Palestino protesta em Gaza contra a decisão do presidente americano
Palestino protesta em Gaza contra a decisão do presidente americano | Foto: Mohammed Abed/AFP



No último dia 6 de dezembro, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou uma decisão que vinha sendo postergada por todos os seus antecessores desde Bill Clinton (1993-2001). Trump reconheceu Jerusalém, cidade sagrada disputada por israelenses e palestinos, como a capital de Israel.

Uma lei aprovada em 1995 pelo Congresso americano estabelecia a data de 31 de maio de 1999 como prazo para que esse reconhecimento acontecesse e fosse feita a transferência da embaixada americana para Jerusalém. Todos os presidentes que passaram pela Casa Branca desde a aprovação do texto se esquivaram de tomar essa decisão por temerem as consequências, mas Trump assumiu os riscos.

Segundo Mauricio Loboda Fronzaglia, professor de relações internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Trump sabia que estava mexendo em um vespeiro quando optou por passar por cima de todas as negociações de paz e das tratativas para um acordo e tomar partido em favor de Israel. Mas os baixos índices de popularidade de seu governo o levaram a essa resolução. "Ele está tomando uma decisão de repercussão internacional, mas o objetivo dele é agradar uma boa parte do seu eleitorado, que é cristão, conservador, e os seus doadores de campanha. Muitos deles se encaixam nessa descrição", disse Fronzaglia à FOLHA.

De onde vem o conflito entre Israel e Palestina por Jerusalém?
Esse conflito acontece porque a maioria do povo palestino ocupava a região e, no início do século 20, por uma série de razões, ocorreu um movimento entre o povo judeu de voltar àquela região, onde eles habitaram historicamente, mas que também é ocupada pelos palestinos. Até as décadas de 1920 e 1930, não tinha dado tanto problema, mas devido aos horrores que o povo judeu passou na Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando foi criada a ONU (Organização das Nações Unidas), pensou-se por bem dar um território ao povo judeu para que ele pudesse habitar. O grande problema é que a ONU, em 1947, decidiu dividir esse território entre judeus e palestinos. Essa resolução não foi muito bem aceita pelos palestinos e nem pelos países árabes da região. E o único Estado que acabou se efetivando, de fato, com um governo estabelecido, foi o de Israel. A Guerra da Independência (1947-1949) que eles travaram ali, eles não travaram somente contra os palestinos. O reino da Jordânia e os outros países da região não viam com bons olhos a criação do Estado de Israel. Ali também há territórios que seriam de governo palestino. Em 1967, aconteceu a Guerra dos Seis Dias. Israel entrou em guerra com o Egito, com a Jordânia e triplicou o seu território, tomando territórios que eram do Egito, da Jordânia e também da Palestina. E nesse território palestino estava a cidade de Jerusalém. Pelo acordo original, da ONU, a cidade de Jerusalém seria dividida entre os dois países, mas Israel não quis devolver a parte da Palestina. Israel reivindicou que Jerusalém é a capital histórica, pela longa história do povo judeu ali naquela cidade, já que ali teriam sido construídos o primeiro e o segundo templos de Salomão, onde hoje é o Muro das Lamentações. Boa parte da reivindicação de Israel é baseada nisso.

A importância de Jerusalém não é só política, passa por uma questão religiosa também. É uma cidade de grande relevância para cristãos, muçulmanos e judeus.
Especificamente nesse sentido das negociações políticas, a questão religiosa é um complicador porque não falamos de uma cidade qualquer que vai ser dividida. Falamos de uma cidade que é uma cidade sagrada e a religião desperta sentimentos muito passionais, sentimentos de fé e sentimentos de paixão. É bem difícil você fazer negociações políticas quando você tem esses sentimentos tão fortes assim, de raízes históricas tão fortes, e, no final das contas, é uma cidade sagrada para os dois povos. É difícil você colocar em uma escala e falar que é mais sagrado para um do que para outro, isso é complicado.

É daí que vem a dificuldade de acordo, em razão das questões política e religiosa?
Sim. É até impressionante se a gente pensar que durante outros séculos não havia essa animosidade tão grande entre judeus e palestinos ou entre os judeus e outros povos árabes ali da região. Esse sentimento ficou mais forte com a criação do Estado de Israel, que acirrou bem os ânimos ali na região. É como se Israel fosse mais privilegiado. Nos anos 1930, os judeus foram para a Palestina e depois, na Guerra da Independência, se criou um trauma quando a ONU decidiu que os territórios seriam de Israel. Em muitos desses territórios, havia habitantes palestinos e eles tiveram que deixar suas casas. Até hoje existem famílias de pessoas que viveram essa situação e para quem isso é um trauma muito grande. São pessoas que tiveram que abandonar suas casas, primeiro pela independência de Israel, depois na Guerra dos Seis Dias. Foram expulsos das regiões onde estavam. Tem pessoas que ainda guardam a chave da casa de onde foram expulsos e a casa nem existe mais. Tem um sentimento de vingança muito grande, que é explicado porque essas pessoas passaram por uma situação de injustiça. Então, qualquer prognóstico, qualquer tentativa que tenha que se fazer de paz, antes é preciso superar esse trauma e isso é muito difícil. E do lado do povo judeu, é preciso compreender também que eles passaram por um trauma muito grande com a perseguição nazista. Talvez, daqui a algumas décadas, quando as novas gerações já não tiverem esse contato tão forte com esse trauma inicial, as negociações de paz se tornem mais viáveis.

