Imagem ilustrativa da imagem Reduzindo o fosso
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Em um momento em que os escândalos de corrupção se acumulam e os políticos fazem malabarismos para salvar seus mandatos e os de seus pares, a população brasileira se sente cada vez mais distante dos representantes que elegeu. Uma iniciativa do LAB-FGV (Laboratório de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas) tem o objetivo de diminuir ao menos um pouco o tamanho desse fosso.

O Consulta Pública 2.0 (labfgv.com.br/consulta-publica-2-0) foi criado com o objetivo de angariar sugestões para projetos de lei apresentados no Congresso Nacional. Rodrigo Roll, graduando em direito pela FGV Direito Rio e membro da coordenação do LAB-FGV, explica que a ideia surgiu quando o laboratório foi procurado pelo deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ), que elaborou um PL para a instituição de regras e instrumentos para a eficiência da administração pública, por meio da desburocratização, inovação, informatização, participação e colaboração do cidadão.

Até o dia 10 de novembro, data final para as contribuições ao projeto dentro da plataforma Wikilegis (segundo Roll, o prazo pode ser prorrogado por mais 15 dias), o LAB-FGV vai divulgar o PL e estimular a participação por vários meios, descritos à FOLHA pelo estudante, que também falou sobre a expectativa de que a ideia aproxime a população brasileira do processo legislativo. A meta é ao menos ultrapassar a média de 72 contribuições por PL do Wikilegis - até a tarde da última quarta-feira, dia 1º de novembro, haviam sido registradas 67 sugestões.

Como surgiu a ideia do projeto?
Geralmente, o Laboratório de Políticas Públicas trabalha voltado para a administração pública direta. Esse novo projeto surgiu quando a assessoria do deputado (Alessandro Molon) nos procurou, e tornou-se uma oportunidade para o laboratório trabalhar com a parte mais voltada para o Legislativo. Percebemos que o PL tinha pertinência quanto à atuação do laboratório, pois envolve temas de eficiência pública, como abertura de dados, acesso à informação e até instituição de um laboratório de inovação na administração pública. Então, há esse lado da pertinência do tema e também a relevância da consulta pública, que é um instrumento essencial para a democracia.

Como está funcionando essa divulgação?
A gente tem primeiro feito a divulgação nas redes sociais, usado o nosso Facebook e também o do deputado. Também fizemos um evento na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, na segunda-feira (30 de outubro), que transmitimos em livestream. E nós temos conversado, proposto parcerias com algumas universidades, instituições da sociedade civil, tanto para divulgar quanto para contribuir com o projeto de lei. A gente tem tentado explicar um pouco como funciona a plataforma Wikilegis e conversado com grupos não só de política pública mas de direito legislativo, direito administrativo, que tenham pertinência com o tema.

Qual será o encaminhamento depois disso?
Vamos juntar as contribuições. A gente está desenvolvendo uma metodologia com alguns professores da FGV para ver como podemos analisar e tentar ser um pouco mais transparentes, talvez poder analisar algumas falhas do (processo do) Marco Civil (da internet), a transparência é um ponto relevante para que a gente possa mostrar qual o critério, mostrar o que foi incluído ou não no relatório. A gente vai montar um relatório com as contribuições que forem mais relevantes e pertinentes ao tema, e que vai ser encaminhado para o deputado relator, Arolde de Oliveira (PSC-RJ). E, por fim, estamos discutindo a viabilidade de fazer um artigo com algo mais ligado ao processo e não ao conteúdo, falando um pouco como foi a consulta pública, fazer um paralelo com o Marco Civil.

É possível analisar a participação da população em geral nas contribuições a projetos de lei, mesmo com o Wikilegis sendo uma plataforma recente? Mesmo vivendo um momento de descrença na política, o brasileiro está querendo participar mais do processo legislativo?
Como a plataforma é muito nova, ainda não temos uma base de dados grande, robusta para poder ter afirmações claras. Acredito que é uma plataforma interessante para realizar justamente isso que você comentou: a maioria da população reclama disso, da falta de participação, de que não tem espaço, de que falta democracia direta, basicamente, para usar termos técnicos. Eu acredito que a ferramenta é um meio muito interessante, que pode impactar, mas primeiro ela precisa de divulgação. Além disso, querendo ou não, a internet, apesar de ser universal e em tese uma rede neutra, acaba limando o acesso de uma parcela da população. Infelizmente, muita gente ainda não tem acesso à internet e não tem conhecimento para conseguir acessar da maneira mais adequada. Temos que esperar algumas etapas, claro, primeiramente essa da igualdade de condições para a internet chegar a todos e depois a da divulgação, trazer isso mais para o cotidiano. Enquanto isso está distante, for algo novo, as pessoas vão ter um estranhamento e talvez não queiram participar. Para criar um pouco dessa cultura de participação, precisa primeiro divulgar, e mostrar que isso impacta. Por exemplo, se esse PL conseguir muitas contribuições e mostrar que elas de fato podem entrar no texto legislativo, se a gente conseguir mostrar um link claro entre a opinião do cidadão e a posterior contribuição, isso seria muito interessante, causaria um impacto muito positivo.

