Curitiba – O movimento "O Sul é meu País" realiza hoje, em 1.191 municípios do Paraná (399), de Santa Catarina (295) e do Rio Grande do Sul (497), um plebiscito informal para defender a separação da região do restante do País. A organização da consulta, batizada de Plebisul, espera contar com a participação de dois milhões de moradores dos três Estados, o que equivale a quase 10% do eleitorado da região, composto por 21,28 milhões de pessoas. A votação acontece das 8 às 20 horas.

Nas cédulas, de papel, os participantes vão responder se querem (sim) ou não que as três unidades da federação formem uma nação independente. A coordenadora-geral, a microempresária Anidria Rocha, reconhece que o Plebisul não tem valor legal nem jurídico, uma vez que sua realização não foi aprovada pelo Congresso Nacional. Entretanto, diz que o importante, no momento, é saber o que a população pensa a respeito do tema.

A Constituição Federal estabelece, em seu artigo primeiro, que é "indissolúvel" a união dos Estados e municípios e do Distrito Federal. "Não estamos buscando a separação de fato. O objetivo é justamente pesquisarmos a população de eleitores, para ver o percentual que apoia a ideia de independência", contou. Ela lembrou que em outubro do ano passado, quando houve o primeiro plebiscito do tipo, 616 mil cidadãos foram às urnas, sendo que a meta era atingir em torno de um milhão. Dos votantes, 95,65% se disseram favoráveis à proposta.

"Nesse ano, vamos chegar a mais, pois temos um número bem maior de cidades participando e de voluntários também; triplicou."

Imagem ilustrativa da imagem Estados do Sul fazem plebiscito informal para pedir separação



A lista das sessões está publicada no site www.sullivre.org. Em Londrina, haverá urnas na Avenida Américo Deolindo Garla, 224, Pacaembu; na Barragem do Lago Igapó (Rua da Canoagem, 115, Igapó); em frente ao Cine Teatro Ouro Verde (Rua Maranhão, 85, Centro); e em frente à loja Frutos de Goiás (Rua Professor Joaquim de Matos Barreto, 980, Lima Azevedo), até as 17 horas.

O diferencial da segunda consulta, conforme Anidria, é que desta vez os eleitores poderão assinar um projeto de lei de iniciativa popular, propondo a realização de um plebiscito oficial em 2018 sobre o assunto. "É preciso de no mínimo 1% da população, mas esperamos já atingir 10%. Vamos batalhar para isso e, assim, enviar o projeto às três assembleias legislativas", acrescentou.

Na opinião da microempresária, apesar do disposto na legislação, o movimento trabalha sim dentro da legalidade. "Atuamos em vias pacíficas e democráticas, conscientizando a população sobre a importância de o Sul ser independente, devido ao seu potencial econômico, natural e humano. Concordamos pouco com o artigo primeiro. A mesma Constituição assegura a livre manifestação do pensamento e da vontade. E a própria ONU [Organização das Nações Unidas] definiu que ‘todo o poder emana do povo’", argumentou.

De acordo com a coordenadora, são vários os fatores que impulsionam o movimento. "Os mais relevantes são o econômico e o político. Todo dinheiro arrecadado aqui de tributos vai para Brasília. Mas apenas 20% do que a gente produz retorna. Ou seja, de cada R$ 100, recebemos R$ 20. É muito pouco. Se fôssemos independentes, poderíamos administrar esse dinheiro."

Anidria disse ainda que não há um nome de país definido, nem tampouco hino, bandeira ou moeda. "Vamos discutir isso mais tarde, através de referendos. São muitas as propostas na mesa, mas essas questões são irrelevantes perto dos reais motivos que a gente tem."

Para analista, discursos separatistas se baseiam em premissas 'falaciosas'
Curitiba - O professor de ética e política da UEL (Universidade Estadual de Londrina (UEL), Bianco Zalmora Garcia, lembrou que não é de hoje que grupos separatistas como "O Sul é meu País" buscam estabelecer suas bandeiras. Entretanto, acontecimentos recentes, como o referendo da Catalunha pela independência da Espanha, acabaram trazendo a questão novamente à tona. "Eles [organizadores] se aproveitaram do impacto do movimento espanhol e se empolgaram. Mas é algo que vem e volta, baseado em um argumento econômico e também num preconceito social", opinou.

Garcia se referia principalmente aos discursos proferidos durante a campanha presidencial que culminou com a eleição de Dilma Rousseff (PT), em 2014. "Atribuíram aos nordestinos o fato de o PT se eleger. Colocaram o Nordeste como região atrasada, não só economicamente, mas culturalmente, o que é totalmente equivocado. Pode fazer uma pesquisa em quem defende [o Sul independente]. São segmentos minoritários, ultraconservadores, e que se aproveitam de uma percepção imediata, para fazer um discurso falacioso, de que os problemas que atingem o Sul decorrem de sua inserção no Brasil."

De acordo com o professor, apesar do nosso sistema federativo ser "problemático" em termos de estrutura e representação política, um plebiscito como o de hoje não se justifica. Ele afirmou, inclusive, que não tem sentido aplaudir os catalães e repudiar o que acontece no Brasil. "Esquecem que os pressupostos são semelhantes, claro que ressalvadas as diferenças culturais e o tipo de preconceito que envolve. Mas lá [a questão] foi alavancada por um movimento nacionalista que vem crescendo na Europa e nos Estados Unidos. Alegam que os problemas econômicos, como o desemprego, foram causados por estrangeiros."

Embora não veja possibilidade de a separação de fato ocorrer, Bianco Zalmora Garcia falou que ela tem um impacto negativo. "De um lado, temos uma falha grave na configuração do nosso sistema federativo e, de outro, um deficit de representatividade, que acaba criando um caldo favorável para esses grupos. A população sente os efeitos imediatos da crise (…) Agora, o remédio não é por aí. Quem protagoniza sabe que [o referendo] não vai ter efeito imediato. Porém, cria ruídos, e ruídos criam pautas, como já vimos no caso da arte, com aquelas visões moralistas. Há interesses de poder; gente esperando ‘surfar’ nessa onda, ainda mais em época de eleições." (M.F.R.)