Como o senhor avalia a atitude de Trump? Todos os presidentes americanos, desde Bill Clinton, haviam adiado essa decisão...
Os outros se esquivaram de tomar essa decisão porque é uma decisão que traz más consequências para o estabelecimento de um acordo de paz, de um compromisso de paz mais duradouro ali na região. Não foi à toa que tanto presidentes democratas quanto republicanos não quiseram tomar essa decisão porque eles tinham a ideia de que as consequências não seriam tão boas, essa decisão não seria bem aceita pela comunidade internacional, como efetivamente não foi bem aceita. Não é que o Trump ignore essas consequências para a comunidade internacional. A questão é que ele está tentando dar uma resposta para o seu eleitorado interno. Ele está tomando uma decisão de repercussão internacional, mas o objetivo dele é agradar uma boa parte do seu eleitorado, que é cristão, conservador, e os seus doadores de campanha. Muitos deles se encaixam nessa descrição. Então, é uma resposta que ele está dando ao seu eleitor, aqueles que votaram nele e muitos deles estão insatisfeitos com o governo. Os índices de popularidade do governo não são bons. Foi uma tentativa de dar uma satisfação ao seu eleitorado.

Por que a decisão dos EUA tem um peso tão grande nessa questão?
Além de ser a nação mais poderosa do mundo, de maior PIB, de maior economia, maior influência política, poderio militar etc, na região os americanos ganharam extrema importância quando, no final da década de 1970, o presidente Jimmy Carter patrocinou um acordo de paz entre o Egito e Israel. Os dois países entraram em guerra, na Guerra dos Seis Dias, e nos anos 1970, na Guerra do Yom Kippur. E esse tratado de paz, que foi patrocinado pelo governo americano, colocou o governo dos Estados Unidos como negociador natural da paz entre Israel e os países árabes da região. No final da década de 1970, os americanos confirmaram essa posição de principais patrocinadores das comunicações de paz, digamos assim, e tem acordos que depois foram feitos no governo Clinton, no governo Bush. Várias tentativas foram feitas para manter abertos os canais de negociação e todas elas foram intermediadas e patrocinadas pelo governo americano. Agora, a partir do momento que os Estados Unidos assumem uma posição que é de reivindicação exclusiva de Israel, eles perdem a confiança e a legitimidade que era dada também pelos palestinos para que eles continuem como patrocinadores desse processo de paz. Há uma quebra de confiança.

O Trump tomou partido...
Sim, muito embora a posição dos americanos, historicamente, penda mais para Israel, eles sempre tentaram se manter mais neutros, sempre tentaram deixar canais de comunicação abertos. A história da diplomacia americana nos últimos anos mostra que a diretriz era não tomar decisões radicais, que pudessem afetar um ou outro lado. E o governo Trump quebra essa conduta para adotar uma posição mais radical.

Há o risco de outros países acompanharem a decisão de Trump?
As nações mais importantes, como Rússia, França, Inglaterra, China, Alemanha, os países que importam no cenário internacional, os mais poderosos, eles não vão seguir essa decisão porque sabem que é uma tomada de partido e você vai tomar um lado numa questão, vai ajudar a complicar uma questão que por si já é complicadíssima. E por isso houve a crítica desses países. Pelo olhar da comunidade internacional, essa ainda era uma questão por ser decidida. E é por isso que eles não vão tomar esse lado dos Estados Unidos e é por isso que também criticaram essa tomada de posição americana.

Dentro dos países do Oriente Médio também não há um consenso sobre essa questão.
Não há um consenso porque também entre os países do Oriente Médio, tirando Israel, a própria Liga Árabe não tem uma posição unânime. Os próprios palestinos têm brigas internas, entre os dois principais partidos, o Fatah e o Hamas. Um é mais pró-negociação, outro é mais radical. E também não nos esqueçamos que os Estados Unidos têm fortes aliados na região. A Arábia Saudita é uma aliada norte-americana. Os Estados Unidos tinham base militar ali. Até as decisões militares americanas, de campanhas até contra o Estado Islâmico, a guerra civil no Iêmen, a Arábia Saudita sempre foi aliada americana. Aquela ali é uma região onde as pessoas pisam em ovos o tempo todo. Os americanos precisam de aliados ali até pela questão do petróleo etc. Tem questões culturais que geram uma certa repulsa à influência americana, mas ao mesmo tempo a Arábia Saudita não quer abrir mão dessa relação privilegiada que tem com os EUA. O Egito tem uma relação boa com os EUA também, desde que eles aceitaram aquele acordo de paz no final dos anos 1970, então são muitos os interesses que estão em jogo ali.