Essa cultura de participação é maior em outros países?
Acredito que sim, e isso tem um pouco a ver não só com a idade da democracia mas também com aquele aspecto que eu mencionei, a questão do acesso. Por exemplo, nos Estados Unidos, na campanha do (ex-presidente Barack) Obama, por mais que não tenha sido uma questão de processo legislativo e sim uma questão de participação da população através da internet, foi bastante forte, até cunhou o tema Obama 2.0. Trouxe a ideia de política para a era do compartilhamento, de divulgação de informações. Acredito que agora isso está começando a crescer no Brasil. Alguns candidatos, principalmente, estão se usando muito da rede para divulgar, conseguir apoios, e acredito que isso possa migrar para o Legislativo. Isso é feito em outros países. Um dado interessante: como a plataforma do Wikilegis é nova, antigamente havia o eCidadania, uma plataforma maior, macro, em que você tinha alguns mecanismos diferentes de ideias legislativas nas quais as pessoas poderiam votar, não opinavam. Então, se tivesse 20 mil apoios, o projeto ia ser discutido no Congresso. Se você for pegar outros países, esse número acaba sendo muito maior, apesar de a população ser bem menor do que no Brasil. Isso mostra que aqui a gente ainda não tem uma cultura de participação, porque para um projeto conseguir 20 mil apoios era muito difícil.

Recentemente, houve uma frustração muito grande quando as Dez Medidas contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal e que tiveram mais de 2 milhões de assinaturas, foram modificadas quando chegaram ao Congresso Nacional. Quando o resultado não é o esperado, não pode haver um descrédito desses mecanismos de participação?
São dois processos distintos, porque a questão das Medidas contra a Corrupção está relacionada aos projetos de lei de iniciativa popular, que é um pouco diferente do que a plataforma (Wikilegis) se propõe a fazer. A plataforma diz claramente que o projeto tem um autor, é uma iniciativa legislativa de algum deputado, e as pessoas só comentam. É um pouco mais evidente que as pessoas estão sendo consultadas. No caso do projeto de iniciativa popular, o que a gente tem hoje em dia é uma grande frustração, porque nós temos a opção de fazer um projeto de iniciativa popular constitucionalmente, com algumas exigências mínimas, mas, como é necessário levar toneladas e toneladas de papeis (a Constituição Federal estabelece que projetos de lei de iniciativa popular podem ser apresentados à Câmara dos Deputados se tiverem assinaturas de no mínimo 1% do eleitorado nacional), acaba que um deputado apadrinha o projeto. Isso aconteceu e acabou gerando uma grande confusão no caso da Lei Seca, no Rio de Janeiro, muitos candidatos utilizavam isso como plataforma política, "Ah, o projeto da Lei Seca foi eu que fiz!". Na verdade, surgiu de um projeto de lei de iniciativa popular. Então, uma iniciativa interessante que se propõe a mudar isso foi o Mudamos, projeto do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro) em que foi criado um aplicativo em que você pode propor projetos de lei e as pessoas podem fazer assinaturas digitais. Ele justamente tenta suprir esse problema da assinatura física, para que os projetos de lei tenham de fato assinatura popular e não sejam apadrinhados por algum político. Acho que acaba sendo um caso diferente do Wikilegis porque (ele) não tem muito dessa frustração. A única frustração seria o fato de as pessoas não serem ouvidas: uma plataforma em que as pessoas conseguiriam submeter suas ideias, contribuições, e no fim nada fosse acolhido. Isso, sim, seria uma grande frustração, que poderia ser negativa para o processo. Por isso, acho que, se a gente divulgar a plataforma e fazer dela um espaço reconhecido, para que as pessoas possam exercer pressão, vai mudar a ótica, passar a ser usada de fato, e os deputados relatores vão se sentir mais compelidos a usar a plataforma, a ouvir a população.