Imagem ilustrativa da imagem TELEFONIA - Momento decisivo
| Foto: Shutterstock



O desenvolvimento das telecomunicações no Brasil tem em 2017 um marco: os 20 anos da Lei Geral de Telecomunicações, que iniciou o processo de privatizações no setor, serão completados em julho. Legislação essa que desde 2016 está sendo revista pelo Congresso Nacional. Tais trabalhos estão sendo acompanhados ativamente pela Proteste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, que já enviou contribuições e fez consultas aos órgãos competentes.

Em entrevista à FOLHA, a coordenadora institucional da entidade, a advogada Maria Inês Dolci, que há mais de 20 anos atua na área de defesa do consumidor e que acompanhou de perto a implantação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, fez uma avaliação dos 20 anos da lei, bem como da maneira como estão sendo tratados pontos fundamentais, como as obrigações de cobertura e universalização da oferta do serviço por parte das empresas e os bilhões que estão em jogo no texto do projeto de lei, por meio do qual a União pode abrir mão das multas a serem pagas pelas operadoras e do patrimônio físico cedido e que deveria ser devolvido em parte ao término do contrato, em 2025, sob a condição delas fazerem investimentos no mesmo valor, estimado em R$ 20 bilhões.

Quais os desdobramentos positivos e negativos da atual Lei Geral de Telecomunicações, que completará 20 anos em 2017?
Antes das privatizações, em 1998, o Brasil tinha somente 20 milhões de acessos individuais de telefones fixos em uso e falta de compromisso com a universalização. Com a privatização do sistema Telebrás, o resultado positivo foi sem dúvida alguma o desenvolvimento das telecomunicações. Passamos de 20 milhões para 41 milhões de acessos instalados e em uso de 1998 para 2001. A lei estabeleceu ainda que metas de universalização só seriam impostas para os serviços prestados em regime público e que não poderia haver subsídios entre modalidades distintas de serviços; no estabelecimento da estrutura tarifária e sua aplicação, não se poderia utilizar receitas oriundas do serviço público para promover o crescimento de serviços privados. As operadoras propuseram à Anatel e ao Ministério das Comunicações transformar as concessões de telefonia fixa em regime de autorização, como acontece no serviço celular. A mudança faria com que as empresas não tenham mais obrigações de cobertura e universalização da oferta do serviço. Para a Proteste, o modelo defendido pelas teles não atende aos interesses do consumidor. Elas querem acabar com o regime de concessão e incorporar os bens herdados na privatização. Pelas regras atuais, eles devem ser devolvidos ao fim do contrato de concessão.

Que mecanismos na legislação vigente poderiam ser revistos na retomada da tramitação do projeto de lei que foi da Câmara para o Senado no que se refere à qualidade dos serviços, uma vez que as operadoras costumam liderar rankings de reclamações em órgãos de defesa do consumidor?
Em fevereiro de 2016, a Proteste enviou contribuição à Anatel, quando da consulta pública do Ministério da Justiça sobre as alterações no Marco Legal das Telecomunicações. Nessa contribuição, a Proteste defendeu a inclusão da banda larga no regime público, medida que viabilizaria a universalização da internet no Brasil, com a possibilidade de imposição de metas de universalização e continuidade por meio da liberação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que arrecada anualmente R$ 2,5 bilhões. Ressaltamos também que a banda larga é essencial, especialmente as redes de acesso e transporte para o serviço de comunicação de dados e que, de acordo com o artigo 65 da Lei Geral de Telecomunicações, deveria ser prestada no regime público. Para a alteração da Lei Geral de Telecomunicações, a Proteste pediu o fim dos regimes público e privado. Os serviços de telecomunicações são atribuição exclusiva da União e a existência do regime privado, que limita o poder regulatório para a definição de metas de universalização e definição de tarifas, vem há anos beneficiando as operadoras, comprometendo a atuação dos governos em relação às políticas do setor, especialmente as voltadas para o acesso à internet e inclusão digital. As telecomunicações no Brasil têm muitos problemas: acesso restrito a uma parte dos cidadãos, desigualdade de condições e serviços caros, qualidade ruim e desrespeito a direitos dos usuários. Mas esse cenário pode ficar ainda pior. Diversas tentativas de mudanças da legislação em vigor visam retirar obrigações das prestadoras dos serviços, em um movimento que trará impactos negativos, sobretudo para o acesso à internet de qualidade para toda a população. Essas mudanças são significativas para a melhoria do cenário que hoje temos de reclamações dos consumidores.

Há diversos pontos controversos no texto que foi aprovado pela Câmara. Sobre essa questão do patrimônio público, como a Proteste está se posicionando? Ainda nesse sentido, existe o perdão das multas cobradas junto às operadoras, que estaria estimado em R$ 20 bilhões. Essa medida não seria um retrocesso do ponto de vista de se fazer cumprir as regras e um enfraquecimento no que se refere à punição de práticas contrárias ao consumidor?
Trata-se de um retrocesso aos direitos dos consumidores. Entendemos ser inadmissível que a estimativa de R$ 20 bilhões, do que deveria ser devolvido à União em 2025, entre como contrapartida das empresas para investir em seus negócios para supostamente melhorar o serviço prestado ao consumidor. O consumidor será desestimulado a registrar reclamação. Além disso, a medida despoja os consumidores, a parte mais fraca das relações de consumo, de direitos já garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor, com a exclusão da punibilidade enquanto o número de reclamações cresce vertiginosamente, favorecendo as empresas que desde as privatizações são as campeãs de reclamações.

A Proteste também questiona os subsídios cruzados oferecidos à telefonia. De que maneira isso ocorre?
A Proteste, em consulta pública, pediu que seja eliminado o impedimento de subsídios cruzados. A Lei Geral de Telecomunicações proíbe este subsídio entre modalidades de serviços, mas eles ocorrem na prática. Receitas obtidas com a exploração da telefonia fixa – 80%, segundo a Anatel, em especial a assinatura básica - foram investidas em infraestruturas de suporte para outros serviços prestados em regime privado. Os subsídios cruzados, por serem proibidos, não são regulados pela Anatel e trazem grandes prejuízos aos consumidores, que não são beneficiados com os ganhos decorrentes da exploração do único serviço prestado em regime público, nem com a redução de preços dos outros serviços. Por esse motivo pedimos o estabelecimento de regras para regulação das tarifas. A Proteste tem uma ação civil pública na Justiça desde 2008, questionando a legalidade da inclusão de metas no contrato de concessão do serviço de telefonia fixa relativas à infraestrutura de suporte a outro serviço que não seja objeto dos contratos de concessão, como é o caso do backhaul.

Na avaliação da Proteste, como o cenário atual da economia brasileira pode influenciar a votação da modernização da Lei Geral de Telecomunicações?
Estamos atentos e acompanhando a votação, motivo de termos entrado, no dia 29 de dezembro, com uma representação no Ministério Publico Federal relativa à alteração do marco regulatório das telecomunicações. Requeremos que seja instaurado inquérito civil público, a fim de que sejam apurados possíveis atos ilegais decorrentes do processo de revisão do marco regulatório das telecomunicações e que se adotem as medidas cabíveis para resguardar o interesse público. Apontamos o desrespeito aos preceitos constitucionais que atribuem à União a responsabilidade pelas telecomunicações, bem como aos princípios da administração pública para licitações.