Ao permitir que qualquer cidadão mova ação penal contra um membro do Ministério Público (MP) ou do Judiciário, o substitutivo ao projeto de lei (PLS 85/2017) do Abuso de Autoridade, pode comprometer a independência de investigadores e colocar em risco operações como a Lava Jato e a Publicano, que revelou esquema de corrupção na Receita Estadual do Paraná. A avaliação é do presidente da Associação Paranaense do Ministério Público (APMP), Cláudio Franco Felix.

Segundo Felix, se for aprovado, o projeto vai beneficiar apenas quem tem maior poder econômico e político. "Terá vantagem quem tem dinheiro, quem tem poder, é ele que vai oferecer a ação penal contra quem o investiga, acusando-o de abuso de autoridade. Isso vai causar o afastamento do promotor do caso, porque ele não pode processar alguém que o processa também."

Está prevista para esta quarta-feira (26), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a análise do tema, depois que o presidente da CCJ, Edson Lobão (PMDB/MA), também investigado na Lava Jato, concedeu mais tempo para senadores que são contrários ao texto. Depois da CCJ, o projeto segue para votação em plenário; até lá, novas mudanças podem ser propostas.

O presidente da APMP explicou que a lei atual permite que vítimas de abuso de autoridade apresentem ação penal, "de maneira subsidiária", ou seja, quando o MP deixa de apresentar denúncia dentro do prazo legal que possui. "Respeito muito o senador, mas nesse ponto Requião errou ao admitir a ação penal privada concorrente", afirmou Felix.

Imagem ilustrativa da imagem 'Abuso de Autoridade' compromete a independência de investigadores



INOPORTUNO
Na semana passada, depois que o senador paranaense divulgou o seu voto na CCJ, com as alterações ao PLS 85, membros da "força-tarefa" da Lava Jato em Curitiba, como os procuradores de Justiça, Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, publicaram nas redes sociais um vídeo pedindo mobilização da sociedade contra a aprovação do projeto, considerado uma "vingança" contra a Lava Jato.

Autor do texto original do PLS, inspirado nas sugestões e adaptações da Procuradoria Geral da República (PGR), o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) disse à FOLHA que a discussão é inoportuna. "Em primeiro lugar, o grande problema é a inconveniência do projeto, que tem o objetivo de atingir e restringir o trabalho do MP. Exatamente agora, com as investigações da Lava Jato batendo às portas do Congresso, a discussão é feita por quem está em investigação", se referindo a membros da CCJ, onde 20 senadores são investigados na Lava Jato, de um total de 54.

Rodrigues afirmou que a mobilização dos eleitores pode forçar parlamentares a recuarem em alguns pontos do texto. "Não é nada contra o Requião, considero ele um homem honesto, mas do jeito como está, o projeto tem endereço certo, restringir o trabalho do MP."

"O grande problema é a inconveniência do projeto, que tem tem o objetivo de atingir e restringir o trabalho do MP", diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP)
"O grande problema é a inconveniência do projeto, que tem tem o objetivo de atingir e restringir o trabalho do MP", diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) | Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado



REQUIÃO
A reportagem não conseguiu falar com senador Roberto Requião nesta segunda-feira (24). Após as manifestações contra o seu substitutivo, o parlamentar fez na tribuna do Senado um discurso em defesa da aprovação. "A lei, como se vê, não se limita a magistrados e a promotores ou procuradores, mas atinge os senadores, deputados e vereadores igualmente, bem como os servidores públicos civis e militares e pessoas a eles equiparadas", falou ele.

De acordo com Requião, o projeto descreve quem são os agentes públicos passíveis de condenação por abuso, "e exclui da criminalização as condutas decorrentes de divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que razoável e fundamentada".
Requião afirmou que o único ponto do substitutivo que atinge "positivamente" a Lava Jato está na regra para a condução coercitiva. "É inadmissível que, sob o manto de investigar as inequívocas e patentes ilegalidades e os crimes verificados no âmbito da Lava Jato, possa um procurador ou um juiz ele próprio violar a lei processual penal, ferindo de morte o princípio do devido processo legal." Ele afirmou que a clareza nos critérios para a investigação poderá evitar a nulidade da prova e dar "higidez à persecução penal".