Mas esses países não declararam apoio à decisão de Trump.
Não. A grande maioria deles lamentou essa decisão. Lamentam que uma decisão tenha sido tomada sem que ela tenha sido fruto de uma negociação entre Israel e Palestina. Nenhum aliado importante dos EUA vai tomar essa posição.

Há um risco de guerra decorrente desse posicionamento dos EUA?
Quais são os principais grupos hoje que promoveriam ataques terroristas? Tem o Estado Islâmico, que está enfraquecido, e tem também a Al-Qaeda, que não tem o mesmo poder, digamos assim, que tinha lá pela época do 11 de setembro de 2001 (quando houve o ataque às torres gêmeas, em Nova York). Então, as duas principais organizações que estimulariam e patrocinariam esses ataques terroristas estão enfraquecidas. Mas nada impede de que haja atentados isolados, que são a ação de uma ou duas pessoas ou de um grupo radical que não necessariamente tenha contato com essas organizações e resolva fazer um atentado como alguns desses que ocorreram na França e na Inglaterra, de pegar um carro e atropelar as pessoas ou coisas assim. Esse é um risco que aumenta e é muito difícil prevenir uma coisa dessas. Seria mais fácil prevenir se essas ações terroristas fossem pensadas por essas organizações e fossem extensamente planejadas porque daí os serviços de segurança e de inteligência conseguiriam rastrear. Especificamente no Oriente Médio, você tem um acirramento de ânimos, mas não me parece que isso se torne um conflito entre Israel e Palestina porque a disparidade de força entre eles é muito grande. Eu acho que o governo, a autoridade palestina, não estaria disposta a apostar em um conflito porque eles teriam muito a perder. A força militar de Israel é muito maior.

Como ficam agora as negociações de paz?
Elas já não estão em um estado muito bom e certamente ocorre uma espécie de retrocesso porque, se elas já não estavam evoluindo, então agora você entra numa questão mais complexa ainda, que talvez não haja mais uma predisposição imediata para diálogo de nenhuma das partes e, para retomar a confiança dos dois lados, vai demorar bastante, pelo menos até acabar o governo Trump. Não consigo imaginar que exista um acordo de paz no Oriente Médio sem a participação americana e a participação americana agora, nesse período, está comprometida por essa decisão do Trump. Os palestinos não vão querer ou não vão aceitar os Estados Unidos como um dos patrocinadores ou um dos negociadores desse processo de paz. E olha que eu estou sendo bem otimista, imaginando que depois do Trump venha algum presidente mais predisposto ao diálogo, que consiga reconstruir essa relação de confiança, refazer essa ponte de diálogo entre os dois lados.

Ele mexeu em um vespeiro, né?
Parece que ele procura esse tipo de conflito. Como estratégia ou medida empresarial, talvez tenha sido muito bom para ele. Agora, quando você lida com o país mais poderoso do mundo, eu não sei se é uma boa política você estar sempre tentando provocar os outros. Ele certamente tem ali entre os assessores, entre quem trabalha no Departamento de Estado, gente muito competente que deve falar para ele que essa é a decisão mais complicada de tomar etc, mas ele sabe o que está fazendo. Não que o que ele esteja fazendo seja bom, mas então, quando ele toma essa decisão de Jerusalém, ele sabe que vai agradar o eleitorado mais radical dele e ele sabe que vai ter problemas. A questão é que, como ele mesmo falou no seu discurso, ele não dá a devida atenção para a política internacional.

E o processo de transferência da embaixada para Jerusalém?
A questão é agora esperar para ver os resultados disso porque talvez, essa ação na prática, seja mais demorada do que se imagina. Transferir a embaixada de um lugar para o outro não é mudar de uma casa para outra, tem uma logística toda de mudança. Serviço diplomático tem serviço de inteligência, serviço militar etc. Essa atitude (reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel) causou muita animosidade, então uma embaixada americana em Jerusalém teria que ser muito mais protegida de ataques do que a embaixada americana é protegida em Tel Aviv. E acho que os próprios funcionários do governo falam que essa decisão de mudar a embaixada para lá vai demorar de dois a três anos para ser implementada. Então, às vezes, pode ser que daqui a três anos o Trump não consiga se reeleger e que o próximo presidente resolva, simplesmente, deixar a embaixada em Tel Aviv.