Moro afirma haver "prova nos autos de que a contratação foi motivada mais para resolver um problema de caixa do Município de Londrina do que propriamente para a transferência da propriedade de ações da Sercomtel".

O juiz ainda concluiu que a "participação dolosa do réu Antonio Casemiro Belinati, então prefeito municipal, na celebração do contrato ora invalidado restou suficientemente provada". "...o réu, mesmo ciente da ilegalidade da alienação das ações preferenciais por preço bem inferior ao seu valor nominal, assinou o ilícito instrumento. Mais que isso, ignorando a existência de plena disponibilidade de caixa da prefeitura deixou o requerido escoar o prazo limite (23.11.1998) para resgate das ações, solicitando pessoalmente fossem elas transferidas para a titularidade da Banestado Corretora", escreveu o magistrado. "Não há como fugir à constatação de que a conduta do requerido Antonio Casemiro Belinati foi extremamente nociva ao interesse público."

Belinati foi condenado às penas da Lei de Improbidade Administrativa: perda de eventual cargo público; suspensão dos direitos políticos por sete anos; pagamento de multa civil correspondente a 20% do valor do dano, ou seja, mais de R$ 1,8 milhão, valor que deve ser corrigido desde maio de 1998 (e se aproximar dos R$ 6 milhões).

Como determinou a anulação do contrato, o juiz não condenou os réus ao ressarcimento do erário. Também eram réus na ação de improbidade o espólio de Ismael Mologni, diretor da Sercomtel, e Luiz César Guedes, então secretário de Fazenda. Contra eles, o juiz entendeu que ocorreu a prescrição para a aplicação das penas de improbidade. Na ação popular, além de Belinati, o município e a Banestado Corretora eram requeridos.

OUTRO LADO
O Itaú, que comprou o Banestado em outubro de 2000, enviou à FOLHA a seguinte nota: "O Itaú Unibanco esclarece que a operação envolvendo as ações da Sercomtel foi realizada pelo Banestado antes de sua privatização, portanto, sem qualquer interferência do Itaú Unibanco. Ademais, informamos que ainda não tivemos ciência da decisão judicial. Assim que tomarmos conhecimento, adotaremos as eventuais medidas cabíveis".

O ex-prefeito Antonio Belinati não foi localizado. O sobrinho e atual prefeito Marcelo Belinati (PP) e a direção da Sercomtel não comentaram a decisão. Por meio da assessoria de imprensa, a telefônica informou que não comentaria a decisão porque não figura no polo passivo da demanda e, portanto, não forneceu qualquer informação sobre a determinação judicial de indisponibilizar as ações de titularidade da Banestado Corretora. Marcelo Belinati foi procurado por meio da assessoria de imprensa da prefeitura e em seu telefone celular, mas não deu retorno à solicitação de entrevista.

A situação financeira da Sercomtel é muito grave. No último dia 12, a empresa apresentou um plano de recuperação à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O órgão regulador ameaça cassar a concessão da companhia londrinense para explorar telefonia fixa. O prejuízo acumulado da operadora é de R$ 190 milhões e a dívida consolidada chegou a R$ 238,9 milhões em dezembro de 2016, valor quase equivalente à receita anual bruta de R$ 251,3 milhões. (Colaborou Nelson Bortolin/Reportagem Local)